{"id":150,"date":"2016-09-20T08:42:51","date_gmt":"2016-09-20T08:42:51","guid":{"rendered":"https:\/\/eurodefense.pt\/?p=150"},"modified":"2021-02-11T18:00:16","modified_gmt":"2021-02-11T18:00:16","slug":"o-mapa-que-mudou-o-medio-oriente","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/eurodefense.pt\/o-mapa-que-mudou-o-medio-oriente\/","title":{"rendered":"O mapa que mudou o M\u00e9dio-Oriente"},"content":{"rendered":"\n
O M\u00e9dio-Oriente \u00e9 hoje uma zona de v\u00e1rios conflitos \u00e9tnicos e religiosos muito em parte devido a fronteiras impostas por atores externos com culturas e vis\u00f5es do mundo distintas das culturas e correntes religiosas seculares existentes na regi\u00e3o, ao mesmo tempo com interesses concorrentes em rela\u00e7\u00e3o aos recursos naturais que esta oferece.<\/p>\n\n\n\n
De acordo com Filipe Abreu Nunes, desde Kant que sabemos como a natureza dos regimes importa para a seguran\u00e7a internacional e como os povos \u201crepublicanos\u201d tendem a ser mais pac\u00edficos do que aqueles que vivem sob regimes desp\u00f3ticos ou autorit\u00e1rios. Nesse sentido, pode dizer-se que o estudo das mudan\u00e7as pol\u00edticas e o acompanhamento da evolu\u00e7\u00e3o dos regimes nas v\u00e1rias regi\u00f5es do globo \u00e9 crucial para a an\u00e1lise das tend\u00eancias e das amea\u00e7as e riscos \u00e0 seguran\u00e7a nacional.<\/p>\n\n\n\n
Esta zona do globo tem vindo a ser alvo de disputas entre as v\u00e1rias pot\u00eancias devido \u00e0s suas riquezas naturais, foram as pot\u00eancias Ocidentais que impuseram as fronteiras que atualmente conhecemos, de acordo com as suas necessidades, caprichos e vis\u00e3o do que deve ser o mundo, estabelecendo uma \u201cNova Ordem\u201d para a regi\u00e3o, sem dar a aten\u00e7\u00e3o devida \u00e0s diferen\u00e7as j\u00e1 existentes. Al\u00e9m das diferen\u00e7as e das clivagens j\u00e1 existentes foram-se criar novas divis\u00f5es artificias, que at\u00e9 hoje se t\u00eam mantido \u00e0 custa de v\u00e1rias interven\u00e7\u00f5es, nem sempre muito \u201camig\u00e1veis\u201d por parte dos ocidentais.<\/p>\n\n\n\n
O Ocidente fundamenta-se no Realismo, Liberalismo e no Construtivismo e nas vers\u00f5es Neo destas, enquanto teorias das rela\u00e7\u00f5es internacionais. O mundo isl\u00e2mico fundamenta-se em conceitos tais como Ummah, Dar Al-Islam, Dar Al-Harb ou Dar Al-Ahd, entre outros para explicar as suas realidades. Fica desta forma evidente que existem diferentes conceitos e percep\u00e7\u00f5es de Rela\u00e7\u00f5es Internacionais, assim como o Estado Na\u00e7\u00e3o de Westf\u00e1lia \u00e9 o elemento central nas rela\u00e7\u00f5es Internacionais do Ocidente, a Ummah est\u00e1 para o mundo \u00c1rabe.<\/p>\n\n\n\n
A no\u00e7\u00e3o de soberania e democracia \u00e9 algo tamb\u00e9m diferente, no Ocidente, na grande generalidade dos casos, \u00e9 o governo eleito por sufr\u00e1gio, que tem autoridade para exercer o seu poder durante um per\u00edodo limitado de tempo, sendo o Estado na\u00e7\u00e3o reconhecido por outros Estados, e outros actores internacionais, atribuindo-lhe assim reconhecimento ao n\u00edvel internacional, no seio da Comunidade Internacional. Existe no Estado Na\u00e7\u00e3o uma separa\u00e7\u00e3o de poderes.<\/p>\n\n\n\n
Do lado \u00c1rabe, \u00e9 Al\u00e1 que representa o poder supremo e onde os seus crentes e seguidores s\u00e3o considerados parte do sistema social \u201cUmmah\u201d, n\u00e3o sendo a separa\u00e7\u00e3o de poderes tal como conhecemos no Estado Na\u00e7\u00e3o Ocidental, havendo em vez disso uma grande enfase na religi\u00e3o e na sua universalidade. Um corpo de leis religiosas mu\u00e7ulmanas, encontradas no Cor\u00e3o, muitas vezes descritas como a lei isl\u00e2mica, a Sharia, \u00e9 a base do Isl\u00e3o, comandando a vida p\u00fablica e privada de qualquer mu\u00e7ulmano, n\u00e3o existindo assim uma separa\u00e7\u00e3o clara entre religi\u00e3o e direito, o Isl\u00e3o \u00e9 desta forma visto n\u00e3o s\u00f3 como uma religi\u00e3o, mas tamb\u00e9m como um modo de vida.<\/p>\n\n\n\n
No \u201cOcidente\u201d a cidadania \u00e9 definida pelas nacionalidades dos pais ou local de nascen\u00e7a, enquanto para o Isl\u00e3o essas \u201ccondi\u00e7\u00f5es\u201d s\u00e3o de menor import\u00e2ncia, sendo mais importante a sua cren\u00e7a e afinidade religiosa. Pelo que foi dito anteriormente, \u00e9 ent\u00e3o de salientar que logo \u00e0 partida existem diferentes conce\u00e7\u00f5es e perce\u00e7\u00f5es de \u201cEstado\u201d entre o mundo ocidental e o mundo isl\u00e2mico, e que isso influencia a forma de como os dois mundos encaram as rela\u00e7\u00f5es internacionais e a vis\u00e3o que t\u00eam do mundo.<\/p>\n\n\n\n
Neste \u201cjogo\u201d das rela\u00e7\u00f5es internacionais conv\u00e9m fazer a distin\u00e7\u00e3o entre Estado Nacional, aquele em que o territ\u00f3rio coincide com a na\u00e7\u00e3o, e o Estado com v\u00e1rias na\u00e7\u00f5es, aquele em que sob um governo coexistem v\u00e1rias na\u00e7\u00f5es, ou ainda as na\u00e7\u00f5es que se dividem por v\u00e1rios Estados.<\/p>\n\n\n\n
Ora o que aconteceu no mundo \u00c1rabe, foi uma divis\u00e3o de \u201cr\u00e9gua e esquadro\u201d feita e imposta pelos pa\u00edses que venceram o imp\u00e9rio Otomano (Inglaterra, Alemanha e Fran\u00e7a), ignorando as identidades locais, uma defini\u00e7\u00e3o de fronteiras e imposi\u00e7\u00e3o da forma de governo \u00e0 imagem dos Estados ocidentais. Como sempre, os vencedores assumiram o privil\u00e9gio de estabelecer a sua \u201cNova Ordem\u201d.<\/p>\n\n\n\n
Desta forma foram criadas fronteiras e atribu\u00eddos nomes a Estados que n\u00e3o eram Estados Na\u00e7\u00e3o, mas sim Estados com v\u00e1rias na\u00e7\u00f5es e com problemas \u00e9tnicos e de cariz ideol\u00f3gico-religioso na sua g\u00e9nese, como ter\u00e1 acontecido em espa\u00e7o europeu, onde ao longo dos s\u00e9culos foram surgindo os Estados Na\u00e7\u00e3o no lugar de antigos imp\u00e9rios, havendo assim uma certa dist\u00e2ncia entre o modelo observante e o modelo observado.<\/p>\n\n\n\n
Foram assim \u201ccriados\u201d Estados com simbologia que pouco ou nada tinha que ver com os habitantes desses Estados e sem que esfor\u00e7os fossem feitos para se entender as rela\u00e7\u00f5es entre as v\u00e1rias entidades actantes nesta regi\u00e3o do globo. Nesta divis\u00e3o dos \u201cdespojos de guerra\u201d entre os vencedores, os interesses pr\u00f3prios na explora\u00e7\u00e3o dos recursos da regi\u00e3o, falaram mais alto e acabaram por desequilibrar as rela\u00e7\u00f5es de poder existentes, acabando por se ver \u201cnascer\u201d Estados dominados por minorias e na\u00e7\u00f5es divididas por v\u00e1rios Estados. Este tipo de divis\u00f5es originou v\u00e1rios conflitos internos e mesmo entre Estados, com os respetivos custos humanos que adv\u00eam deste tipo de conflitos, e que tamb\u00e9m requereram v\u00e1rias interven\u00e7\u00f5es externas por parte dos Estados Ocidentais nestes conflitos ao longo dos anos, s\u00e3o exemplo disso mais recentemente as guerras travadas no Afeganist\u00e3o, no Iraque, na L\u00edbia e na S\u00edria nestes \u00faltimos doze anos e que foram apresentadas ao Ocidente com interven\u00e7\u00f5es humanit\u00e1rias, para ajudar o \u201cBom\u201d contra o \u201cMau\u201d e assim combater o mal dos ditadores e tiranos, apoiando o bem dos povos oprimidos e os valores da democracia.<\/p>\n\n\n\n
Com a ajuda da imagem aqui publicada, fica mais claro que nesta regi\u00e3o a diversidade \u00e9 grande, e que um consenso entre generalizado em rela\u00e7\u00e3o qualquer assunto ser\u00e1 algo muito dif\u00edcil. Fica assim bem patente que as divis\u00f5es s\u00e3o bastantes e que remontam \u00e0 origem do Islamismo, aquando das suas ramifica\u00e7\u00f5es depois da morte do profeta.<\/p>\n\n\n\n
De acordo com Lisa Anderson, o fracasso da maioria dos Estados da regi\u00e3o em desenvolver institui\u00e7\u00f5es burocr\u00e1ticas modernas resulta de uma heran\u00e7a do colapso do Imp\u00e9rio Otomano, das pol\u00edticas coloniais europeias e do apoio generalizado a \u2018rentier states\u2019, resultando assim da hist\u00f3ria moderna da regi\u00e3o, \u201c\u2026modern neofundamentalists are trying to recast Islam into a Western-compatible kind of religious conservatism.<\/em>\u201d Afirma Olivier Roy.<\/p>\n\n\n\n Em rela\u00e7\u00e3o ao Estado Isl\u00e2mico do Iraque e do Levante (EIIL), Patrick Cockburn diz \u201cA revolta da comunidade sunita S\u00edria provocou um levantamento semelhante no Iraque<\/em>.\u201d, \u201cA ascens\u00e3o do EIIL que resultou da sua capacidade de atuar como tropas de assalto de uma revolta sunita generalizada poder\u00e1 ainda ser invertida. Mas a ofensiva que lideraram em 2014 ter\u00e1 significado o fim definitivo do Estado dominado pelos xiitas criado pela invas\u00e3o americana de 2003<\/em>.\u201d. Nestas frases fica mais uma vez em evid\u00eancia a nefasta interven\u00e7\u00e3o externa por parte das pot\u00eancias ocidentais, cujas a\u00e7\u00f5es t\u00eam aprofundado divis\u00f5es sect\u00e1rias, \u00e9tnicas e tribais que t\u00eam alimentando os v\u00e1rios conflitos na regi\u00e3o, ao longo dos tempos, assim como o equil\u00edbrio de for\u00e7as na regi\u00e3o.<\/p>\n\n\n\n Tendo sido tamb\u00e9m aproveitado o facto de que as elites governantes ignoraram as dificuldades do resto da popula\u00e7\u00e3o com uma grande percentagem de jovens instru\u00eddos mas sem empregos adequados e com poucas hip\u00f3teses de com os regimes vigentes melhorarem as suas vidas, criando assim a ilus\u00e3o de que a substitui\u00e7\u00e3o dos velhos regimes por novos regimes democr\u00e1ticos faria desaparecer a maioria dos seus problemas, talvez da\u00ed venha a frase \u201cthe people want to bring down the regime\u201d<\/em>, eu diria os jovens querem derrubar o regime atual instalado, de estado policial com uma elite governante com contactos privilegiados que herdou o poder sem lutar por ele, aos olhos dos restantes cidad\u00e3os. Estes jovens qualificados s\u00e3o tamb\u00e9m aqueles que ap\u00f3s as denuncias e apelos de Edward Snowden, poder\u00e3o disputar uma guerra cibern\u00e9tica e assim ser empregues e aproveitados pelo EIIL, tanto nas a\u00e7\u00f5es de ciberterrorismo como no recrutamento \u201conline\u201d via redes sociais, em conjunto com as a\u00e7\u00f5es no terreno, fazendo assim a tal guerra assim\u00e9trica, e canalizando o seu descontentamento com a sua situa\u00e7\u00e3o pessoal atrav\u00e9s do EIIL, vendo nesta \u201corganiza\u00e7\u00e3o\u201d uma forma de mudan\u00e7a. As v\u00e1rias revoltas da primavera \u00e1rabe em 2011 exacerbaram os sectarismos da regi\u00e3o. Segundo Patrick Cockburn, \u201cAs guerras irregulares ou de guerrilha s\u00e3o sempre intensamente pol\u00edticas e nenhuma o ter\u00e1 sido mais do que os conflitos intermitentes bizarros que se seguiram ao 11 de Setembro<\/em>.\u201d, e em guerra nem tudo o que parece, \u00e9, quem reporta os acontecimentos n\u00e3o est\u00e1 em posse de \u201ctodos\u201d os factos, e como tamb\u00e9m \u00e9 sabido, a not\u00edcia que tiver mais \u201csangue\u201d ser\u00e1 a que mais vai vender.<\/p>\n\n\n\n Na minha opini\u00e3o e quanto ao redesenho do mapa, futuramente poderemos estar perante o nascimento de novos Estados e assistir tamb\u00e9m ao desaparecimento de Estados a que j\u00e1 estamos habituados, ou ainda \u00e0 jun\u00e7\u00e3o de outros ao qual n\u00e3o s\u00e3o alheios acontecimentos recentes, e pode at\u00e9 verificar-se algum revivalismo em rela\u00e7\u00e3o a um califado por parte de organiza\u00e7\u00f5es rec\u00e9m-criadas, tais como o \u201cEstado Isl\u00e2mico\u201d, embora tal esteja mais dificultado se pa\u00edses como a Ar\u00e1bia Saudita retirarem o seu apoio. A corrida ao controlo de pontos estrat\u00e9gicos pode tornar-se uma realidade nesta busca por uma \u201cNova Ordem\u201d para esta regi\u00e3o do globo. Qual ser\u00e1 o desfecho dos conflitos existentes e latentes nesta regi\u00e3o do globo? \u2013 seja qual for a resposta ou a solu\u00e7\u00e3o, ser\u00e1 sempre no pret\u00e9rito imperfeito.<\/p>\n\n\n\n <\/p>\n\n\n\n Valter de Carvalho Cl\u00e1udio<\/strong> Bibliografia:<\/u><\/strong><\/p>\n\n\n\n Anderson<\/strong>, Lisa (2006). \u201cSearching Where the Light Shines: Studying Democratization in the Middle East\u201d. <\/em>Annual Review of Political Science n.\u00ba 9, pp. 189-214.<\/p>\n\n\n\n Cockburn<\/strong>, Patrick (2014). \u201c O Novo Estado Isl\u00e2mico\u201d. Carcavelos: Self -Desenvolvimento Pessoal.<\/p>\n\n\n\n Lara<\/strong>, Ant\u00f3nio de Sousa (2009). Ci\u00eancia Pol\u00edtica estudo da ordem e da subvers\u00e3o.<\/em> Lisboa: ISCSP.<\/p>\n\n\n\n Moreira<\/strong>, Adriano (2014). Teoria das Rela\u00e7\u00f5es Internacionais.<\/em> Coimbra: Almedina S.A.<\/p>\n\n\n\n Nunes<\/strong>, Filipe Abreu (2013). As revoltas \u00e1rabes e a democracia no mundo. Caderno n\u00ba 10 Lisboa: Edi\u00e7\u00f5es IDN.<\/p>\n\n\n\n Roy<\/strong>, Olivier (2012). \u201cThe Transformation of the Arab World<\/em>\u201d. Journal of Democracy n.\u00ba 23 (3), pp. 5-18.<\/p>\n\n\n\n Silva<\/strong>, Teresa de Almeida e (2010). Sociedade e Cultura na \u00c1rea Isl\u00e2mica.<\/em> Lisboa: ISCSP.<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":" O M\u00e9dio-Oriente \u00e9 hoje uma zona de v\u00e1rios conflitos \u00e9tnicos e religiosos muito em parte devido a fronteiras impostas por atores externos com culturas e vis\u00f5es do mundo distintas das culturas e correntes religiosas seculares existentes na regi\u00e3o, ao mesmo tempo com interesses concorrentes em rela\u00e7\u00e3o aos recursos naturais que esta oferece. 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Vogal do Conselho Fiscal<\/p>\n\n\n\n