EUROPEAN ACADEMY 2008  
  [Gumpoldskirchen/Áustria – 14 a 18/07/2008]  
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A EUROPA E O MUNDO NO SÉCULO XXI

Notas e reflexões da Dr.ª Ana Isabel Xavier,
representante do EuroDefense-Portugal
na European Summer Academy 2008

O mundo globalizado de hoje tornou-se mais pequeno e interdependente. O desenvolvimento tornou-se mais abrangente e mais rápido. O conhecimento dispersou-se e deixou de se fixar num só lugar. Já não são as ideologias que separam os Homens, mas sim as identidades e é o background de cada uma dessas identidades que constitui o grande desafio das sociedades actuais.

Um factor estruturante do século XXI será a necessidade global de energia, um assunto que é frequentemente subestimado, mas que será incontornável devido às pressões demográficas e ao envelhecimento populacional. De facto, pelo impacto económico, gestão dos recursos, sustentabilidade ambiental ou pressão migratória, a questão que dominará a agenda dos Estados será como financiar os sistemas sociais, quando a população com mais de 60 anos tende a duplicar e quando os recursos energéticos são escassos e reduzidos a países e zonas estratégicas.

A UE não tem uma política comum de energia, não tem um quadro global que regule ou controle as necessidades, os limites ou os recursos energéticos. Nesse sentido, o Tratado de Lisboa tenta trazer maior eficiência e poder à Europa também numa perspectiva de uma política de energia e não de 27 políticas. Independentemente do modo como a Europa possa resolver a questão energética, uma cooperação transatlântica via NATO afigurar-se-ia inadequada e perigosa, porque iria militarizar e securitizar este assunto em confronto directo com a Rússia.

Quem controla o desenvolvimento global actual? Não há só um actor no mundo, mas quem é o número um? Os EUA pela supremacia militar? E se assim aceitarmos, quem é o número dois? O Japão, pelo poder militar e por ser a segunda maior economia mundial? A China? E quem é o número três? A Índia, pelo desenvolvimento da sua população em que só 20% vive como classe média? Independentemente do ranking que estes países ocupam, a verdade é que as relações internacionais revelam uma viragem estratégica da Europa para a Ásia e do Atlântico para o Pacífico, desde logo pelos recursos existentes na região. Para além disso, enquanto o Médio Oriente e Ásia Central têm vindo a aumentar exponencialmente os seus gastos militares nos últimos anos, os membros da NATO têm vindo a diminui-los (em 1995 representava 2,4% do PIB e em 2008 apenas 1,9%).

O que distingue a capacidade da União Europeia, como um actor global, do Japão, Rússia, China ou Índia, é que estes últimos são todos Estados nacionais, com uma convergência de interesses a nível nacional e com uma voz única na política externa, o que facilita os processos de decisão. Ao invés, a UE é um conjunto de identidades e instrumentos nacionais e é muito complicado formar uma essência de vontade independente na super estrutura comunitária em que, se um Estado bloqueia uma decisão, o processo no todo pára. Ironicamente, nenhum Estado-membro individualmente pode influenciar o desenvolvimento global, enquanto colectivamente os Estados não se conseguem articular para tomarem decisões e acções em conjunto. Para além disso, o que é afinal necessário para a UE ser um actor global? São necessários poderes explicitados num Tratado, Instituições eficazes que sirvam como instrumento político para atingir esses objectivos e procedimentos que permitam o bom funcionamento das Instituições. O Tratado de Lisboa vem dar personalidade jurídica à União, dotando-a também de um conjunto de princípios comuns para que a acção externa seja integrada progressivamente no quadro geral das políticas europeias. No entanto, o grande obstáculo que permanece para a comunitarização da política externa continua a ser a falta de vontade política dos Estados-membros.

A solução para problemas como os “não” da França e Holanda à Constituição Europeia e o “não” ao Tratado de Lisboa por parte da Irlanda, pode passar desde logo por abolir o obstáculo da figura da unanimidade, que não é de todo consentânea com a realidade actual da diversidade dos Estados-membros. O processo de integração europeia mostra-nos que processos como a moeda única ou Shengen só foram possíveis de concretizar pela regra da “cooperação reforçada”. Deste modo, a solução é desenvolver estruturas e procedimentos “fast-track” para os Estados mais ambiciosos, por poucos que sejam, seguirem em frente. A generalização da decisão por maioria qualificada ao invés da unanimidade viria, assim, facilitar o papel das Instituições, mesmo sem a participação de todos os Estados.

Em 2009, passam 10 anos da Cimeira de Colónia, o que será emblemático para fazermos um balanço da PESD. A avaliação do futuro da PESD continua a depender de uma visão optimista ou pessimista, porque a PESD continua a ser intergovernamental, logo depende se os Estados querem ou não mobilizar-se. O que falta à PESD é uma cultura estratégica, identidade, transparência e vontade política. Para que tal se concretize, não são necessariamente exigidas muito mais capacidades, mas sim um documento (como o Tratado de Lisboa ou um “security assessment” de periodicidade anual) que refira em que circunstâncias a Europa pode agir, identificando claramente interesses, ameaças, necessidades e capacidades comuns. Uma razão que pode apontar para a falta de uma cultura estratégica da UE é o facto de os Estados-membros individualmente também a não terem, podendo-nos questionar se tal facto não será, por si só, estratégico.

O último alargamento da União foi um imperativo histórico, mas questionou consideravelmente a heterogeneidade e coesão interna da UE a 27, dificultou o sentimento psicológico de identidade em casa, enfraqueceu a própria construção europeia como originalmente estava prevista (o que pode explicar o referendo irlandês) e pôs em causa a capacidade dos Estados transferirem mais competências para a Europa. O alargamento teve também um impacto moral, pois mudou a linguagem dos europeus que exigem da Europa protecção das ameaças económicas e sociais, bem como regulação e limites para a liberdade dos capitais.

Que futuro para a União Europeia? Poderão conhecer-se três tendências, isoladas ou em conjunto. Assim, a União poderá ser:

  1. Mais politizada – para se encontrar a finalité da União, os cidadãos devem ter alternativas para influenciar o que se passa a nível da super-estrutura e sentirem que os resultados das eleições para o Parlamento Europeu fazem de facto diferença no seu dia-a-dia.
  2. Mais diferenciada – os Estados-membros devem ter mais mecanismos de cooperação e acção entre si, o que reforçará a sua identidade e expectativas dentro da União.
  3. Mais globalizada – ser mais global é a nova raison d’être da Europa, para não ser marginalizada do sistema internacional, a nível político, militar, económico. Para se tornar numa Europa proactiva - a Europa global traduzida em práticas e acções concretas.

De qualquer forma, os analistas políticos tendem a redesenhar o sistema internacional no futuro, considerando os EUA como o único actor global numa esfera de vários outros actores mais participativos e dinâmicos, em que a Europa se afirmará não necessariamente como os Estados Unidos da Europa mas como a Europa Unida de Estados.

Em 2009, celebram-se 60 anos da fundação da NATO. É oportuno questionarmo-nos porquê e como sobreviveu a relação transatlântica. Cinco razões podem ajudar à reflexão. Primeiro, a partilha dos mesmos valores e interesses; segundo, os próprios Europeus habituaram-se a um certo unilateralismo por parte dos EUA, com Clinton e Bush, e deixaram a relação ser dominada pelo “lado de lá” sem colocarem grandes reservas; terceiro, a Europa não tinha alternativa a esta Aliança; quarto, os governos europeus estiveram sempre divididos em relação a muitas matérias mas sempre concordaram que a União devia ser transatlântica; quinto, foi e é uma forma de segurança do controlo da Rússia, nomeadamente durante a Guerra-Fria; e, por último, não faria sentido estar contra os EUA em assuntos estratégicos como, por ex., a relação com a China. Mudará alguma coisa na relação UE-NATO com a nova Presidência americana, independentemente de ganhar Obama ou McCain? Poderão delinear-se três opções futuras: a primeira, poderia ser um regresso ao debate do “burden-sharing” (“partilha do fardo”), já que os EUA querem a UE no Afeganistão de forma efectiva. No entanto, nesta primeira opção, seria provável que a “lua-de-mel” acabasse rapidamente perante a pergunta “quem perde nesta aliança?”. A segunda opção seria manter a situação actual, com os EUA a colocarem mais tropas no Afeganistão e a UE a manter-se afastada da situação no terreno. E a terceira opção, eventualmente a mais optimista, poderia passar pela refundação da parceria transatlântica com uma convergência de políticas, uma nova postura e uma prática renovada. Assim, a NATO continua a ser necessária embora possa não ser suficiente para os desafios de segurança actuais.

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