{"id":10917,"date":"2024-05-06T19:43:02","date_gmt":"2024-05-06T19:43:02","guid":{"rendered":"https:\/\/eurodefense.pt\/?p=10917"},"modified":"2024-05-06T19:43:12","modified_gmt":"2024-05-06T19:43:12","slug":"o-terrorismo-e-a-radicalizacao-numa-perspetiva-de-legitimidade","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/eurodefense.pt\/o-terrorismo-e-a-radicalizacao-numa-perspetiva-de-legitimidade\/","title":{"rendered":"O Terrorismo e a Radicaliza\u00e7\u00e3o numa Perspetiva de Legitimidade?"},"content":{"rendered":"\n
A Radicaliza\u00e7\u00e3o e o Terrorismo<\/strong><\/p>\n\n\n\n Conforme real\u00e7ado por Doosje et al. (2016), a radicaliza\u00e7\u00e3o representa-se como um processo pelo qual indiv\u00edduos e\/ou grupos se tornam progressivamente inclinados e motivados a utilizar a viol\u00eancia contra “membros de um out-group<\/em> ou alvos simb\u00f3licos para alcan\u00e7ar mudan\u00e7as comportamentais e objetivos pol\u00edticos” (p. 79).<\/p>\n\n\n\n Segundo os autores (idem)<\/em>, os indiv\u00edduos radicalizados s\u00e3o caracterizados por cinco tra\u00e7os fundamentais: (1) a identifica\u00e7\u00e3o, perce\u00e7\u00e3o e aclama\u00e7\u00e3o de problemas graves na sociedade; (2) a perda de confian\u00e7a nas Institui\u00e7\u00f5es estatais, com atribui\u00e7\u00e3o de pouca ou nenhuma confian\u00e7a na capacidade destas em resolver os problemas percebidos; (3) a considera\u00e7\u00e3o dos seus valores como superiores a qualquer outro grupo; (4) a legitima\u00e7\u00e3o do uso de viol\u00eancia, principalmente quando direcionada a “out-groups”<\/em> responsabilizados por seus problemas; e (5) a cren\u00e7a firme na efic\u00e1cia da viol\u00eancia para alcan\u00e7ar metas desejadas. Adicionalmente, Pruyt e Kwakkel (2014) definem a radicaliza\u00e7\u00e3o como “o processo pelo qual cidad\u00e3os cumpridores da lei tornam-se mais e mais convencidos sobre um fen\u00f3meno social e sobre a necessidade de aplicar mais e mais a\u00e7\u00f5es radicais” (p. 2).<\/p>\n\n\n\n Relativamente ao terrorismo, morfologicamente, a palavra surge do termo “terror<\/em>” com o sufixo “-ismo”, significando, na sua origem meramente etimol\u00f3gica, um ato cont\u00ednuo da pr\u00e1tica do terror (Schmid, 2023; Waldron, 2004). Segundo Schmid (2011), o terror caracteriza-se como um estado da mente dominado por sentimentos intensificados de medo, verific\u00e1vel tanto ao n\u00edvel individual como coletivo, sendo a correspondente instrumentaliza\u00e7\u00e3o apontada como uma abordagem assim\u00e9trica envolvida em amea\u00e7as e viol\u00eancia normalmente empregadas em conjunto com outras t\u00e9cnicas e estrat\u00e9gias espec\u00edficas pr\u00e1ticas, cada vez mais diversificadas e sofisticadas.<\/p>\n\n\n\n Para al\u00e9m disso, o consenso em torno de uma defini\u00e7\u00e3o conceptual de terrorismo, tanto a n\u00edvel pol\u00edtico como a n\u00edvel acad\u00e9mico, ainda permanece em debate (Casimiro, 2019; Prabha, 2000; Schmid, 2004). Afirma-se que a conceptualiza\u00e7\u00e3o do presente fen\u00f3meno inevitavelmente encontra-se envolvida por tend\u00eancias pol\u00edticas sendo utilizada como uma forma de ret\u00f3rica contra os inimigos percecionados como tal, pelo poder pol\u00edtico central (Freitas, 2022; Prabha, 2000; Schinkel, 2009; Sousa & Mendes, 2008). Esta vis\u00e3o dupla e partid\u00e1ria concede o argumento de que “um ator pode ser um terrorista para uns e um her\u00f3i ou resistente para outros” (Sousa & Mendes, 2008, p. 239). J\u00e1 noutra perspetiva, a dif\u00edcil delimita\u00e7\u00e3o do fen\u00f3meno poder\u00e1 ser justificada pela utiliza\u00e7\u00e3o de “in\u00fameros crit\u00e9rios (…) quer quanto aos fins, aos meios, aos sujeitos, ou mesmo ao contexto pol\u00edtico, entre v\u00e1rios outros” (Casimiro, 2019, p. 29)<\/p>\n\n\n\n Adicionalmente, Freitas (2022) afirma que a lacuna na conceptualiza\u00e7\u00e3o do terrorismo estabelece-se enquanto uma entrave \u00e0 estrat\u00e9gia contraterrorista, tanto a n\u00edvel nacional como internacional. Efetivamente, perante a falta de um consenso sobre esta, surgem obst\u00e1culos \u00e0 investiga\u00e7\u00e3o, \u00e0 punitividade, na legisla\u00e7\u00e3o e \u00e1 coopera\u00e7\u00e3o internacional em mat\u00e9ria terrorista (Casimiro, 2019; Freitas, 2022). A cria\u00e7\u00e3o de uma defini\u00e7\u00e3o universal poder\u00e1 potencializar uma \u201charmoniza\u00e7\u00e3o normativo-substantiva entre as diferentes ordens jur\u00eddicas nacionais e, a jusante, permite a utiliza\u00e7\u00e3o de mecanismos de coopera\u00e7\u00e3o judici\u00e1rias internacional em mat\u00e9ria penal\u201d (Freitas, 2022, p. 117).<\/p>\n\n\n\n Terminando, Borum (2011a) e G\u00f3mez et al. (2021) acrescentam que a radicaliza\u00e7\u00e3o \u00e9 um processo que poder\u00e1, ou n\u00e3o, culminar no ato terrorista, esclarecendo que nem todos os indiv\u00edduos radicalizados acabam por se envolver no terrorismo e que, mais do que uma decis\u00e3o ou uma condi\u00e7\u00e3o adversa, o envolvimento no respetivo fen\u00f3meno \u00e9 produto de um processo din\u00e2mico e complexo, sendo por isso necess\u00e1rio estudar de que forma estes indiv\u00edduos se radicalizam, numa perspetiva mais individual e contextual, ao ponto de legitimar o cometimento de atos desta natureza. Borum (2011b) adiciona que “a maioria dos radicais n\u00e3o participaram (e n\u00e3o participa) no terrorismo e muitos terroristas n\u00e3o se \u2018radicalizaram\u2019 (e n\u00e3o se radicalizam)” (p. 2).<\/p>\n\n\n\n A Radicaliza\u00e7\u00e3o numa Perspetiva de Legitimidade e Confian\u00e7a nas Institui\u00e7\u00f5es Estaduais<\/strong><\/p>\n\n\n\n Segundo Tyler (2006) e Tyler et al. (2010), a autoridade exercida por um Estado manifesta-se quando os seus membros o reconhecem como tal, conformando-se com as normas e regras por este estabelecidas. A conformidade com a lei \u00e9 compreendida atrav\u00e9s de duas perspetivas: a instrumental, na qual os cidad\u00e3os respeitam as leis e evitam a pr\u00e1tica de crimes ap\u00f3s ponderarem os custos, benef\u00edcios e a probabilidade de serem identificados e punidos; e a normativa, destacando a influ\u00eancia da moralidade e da legitimidade na conformidade com a lei. Neste sentido, Tyler (2006) sublinha que “a moralidade implica obedecer \u00e0 lei porque a pessoa acredita que esta \u00e9 justa […] a legitimidade implica obedecer \u00e0 lei porque a pessoa sente que a autoridade que a imp\u00f5e tem o direito de ditar os comportamentos” (p. 4).<\/p>\n\n\n\n Dito isto, o autor afirma que a legitimidade atribu\u00edda \u00e0s autoridades e Institui\u00e7\u00f5es emerge como um dos aspetos mais relevantes no \u00e2mbito da preven\u00e7\u00e3o do fen\u00f3meno criminal em que \u201cquando as pessoas acreditam que as autoridades legais t\u00eam o direito ao poder e o direito de ditar o comportamento apropriado, tendem a submeter-se e a cooperar com as autoridades leg\u00edtimas porque sentem que \u00e9 a coisa certa a fazer\u201d (Tyler et al., 2012, p. 2).<\/p>\n\n\n\n Levi et al. (2009) suplementa esta linha de racioc\u00ednio, afirmando que \u201cum governo considerado leg\u00edtimo pode esperar ampla coopera\u00e7\u00e3o p\u00fablica para atos volunt\u00e1rios como vota\u00e7\u00e3o, servi\u00e7o militar volunt\u00e1rio e participa\u00e7\u00e3o na resolu\u00e7\u00e3o de problemas comunit\u00e1rios\u201d (pp. 354-355) sendo a elevada legitimidade, por um lado, uma clara vantagem na redu\u00e7\u00e3o de recursos e investimento em sistemas refor\u00e7ados de seguran\u00e7a e vigil\u00e2ncia criados para atenuar os problemas que uma baixa legitimidade exerce sobre a sociedade e os Estados. Assim, segundo os autores, a legitimidade pode ser avaliada conforme: (1) as inten\u00e7\u00f5es de um Governo; (2) a performance deste e; (3) a sua compet\u00eancia administrativa, com a inten\u00e7\u00e3o basilar de fornecer conforto, justi\u00e7a e respeito \u00e0 popula\u00e7\u00e3o que regula. <\/p>\n\n\n\n Relativamente \u00e0 rela\u00e7\u00e3o entre legitima\u00e7\u00e3o e o processo de radicaliza\u00e7\u00e3o e terrorismo, van den Boss (2020) real\u00e7a o sentimento de injusti\u00e7a percecionado pelos indiv\u00edduos. Neste sentido, o autor invoca a \u201cThe Staircase to the Terrorist Act\u201d [As Escadas para o Ato Terrorista] de Moghaddam (2005) destacando as etapas da interpreta\u00e7\u00e3o psicol\u00f3gica das condi\u00e7\u00f5es materiais e as solu\u00e7\u00f5es identificadas para os problemas percecionados, sublinhando a influ\u00eancia da confian\u00e7a, justi\u00e7a e legitimidade exercidas pelos Estados e Institui\u00e7\u00f5es na continuidade da subida dos andares propostos por Moghaddam (2005) uma vez que, aos indiv\u00edduos, \u201cforam-lhes negadas oportunidades de voz ou outra participa\u00e7\u00e3o significativa na tomada de decis\u00f5es, o que os levou a culpar excessivamente o outro\u201d (van den Boss, 2020, p. 566).<\/p>\n\n\n