{"id":11142,"date":"2024-05-27T07:27:05","date_gmt":"2024-05-27T07:27:05","guid":{"rendered":"https:\/\/eurodefense.pt\/?p=11142"},"modified":"2024-05-28T08:25:38","modified_gmt":"2024-05-28T08:25:38","slug":"analise-critica-o-novo-modelo-de-apoio-ao-desenvolvimento-promovido-pelos-brics","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/eurodefense.pt\/analise-critica-o-novo-modelo-de-apoio-ao-desenvolvimento-promovido-pelos-brics\/","title":{"rendered":"An\u00e1lise cr\u00edtica: O novo modelo de apoio ao desenvolvimento promovido pelos BRICS"},"content":{"rendered":"\n

O apoio ao desenvolvimento sempre se apresentou como algo contestado ao longo das \u00faltimas d\u00e9cadas como sendo altamente politizado e ineficaz. Este desenvolvimento promovido pelo Ocidente, tem vindo a dar lugar ao apoio ao desenvolvimento promovido pelos BRICS (Brasil, R\u00fassia, \u00cdndia, China e \u00c1frica do Sul) que tem se mostrado bastante apelativo aos pa\u00edses recetores. Desta forma, \u00e9 necess\u00e1rio perceber o que muda nestes financiamentos, quais as consequ\u00eancias diretas, e se este poder\u00e1 a vir a ser um modelo amplamente generalizado em termos globais.<\/p>\n\n\n\n

O modelo de desenvolvimento promovido pelo Ocidente nas \u00faltimas d\u00e9cadas tentou providenciar aos pa\u00edses menos desenvolvidos formas de encontrarem o progresso econ\u00f3mico e humano atrav\u00e9s de mecanismos financeiros normalmente incorporados naquilo que s\u00e3o os atores da economia mundial como o FMI (Fundo Monet\u00e1rio Internacional) e Banco Mundial. Contudo mesmo que as inten\u00e7\u00f5es fossem moralmente corretas, isto \u00e9, ajuda concreta ao desenvolvimento, as contrapartidas sempre foram clarividentes neste tipo de apoios. Assim sendo, existiram sempre vontades de que os governos recetores de ajuda acompanhassem o progresso econ\u00f3mico e social com reformas pol\u00edticas e sociais de acordo com os princ\u00edpios democr\u00e1ticos. Muito desta proposta cimentada na ideia da paz liberal, tendo em conta que muita das vezes este apoio ao desenvolvimento ocorreu em per\u00edodos de p\u00f3s-conflito. \u201cNot all the reconstruction is for repairing physical and infrastructure. A significant part represents institution-building efforts\u2026\u201d<\/em> (Demekas, 2002)<\/p>\n\n\n\n

Sabemos nos dias de hoje que o desenvolvimento e as metas n\u00e3o foram alcan\u00e7ados, assistimos assim \u00e0 d\u00e9cada perdida do desenvolvimento que foram os anos 80, onde muitos acusaram os governos de gastarem recursos indiscriminadamente, posteriormente assistimos a uma progressiva politiza\u00e7\u00e3o da ajuda que perpetuava uma ideia de querer acompanhar estes apoios com uma replica\u00e7\u00e3o dos modelos ocidentais noutros pa\u00edses. Em termos pr\u00e1ticos, salvo alguns progressos ocorridos, observamos um falhan\u00e7o do modelo que ficou muito aqu\u00e9m daquilo que eram as expectativas, observamos por exemplo o facto dos pa\u00edses africanos ficarem cada vez mais para tr\u00e1s no panorama mundial em rela\u00e7\u00e3o ao IDH (\u00cdndice de Desenvolvimento Humano) (Gapminder, 2021). O elemento mais preponderante a meu ver foi a falha em apresentar resultados concretos que impactassem a vida das pessoas.<\/p>\n\n\n\n

Assim veio a surgir juntamente com a ascens\u00e3o econ\u00f3mica e pol\u00edtica da China uma nova pol\u00edtica de apoio ao desenvolvimento que incorpora muito daquilo que \u00e9 a narrativa promovida pelos BRICS, uma ajuda ao desenvolvimento sem contrapartidas, pelo menos aparentemente, que tem vindo a ser altamente atrativa para os pa\u00edses em desenvolvimento, principalmente pa\u00edses do continente africano. Desta forma, n\u00e3o estamos a observar uma autom\u00e1tica substitui\u00e7\u00e3o de modelos de desenvolvimento, pois ambos coabitam no sistema internacional, contudo a ascens\u00e3o e o pragmatismo do modelo dos BRICS \u00e9 facilmente observ\u00e1vel no atual contexto, \u201cWith the BRICS as an economic vector providing some 80 per cent of global economic growth in 2010\u201315\u201d<\/em> (Li, 2016). Assim sendo, \u00e9 preponderante perceber o porqu\u00ea deste modelo ser extremamente apelativo e entender pela mesma linha de pensamento o porqu\u00ea de se estar a proliferar rapidamente.<\/p>\n\n\n\n

O Modelo dos BRICS surge e cimenta-se no panorama internacional devido no meu entender a quatro raz\u00f5es fundamentais. A primeira delas \u00e9 o falhan\u00e7o do modelo promovido pelo Ocidente durante d\u00e9cadas. Os fatores deste falhan\u00e7o poder\u00e3o ser apresentados nas mais variadas vertentes, contudo cabe-me apresentar os dois fatores preponderantes. As contrapartidas de reformas democr\u00e1ticas associadas \u00e0 interconex\u00e3o entre desenvolvimento e seguran\u00e7a (DUFFIELD, 2010) foram o primeiro problema, n\u00e3o pelo seu fundamento, isto \u00e9, a concord\u00e2ncia com a democracia \u00e9 no meu entender fundamental, todavia a tentativa de aplicar o modelo democr\u00e1tico ocidental nos pa\u00edses em desenvolvimento como se de um molde universal se tratasse, falhou. Pois n\u00e3o teve em conta aspetos culturais, aspetos provenientes das rela\u00e7\u00f5es sociais e acima de tudo n\u00e3o teve em conta as quest\u00f5es soberanas dos estados que recebiam a ajuda, o que se tornou cada vez mais incomodativo nos pa\u00edses recetores. Concluindo, uma democracia promovida do topo para a base n\u00e3o funcionou. A segunda raz\u00e3o para o falhan\u00e7o das pol\u00edticas de apoio ao desenvolvimento foi a falta de ordenamento das prioridades, isto \u00e9, pensou-se em contrapartidas que exigiam a democracia, quando nem sequer as m\u00ednimas das infraestruturas b\u00e1sicas estavam constru\u00eddas, a pergunta \u00e9, se faz sentido falar em pluralidade democr\u00e1tica, quando o tecido social necessita em primeira inst\u00e2ncia de suprimir as necessidades b\u00e1sicas alimentares. Assim, mais uma vez o verdadeiro tecido social n\u00e3o sentiu as reais consequ\u00eancias da ajuda, que muitas das vezes era observada como distante, presente em locais aquartelados na maior parte das vezes, \u201cThe fortified aid compound is now ubiquitous throughout the global borderland.\u201d<\/em> (Duffield, 2010)<\/p>\n\n\n\n

Os pr\u00f3ximos tr\u00eas fatores que contribu\u00edram para a cimenta\u00e7\u00e3o do modelo dos BRICS est\u00e3o automaticamente ligados \u00e0s problem\u00e1ticas que o modelo ocidental criou e que os BRICS, observando estas debilidades, constroem uma narrativa acompanhada de concretiza\u00e7\u00e3o que vem progressivamente substituindo o modelo falhado. Assim sendo, passamos ao segundo fator que se materializa na n\u00e3o exist\u00eancia de contrapartidas vis\u00edveis. Desta forma, em termos oficiais n\u00e3o existem interfer\u00eancias nos assuntos internos dos estados. Este argumento poderia facilmente ser apenas uma viragem da p\u00e1gina da ajuda, todavia vem muita das vezes acompanhado de uma narrativa cimentada numa vis\u00e3o antiocidental, que incorpora a ajuda que os estados (Ocidentais) providenciavam como sendo neocolonial e hip\u00f3crita, visto que pediam democracia muitas das vezes pela for\u00e7a das armas ou promovendo golpes de estado nos pa\u00edses em quest\u00e3o. Deste modo, esta ajuda ao desenvolvimento \u00e9 nova, isto \u00e9, promovida por pa\u00edses que nunca tiveram col\u00f3nias, ali\u00e1s s\u00e3o na sua maioria ex-col\u00f3nias emancipadas.<\/p>\n\n\n\n

O terceiro fator \u00e9 o pragmatismo das ajudas, isto \u00e9, facilmente constat\u00e1vel a efic\u00e1cia de certos projetos. A ajuda ao desenvolvimento dos BRICS \u00e9 altamente influenciada pela China, pelo Banco Asi\u00e1tico de Investimento em Infraestrutura e pelo projeto Chin\u00eas Belt and Road Initiative, \u201canunciada pelo Presidente Xi Jinping, em Astana (capital do Cazaquist\u00e3o), em setembro de 2013\u201d (Duarte, 2020) Neste \u00e2mbito o projeto tem financiado grande parte daquilo que s\u00e3o os projetos em infraestrutura b\u00e1sica como, redes vi\u00e1rias e ferrovi\u00e1rias, sistemas de armazenamento de \u00e1gua, infraestruturas portu\u00e1rias, escolas e universidades, entre outros elementos. Desta forma, a ajuda ao desenvolvimento apresenta resultados imensos facilmente observ\u00e1veis pela comunidade internacional, mas principalmente pelas popula\u00e7\u00f5es desses pa\u00edses. Come\u00e7a-se a difundir a perce\u00e7\u00e3o de que agora o desenvolvimento est\u00e1 a chegar a quem precisa o que ter\u00e1 impacto direto nas vidas das pessoas, em termos quantitativos s\u00e3o mais de 3000 projetos de coopera\u00e7\u00e3o (Associates, 2023). Passamos assim de uma perspetiva de um apoio burocr\u00e1tico, aquartelado e distante do Ocidente para um apoio real e de proximidade dos BRICS.<\/p>\n\n\n\n

O quarto e \u00faltimo fator que vem contribuindo para a robustez do modelo de desenvolvimento dos BRICS \u00e9 a constru\u00e7\u00e3o de uma narrativa favor\u00e1vel que consiste num mundo multipolar desprendido da influ\u00eancia do ocidente. Este tido de mensagem tem estado presente no discurso de muitos l\u00edderes africanos como o Presidente Sul Africano Cyril Ramaphosa que apelou a uma maior autonomia econ\u00f3mica estrat\u00e9gia na cimeira dos BRICS em agosto deste ano (Isilow, 2023). Assim sendo, a ideia de que se desenvolvem com a ajuda de pa\u00edses, em primeiro lugar do Sul Global, e em segundo desprovidos de um passado hist\u00f3rico colonial, vem dar credibilidade ao projeto. Credibilidade que \u00e9 facilmente absorvida pelo tecido social desses pa\u00edses em desenvolvimento. Neste momento o argumento \u00e9 simples e facilmente observ\u00e1vel nos discursos, o atraso pol\u00edtico e social sentido nos pa\u00edses em desenvolvimento \u00e9 fruto da influ\u00eancia ocidental, que canibalizou os recursos e comprometeu a pol\u00edtica interna com o pretexto da promo\u00e7\u00e3o da democracia. Em termos de narrativas a quest\u00e3o de que as democracias atingem valores de desenvolvimento mais elevados est\u00e1 cada vez a ser mais posto em causa com o IDH a mostrar que pa\u00edses soberanos que n\u00e3o s\u00e3o propriamente conhecidos por serem democr\u00e1ticos, est\u00e3o a atingir valores elevados, por exemplo Singapura e Qatar e EAU (Gapminder, 2020). Acrescentando, mesmo que n\u00e3o concordemos com os argumentos e encontremos fal\u00e1cias nos mesmos, a narrativa est\u00e1 robusta o suficiente, tanto no discurso dos lideres como no tecido social, assistimos assim a um apoio popular a lideres anti ocidente \u201cIn Niger, stadiums have been filled by supporters of the military government after its July 26 coup\u201d (Adetayo, 2023). Algo que legitima o apoio expressivo ao novo modelo promovido pelos BRICS.<\/p>\n\n\n\n

Concluindo, assisto \u00e0 cria\u00e7\u00e3o deste novo sistema como uma rea\u00e7\u00e3o ao falhan\u00e7o do sistema de desenvolvimento ocidental. O sistema at\u00e9 podia estar munido das melhores das inten\u00e7\u00f5es, das melhores ferramentas e objetivos, mas falhou no essencial, criar impacto direto e vis\u00edvel naquilo que \u00e9 o desenvolvimento dos pa\u00edses e das popula\u00e7\u00f5es. Desta forma, o sistema internacional atrav\u00e9s de determinados atores encontrou uma solu\u00e7\u00e3o para o vazio operacional deixado pela obra incompleta do Ocidente. Mesmo que este novo modelo funcione como encobrimento a pretens\u00f5es de expans\u00e3o da \u00e1rea de influ\u00eancia de determinados atores internacionais, mesmo que as contrapartidas venham a desvendar-se num m\u00e9dio prazo, pois n\u00e3o pudemos ignorar os sinais dados, por exemplo na armadilha da divida chinesa, entre outros.  A narrativa est\u00e1 criada, e servir\u00e1 de engajamento a pol\u00edticas focadas num mundo cada vez mais multipolar e longe da \u00e1rea de influ\u00eancia do ocidente. Este pr\u00f3prio ocidente pode acusar os BRICS de inten\u00e7\u00f5es perversas encobertas pela ajuda sem contrapartidas, todavia o mesmo ocidente ter\u00e1 de se consciencializar de que foram as suas m\u00e1s pol\u00edticas que deixaram um rasto de inefici\u00eancia que estes novos atores do sistema internacional vieram a tirar proveito, operacionalizando uma pol\u00edtica alternativa.<\/p>\n\n\n\n


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25 de maio de 2024<\/p>\n\n\n\n

Lu\u00eds Filipe Ferreira Santos<\/strong><\/em><\/em><\/p>\n\n\n\n

* Este texto foi redigido e apresentado no \u00e2mbito da participa\u00e7\u00e3o nos Colloquia Talks, organizados pelo CECRI, em abril de 2024.<\/p>\n\n\n\n

** <\/sup>Lu\u00eds Filipe Ferreira Santos \u00e9 mestrando em Rela\u00e7\u00f5es Internacionais – Estudos da Paz, Seguran\u00e7a e Desenvolvimento, na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.<\/p>\n\n\n\n


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Refer\u00eancias<\/strong><\/p>\n\n\n\n

Adetayo, O., 2023. Aljazeera. [Online] Available at: https:\/\/www.aljazeera.com\/features\/2023\/9\/1\/season-of-putsch-why-have-coups-become-popular-in-africa<\/a> [Accessed 26 november 2023].<\/p>\n\n\n\n

Associates, D. S. &., 2023. Silk Road Briefing. [Online]  Available at: https:\/\/www.silkroadbriefing.com\/news\/2023\/10\/17\/ten-years-of-chinas-belt-and-road-initiative-highlights-challenges-and-a-case-study\/<\/a> [Accessed 24 november 2023].<\/p>\n\n\n\n

Demekas, D. G., 2002. The economics of Post conflict aid , Washington, D.C.,USA: IMF.<\/p>\n\n\n\n

Duarte, P., 2020. DE LISBOA A PEQUIM: Portugal na Faixa e Rota chinesa. s.l.:Instituto Internacional Macau.<\/p>\n\n\n\n

Duffield, M., 2010. Risk-Management and the Fortified Aid Compound. December, p. 23.<\/p>\n\n\n\n

DUFFIELD, M., 2010. The Liberal Way of Development and the Development\u2013Security Impasse. February, p. 24.<\/p>\n\n\n\n

Gapminder, 2020. Gapminder. [Online]  Available at: https:\/\/www.gapminder.org\/tools\/#$model$markers$bubble$encoding$y$data$concept=alternative_gdp_per_capita_ppp_wb&source=sg&space@=country&=time;;&scale$domain:null&zoomed:null&type:null;;&x$data$concept=hdi_human_development_index&source=sg&space@=country<\/a> [Accessed 26 november 2023].<\/p>\n\n\n\n

Gapminder, 2021. Gapminder. [Online]  Available at: https:\/\/www.gapminder.org\/tools\/#$model$markers$bubble$encoding$x$data$concept=hdi_human_development_index&source=sg&space@=country&=time;;&scale$domain:null&zoomed:null&type:null;;&frame$value=2021;;;;;&chart-type=bubbles&url=v1<\/a> [Accessed 23 november 2023].<\/p>\n\n\n\n

Isilow, H., 2023. Anadolu Agency. [Online]  Available at: https:\/\/www.aa.com.tr\/en\/africa\/south-african-president-calls-for-fundamental-reforms-in-global-financial-institutions-at-brics-summit\/2973909<\/a> [Accessed 25 november 2023].<\/p>\n\n\n\n

Li, R. C. a. X., 2016. The BRICS in International Development:The New Landscape, London: UK Government.<\/p>\n\n\n\n

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NOTA<\/strong>:<\/mark><\/p>\n\n\n\n