{"id":132,"date":"2016-07-03T09:11:02","date_gmt":"2016-07-03T09:11:02","guid":{"rendered":"https:\/\/eurodefense.pt\/?p=132"},"modified":"2023-07-25T09:59:54","modified_gmt":"2023-07-25T09:59:54","slug":"determinantes-do-novo-ambiente-de-seguranca-internacional","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/eurodefense.pt\/determinantes-do-novo-ambiente-de-seguranca-internacional\/","title":{"rendered":"Determinantes do novo ambiente de seguran\u00e7a internacional"},"content":{"rendered":"\n
O primeiro quartel do s\u00e9culo XXI tem-se caracterizado principalmente por um acelerado desenvolvimento tecnol\u00f3gico e por uma mudan\u00e7a radical no cen\u00e1rio geopol\u00edtico europeu e no ambiente de seguran\u00e7a internacional, facilitada pela globaliza\u00e7\u00e3o e pela dissemina\u00e7\u00e3o das tecnologias de informa\u00e7\u00e3o e comunica\u00e7\u00f5es, propiciadoras de fen\u00f3menos por vezes incontrol\u00e1veis \u00e0 escala mundial, incluindo o terrorismo transnacional, e com repercuss\u00e3o na \u201cvizinhan\u00e7a alargada\u201d estrat\u00e9gica da Europa.<\/p>\n\n\n\n
Sob o ponto de vista da seguran\u00e7a e defesa, a Europa enfrenta hoje principalmente quatro grandes desafios: (i) falta de vis\u00e3o estrat\u00e9gica de m\u00e9dio-longo prazo e aus\u00eancia de vontade pol\u00edtica para investir de forma sustentada, sistem\u00e1tica e coerente em defesa; (ii) amea\u00e7a h\u00edbrida de uma R\u00fassia mais assertiva e expansionista, sobretudo a Leste da Europa, com a crise da Ucr\u00e2nia e a anexa\u00e7\u00e3o da Crimeia, pretendendo recuperar o protagonismo imperial e a lideran\u00e7a perdidas depois do fim da Guerra Fria, com utiliza\u00e7\u00e3o da for\u00e7a militar na consecu\u00e7\u00e3o de objetivos pol\u00edticos, se necess\u00e1rio; (iii) conflitos regionais e instabilidade end\u00e9mica no flanco Sul, M\u00e9dio-Oriente e Sahel, com a implanta\u00e7\u00e3o e alastramento do Daesh, potenciando a exporta\u00e7\u00e3o do terrorismo transnacional, dando origem \u00e0s maiores vagas de migrantes, deslocados e refugiados desde a II Guerra Mundial e pondo em perigo a pr\u00f3pria coes\u00e3o e\u00a0\u201craison d\u2019\u00eatre\u201d\u00a0<\/em>do processo de constru\u00e7\u00e3o da Uni\u00e3o Europeia; (iv) insuficiente coopera\u00e7\u00e3o de seguran\u00e7a e defesa a n\u00edvel global e enormes vulnerabilidades em rela\u00e7\u00e3o aos desafios transnacionais e \u00e0 amea\u00e7a de ciberataques, sobretudo nos sistemas de comando e controlo, sistemas de informa\u00e7\u00f5es cr\u00edticos e infraestruturas cr\u00edticas.<\/p>\n\n\n\n Com o\u00a0Daesh<\/em>, o terror instalou-se definitivamente mais perto da Europa, se n\u00e3o mesmo dentro da \u201cnossa casa\u201d. Por outro lado, como transpirou dos ataques terroristas em Paris (nov2015), com o grande fluxo de migrantes e em virtude de um sistema de identifica\u00e7\u00e3o e registo lento e ineficaz, n\u00e3o \u00e9 de descartar a possibilidade de infiltra\u00e7\u00e3o clandestina de ativistas radicais isl\u00e2micos[1]<\/a>.<\/p>\n\n\n\n A resposta adequada a estes desafios e amea\u00e7as exige: (i) adapta\u00e7\u00e3o das organiza\u00e7\u00f5es e institui\u00e7\u00f5es de seguran\u00e7a e defesa tradicionais \u00e0s r\u00e1pidas mudan\u00e7as e transforma\u00e7\u00f5es em curso; (ii) desenvolvimento e implementa\u00e7\u00e3o de pol\u00edticas, instrumentos e mecanismos institucionais da UE, que promovam e facilitem a proje\u00e7\u00e3o de estabilidade para a sua \u201cvizinhan\u00e7a alargada\u201d, a Leste e a Sul; (iii) mais e melhor investimento em defesa, atrav\u00e9s de uma maior coopera\u00e7\u00e3o de defesa e aumento coordenado de capacidades militares; (iv) desenvolvimento de uma base tecnol\u00f3gica e industrial de defesa inovadora e competitiva, que a Europa est\u00e1 ainda longe de atingir.<\/p>\n\n\n\n Surpreendentemente, a Europa n\u00e3o s\u00f3 n\u00e3o tem sido capaz de dar uma resposta adequada a estes novos fen\u00f3menos e desafios, nomeadamente no caso da crise migrat\u00f3ria, como tem evidenciado sinais preocupantes de poss\u00edvel desmembramento, debilidade e retrocesso do processo de constru\u00e7\u00e3o europeia, nos seus pilares fundamentais de solidariedade, integra\u00e7\u00e3o, coes\u00e3o e unidade.<\/p>\n\n\n\n Depois de um longo per\u00edodo de contra\u00e7\u00e3o dos or\u00e7amentos de defesa na Europa e tamb\u00e9m nos EUA, com repercuss\u00e3o no desinvestimento em investiga\u00e7\u00e3o tecnol\u00f3gica de defesa, no aumento preocupante das lacunas capacitarias cr\u00edticas e na diminui\u00e7\u00e3o dos n\u00edveis de prontid\u00e3o para o combate e das compet\u00eancias tecnol\u00f3gicas e industriais de defesa, estamos finalmente a assistir a tempos de mudan\u00e7a, com uma invers\u00e3o da tend\u00eancia depressiva verificada j\u00e1 em 2015 e uma ligeira subida estimada para 2016. Ser\u00e1 uma invers\u00e3o de tend\u00eancia sustent\u00e1vel? Haver\u00e1 vis\u00e3o estrat\u00e9gica e vontade pol\u00edtica suficientes para se investir mais em inova\u00e7\u00e3o tecnol\u00f3gica e para atingir o objetivo-meta de 2% do PIB em despesas com defesa, h\u00e1 muito estabelecido na NATO e na UE e reiterado na Cimeira de Gales da NATO (4-5set2014)?[2]<\/a><\/p>\n\n\n\n O empenhamento de for\u00e7as terrestres, a\u00e9reas e navais russas na Ge\u00f3rgia (2008), o reacender dos conflitos \u201ccongelados\u201d na Transn\u00edstria, Oss\u00e9tia do Sul e Abec\u00e1sia, a anexa\u00e7\u00e3o da Crimeia e a amea\u00e7a h\u00edbrida da R\u00fassia na Ucr\u00e2nia Oriental, assim como a interven\u00e7\u00e3o da R\u00fassia na crise da S\u00edria, constituem avisos s\u00e9rios das mudan\u00e7as geopol\u00edticas em curso e do novo paradigma estrat\u00e9gico da R\u00fassia, nos limites da \u00e1rea de responsabilidade da NATO.<\/p>\n\n\n\n Assim, com a press\u00e3o amea\u00e7adora da R\u00fassia a Leste, por um lado e o terror e o caos instalado na vizinhan\u00e7a do Mediterr\u00e2neo Oriental e Sahel, por outro, poder-se-\u00e1 antecipar um futuro de grande conflituosidade, instabilidade e incerteza para a seguran\u00e7a da Europa, com incid\u00eancia direta na seguran\u00e7a dos cidad\u00e3os europeus. Neste cen\u00e1rio, a seguran\u00e7a da Europa depender\u00e1 fundamentalmente da capacidade da NATO e da UE de projetarem estabilidade para al\u00e9m das suas pr\u00f3prias fronteiras[3]<\/a>.<\/p>\n\n\n\n Podemos assim dizer que a seguran\u00e7a da Europa est\u00e1 hoje muito mais amea\u00e7ada, precisamente num momento em que a resposta europeia se encontra mais enfraquecida economicamente e fragmentada moral e politicamente[4]<\/a>. Isto acontece ao mesmo tempo que os interesses estrat\u00e9gicos priorit\u00e1rios dos EUA est\u00e3o a deslocar-se da Europa para a regi\u00e3o \u00c1sia-Pac\u00edfico (piv\u00f4 estrat\u00e9gico dos EUA), onde a China, cujo poder naval tem aumentado significativamente, constitui um risco crescente para a estabilidade internacional e para a seguran\u00e7a da navega\u00e7\u00e3o mar\u00edtima, sobretudo nos reiteradamente disputados Mares do Sul da China.<\/p>\n\n\n\n Por outro lado, paradoxalmente, o \u201cpiv\u00f4\u201d estrat\u00e9gico dos EUA para a \u00c1sia-Pac\u00edfico for\u00e7ar\u00e1 inevitavelmente os europeus a tomarem a sua seguran\u00e7a e defesa mais seriamente, sem preju\u00edzo do papel determinante da NATO na defesa coletiva da Europa.<\/p>\n\n\n\n Assim, a Europa ter\u00e1 de investir mais e melhor em defesa, para granjear credibilidade na cena internacional e continuar a ser um ator global relevante, fornecedor de seguran\u00e7a (em vez de um consumidor de seguran\u00e7a), e sobretudo para garantir a sua pr\u00f3pria seguran\u00e7a.<\/p>\n\n\n\n A adapta\u00e7\u00e3o da NATO aos novos desafios de seguran\u00e7a e a coopera\u00e7\u00e3o NATO-UE.<\/strong><\/p>\n\n\n\n O novo quadro de amea\u00e7as, riscos e desafios transnacionais, incluindo o terrorismo e a chamada \u201camea\u00e7a h\u00edbrida\u201d russa[5]<\/sup><\/a>, tornou mais evidente do que nunca que a tradicional \u201cpartilha de trabalho\u201d entre NATO e UE (hard power versus soft power) <\/em>n\u00e3o \u00e9 coerente com as necessidades atuais da Europa em termos de seguran\u00e7a e defesa. Por isso, constatando-se que tanto a UE como a NATO est\u00e3o a desenvolver atividades e a\u00e7\u00f5es preventivas contra a \u201camea\u00e7a h\u00edbrida\u201d, a Alta Representante da UE, Federica Mogherini, prop\u00f4s a cria\u00e7\u00e3o de uma C\u00e9lula da UE contra as amea\u00e7as h\u00edbridas (EU Hybrid Fusion Cell), para intensificar a coordena\u00e7\u00e3o e troca de informa\u00e7\u00e3o entre os Estados-membros, real\u00e7ando simultaneamente a necessidade de uma maior coordena\u00e7\u00e3o, coopera\u00e7\u00e3o e di\u00e1logo UE-NATO[6]<\/a><\/p>\n\n\n\n Na sequ\u00eancia da anexa\u00e7\u00e3o da Crimeia pela R\u00fassia e do agudizar da crise da Ucr\u00e2nia (abril de 2014), o Conselho do Atl\u00e2ntico Norte (NAC) emitiu um comunicado em que anunciava a decis\u00e3o de \u201csuspender toda a coopera\u00e7\u00e3o civil e militar entre a NATO e a R\u00fassia, embora o di\u00e1logo pol\u00edtico no quadro do Conselho NATO-R\u00fassia pudesse continuar, como necess\u00e1rio, para permitir a troca de informa\u00e7\u00e3o sobre a crise\u201d.<\/p>\n\n\n\n Na Cimeira de Gales (setembro de 2014)[7]<\/a>, em resposta aos novos desafios da R\u00fassia em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 Ucr\u00e2nia\/Crimeia e aos flancos Leste e Sul da Europa, a NATO reiterou a sua dimens\u00e3o de \u201chard power\u201d<\/em>, refor\u00e7ando a sua postura simultaneamente defensiva e dissuasora, o que levou o 1\u00ba Ministro da R\u00fassia, Dimitri Medved[8]<\/a>, a afirmar que se est\u00e1 a caminhar para uma nova \u201cguerra fria\u201d.<\/p>\n\n\n\n De facto, desde a Cimeira de Gales, a NATO simplificou e agilizou o seu processo de tomada de decis\u00e3o pol\u00edtico-militar, procedeu \u00e0 adapta\u00e7\u00e3o, refor\u00e7o e fortalecimento do seu dispositivo e Plano de A\u00e7\u00e3o de Prontid\u00e3o[9]<\/a>, aumentando substancialmente a sua For\u00e7a de Resposta R\u00e1pida (NATO Response Force) para 40.000 militares (cerca de tr\u00eas vezes mais do que o efetivo anteriormente definido) e criou uma For\u00e7a Combinada de Muito Alta Prontid\u00e3o[10]<\/sup><\/a> (tamb\u00e9m designada por Spearhead Force)<\/em>, com a dimens\u00e3o aproximada de 5.000 homens e com uma prontid\u00e3o operacional de 48 horas, como parte da \u201cEuropean Reassurance Initiative\u201d. <\/em>Concomitantemente, intensificaram-se os exerc\u00edcios reais de grande envergadura da NATO \u2013 os maiores desde o fim da Guerra Fria \u2013 e assegurou-se uma maior presen\u00e7a das for\u00e7as da NATO em apoio aos Estados B\u00e1lticos e a outros pa\u00edses aliados a Leste e Sul[11]<\/sup><\/a>.<\/p>\n\n\n\n \u00c9 previs\u00edvel que a 27\u00aa Cimeira da NATO, a realizar em Vars\u00f3via (8-9jul2016), constitua um marco hist\u00f3rico por duas raz\u00f5es essenciais: (i) as \u00faltimas for\u00e7as militares da NATO devem sair do Afeganist\u00e3o durante o corrente ano, deixando a NATO novamente perante a s\u00edndrome da redefini\u00e7\u00e3o da sua miss\u00e3o, \u00e0 semelhan\u00e7a do que aconteceu no in\u00edcio dos anos 1990s com o fim da Guerra Fria; (ii) em face da diversidade, gravidade e complexidade dos desafios e amea\u00e7as em jogo, os l\u00edderes dos 28 pa\u00edses Aliados ter\u00e3o de decidir e acordar sobre o papel e a futura dire\u00e7\u00e3o estrat\u00e9gica da Alian\u00e7a Atl\u00e2ntica, nomeadamente no que respeita ao D\u2019aesh e \u00e0 consequente exporta\u00e7\u00e3o de terrorismo transnacional[12]<\/a>.<\/p>\n\n\n\n Por outro lado, estima-se que em Vars\u00f3via a postura simultaneamente defensiva e dissuasora manifestada em Gales, seja formalmente materializada[13]<\/sup><\/a> em rela\u00e7\u00e3o aos flancos Leste e Sul, assim como reiterada a vontade pol\u00edtica de um aprofundamento da coopera\u00e7\u00e3o NATO-UE, e da continua\u00e7\u00e3o do indispens\u00e1vel di\u00e1logo com a R\u00fassia[14]<\/a>.<\/p>\n\n\n\n Esta presen\u00e7a refor\u00e7ada da NATO poder\u00e1 constituir uma \u201ccabe\u00e7a-de-ponte\u201d para futuros refor\u00e7os imediatos da NATO, se e quando necess\u00e1rio. Por outro lado, constituir\u00e1 tamb\u00e9m uma demostra\u00e7\u00e3o inequ\u00edvoca de que a NATO est\u00e1 preparada para responder a todo o espetro de amea\u00e7as, seja qual for a sua origem, refor\u00e7ar a defesa coletiva dos seus membros, participar na gest\u00e3o de crises e robustecer a seguran\u00e7a cooperativa.<\/p>\n\n\n\n O efeito dissuasor da NATO e a complementaridade dos instrumentos e mecanismos da UE s\u00e3o essenciais no atual e futuro ambiente de seguran\u00e7a internacional, e constituem uma raz\u00e3o acrescida para a necessidade de refor\u00e7o da coopera\u00e7\u00e3o NATO-UE. Considerando que 23 dos 28 pa\u00edses Aliados s\u00e3o Estados-membros da UE, a chave est\u00e1 pois na complementaridade da a\u00e7\u00e3o dos instrumentos, mecanismos, estruturas e organiza\u00e7\u00f5es existentes, ultrapassando as tradicionais divis\u00f5es artificiais que j\u00e1 n\u00e3o correspondem \u00e0 realidade.<\/p>\n\n\n\n Oxal\u00e1 a Estrat\u00e9gia Global de pol\u00edtica externa e seguran\u00e7a da UE, a aprovar numa pr\u00f3xima reuni\u00e3o do Conselho Europeu, constitua uma pe\u00e7a fundamental para a clarifica\u00e7\u00e3o do papel da Europa na seguran\u00e7a e defesa europeia, assim como no refor\u00e7o do elo transatl\u00e2ntico e da indispens\u00e1vel coopera\u00e7\u00e3o NATO-UE!<\/p>\n\n\n\n Dada a import\u00e2ncia e oportunidade da Cimeira de Vars\u00f3via os Ministros da Defesa de Espanha, Fran\u00e7a, It\u00e1lia e Portugal estiveram reunidos no dia 12 de maio de 2016, em Toulon-Fran\u00e7a, para concertar posi\u00e7\u00f5es sobre v\u00e1rios pontos da agenda da Cimeira de interesse especial para o flanco Sul, nomeadamente terrorismo global, seguran\u00e7a mar\u00edtima em especial no Mediterr\u00e2neo e refor\u00e7o da coopera\u00e7\u00e3o NATO-UE.<\/p>\n\n\n