{"id":180,"date":"2017-02-15T09:40:16","date_gmt":"2017-02-15T09:40:16","guid":{"rendered":"https:\/\/eurodefense.pt\/?p=180"},"modified":"2021-02-11T18:21:46","modified_gmt":"2021-02-11T18:21:46","slug":"a-guerra-hibrida-russa-dos-pequenos-homens-verdes-e-o-impacto-na-nato","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/eurodefense.pt\/a-guerra-hibrida-russa-dos-pequenos-homens-verdes-e-o-impacto-na-nato\/","title":{"rendered":"A guerra h\u00edbrida russa dos \u00abpequenos homens verdes\u00bb e o impacto na NATO"},"content":{"rendered":"\n
Quando as for\u00e7as especiais russas, sem ins\u00edgnias nem identifica\u00e7\u00f5es, mas apoiadas por uma poderosa m\u00e1quina militar, tomaram a Crim\u00e9ia no final de fevereiro de 2014, parecia que est\u00e1vamos perante o in\u00edcio de uma nova era de fazer a guerra, apesar do modus operandi <\/em>empregue, neste tipo de contexto, n\u00e3o ser totalmente desconhecido. Contudo, a abordagem operacional russa utilizada trouxe muitas curiosidades e, qui\u00e7\u00e1, ensinamentos, de que podemos todos tirar algumas li\u00e7\u00f5es. \u00c9 o que se prop\u00f5e no presente artigo, sujeito a outras vis\u00f5es, opini\u00f5es e certamente mais bem informadas do que aquelas que o autor aqui pretende partilhar.<\/p>\n\n\n\n O conflito na Ucr\u00e2nia demonstrou que Moscovo, ainda que com um decr\u00e9scimo dos seus indicadores econ\u00f3micos, numa tentativa de reconciliar as suas ambi\u00e7\u00f5es regionais e reavivar a sua hist\u00f3ria imperial, tem vindo a desenvolver um novo estilo de guerrilha geopol\u00edtica alavancando a sua reconhecida capacidade nas opera\u00e7\u00f5es de informa\u00e7\u00f5es, dece\u00e7\u00e3o, simula\u00e7\u00e3o e viol\u00eancia, direcionando-as para maximizar as oportunidades que se apresentam.<\/p>\n\n\n\n No princ\u00edpio da crise, as t\u00e1ticas russas, foram desenhadas para evitar a atri\u00e7\u00e3o ou a\u00e7\u00e3o cin\u00e9tica diretas, garantindo assim que os combates posteriores pudessem ocorrer nos termos que mais lhes convinham. A refor\u00e7ar este instrumento militar, uma variedade de outros atores foram utilizados a seu favor \u2013 uns \u00f3bvios e p\u00fablicos, como aliados regionais e internacionais, e outros mais discretos como os grupos armados separatistas. Este quadro foi ainda mais colorido, com opera\u00e7\u00f5es psicol\u00f3gicas, press\u00f5es econ\u00f3micas, campanhas diplom\u00e1ticas, a\u00e7\u00f5es de espionagem e recolha de informa\u00e7\u00f5es, entre outras atividades.<\/p>\n\n\n\n Embora n\u00e3o sejam totalmente novas, estas t\u00e1ticas foram apelidadas como sendo uma novidade. Algo que foi bem reconhecido pelo Chefe do Estado-Maior General das For\u00e7as Armadas russas, General Valery Gerasimov, num artigo de 2013, no qual ele observou o crescente papel das organiza\u00e7\u00f5es n\u00e3o-militares como meios para alcan\u00e7ar objetivos pol\u00edticos e estrat\u00e9gicos, e, em muitos casos, j\u00e1 ultrapassaram o poder das armas. Acrescenta que na ortodoxia do Kremlin, no que se refere \u00e0s li\u00e7\u00f5es da \u201cPrimavera \u00c1rabe\u201d, aquele desastre humanit\u00e1rio foi resultado de campanhas Ocidentais dissimuladas para gerar mudan\u00e7as de regimes. Diz, ainda, que os conflitos modernos j\u00e1 n\u00e3o s\u00e3o anunciados e que, depois de terem come\u00e7ado, em quest\u00e3o de meses ou mesmo dias, transformam-se num atoleiro de caos, cat\u00e1strofe humanit\u00e1riae guerra civil. Conclui, dizendo que esses conflitos tornam-se v\u00edtimas de interven\u00e7\u00f5es estrangeiras que tarde ou nunca resolvem a bom termo as crises instaladas.<\/p>\n\n\n\n H\u00e1 uma variedade de raz\u00f5es pelas quais a R\u00fassia de hoje opera desta forma. Ainda segundo Gerasimov, o uso aberto de for\u00e7as, muitas vezes sob o pretexto da manuten\u00e7\u00e3o da paz ou regula\u00e7\u00e3o da crise, \u00e9 utilizado em determinada fase apenas para a materializa\u00e7\u00e3o do desejado estado final do conflito. Apesar da ainda formid\u00e1vel dimens\u00e3o das for\u00e7as armadas russas, na pr\u00e1tica, muitas capacidades permanecem antiquadas, mal treinadas e pouco operacionais. Moscovo tem claramente a preponder\u00e2ncia militar e poder econ\u00f3mico na Eur\u00e1sia p\u00f3s-sovi\u00e9tica por ainda se sentir com direitos hegem\u00f3nicos. Contudo, no caso extremo de um conflito generalizado, esta n\u00e3o \u00e9 uma vantagem t\u00e3o aparente. O risco de envolver outras pot\u00eancias como os EUA ou a China (apesar de esta \u00faltima j\u00e1 ter manifestado diversas vezes o seu apoio pr\u00f3-russo), ou ainda, a NATO ou mesmo a Uni\u00e3o Europeia, traduzir-se-\u00e1 em algo potencialmente muito sangrento, prolongado e certamente votado ao fracasso. Mesmo a guerra de 5 dias contra a Ge\u00f3rgia em 2008, enquanto uma vit\u00f3ria, foi um epis\u00f3dio muito doloroso. Os acidentes e baixas resultantes de fogo amig\u00e1vel, comunica\u00e7\u00f5es pouco fi\u00e1veis e as in\u00fameras avarias no meios de transporte terrestres galvanizou a mais significativa reforma militar russa em mais de duas d\u00e9cadas.<\/p>\n\n\n\n A R\u00fassia encontra-se, assim, numa situa\u00e7\u00e3o em que muitos dos seus pontos fortes s\u00e3o menos decisivos do que gostaria, ou ent\u00e3o s\u00e3o limitados por causa de realidades econ\u00f3micas ou geopol\u00edticas. Sem rodeios, um pa\u00eds com uma economia algures entre as economias da It\u00e1lia e do Brasil, n\u00e3o deixar\u00e1 de procurar fazer valer o seu grande papel internacional. Para este fim, a R\u00fassia voltou-se para esta nova \u201cgeopol\u00edtica de guerrilha\u201d como forma de refor\u00e7ar as suas for\u00e7as e reduzir as suas fraquezas perante os potenciais advers\u00e1rios. \u00c9, pois, uma forma mais econ\u00f3mica de exercer influ\u00eancia regional e global.<\/p>\n\n\n\n Em termos gerais, a R\u00fassia assim reflete um modo diferente de fazer a guerra, mais expl\u00edcita nos pilares n\u00e3o-militares do advers\u00e1rio, complementando estas a\u00e7\u00f5es com as alavancas das informa\u00e7\u00f5es, da diplomacia e da economia mas mantendo sempre a predisposi\u00e7\u00e3o para, se necess\u00e1rio, combater em ambientes de alta intensidade. A a\u00e7\u00e3o cin\u00e9tica da capacidade militar est\u00e1, pois, bem presente e vis\u00edvel, e o emprego das for\u00e7as nos diversos teatros tender\u00e3o a operar com mais autonomia e precis\u00e3o do que se verificou no passado. Concomitantemente, a R\u00fassia tem vindo a desenvolver as suas for\u00e7as especiais e de interven\u00e7\u00e3o, especialmente a Spetsnaz<\/em> com um efetivo superior a 12.000. Estes s\u00e3o geralmente descritos como sendo for\u00e7as especiais, altamente m\u00f3veis e com uma eficaz infantaria ligeira semelhante aos Rangers<\/em> dos EUA ou \u00e0 Legi\u00e3o Estrangeira francesa. Por outro lado, o Comando de Opera\u00e7\u00f5es Especiais (Commando Special\u2019nyh Operacij (KSO)<\/em>) tem talvez 500 operacionais que no Ocidente poderiam ser considerados semelhantes \u00e0 for\u00e7a brit\u00e2nica das Special Air Services<\/em> (SAS)<\/em> ou aos 1st Special Forces Operational Detachment (Delta)<\/em> dos EUA. No entanto, a Spetsnaz, como as Tropas Aerotransportadas Vozdushno-Desantnye Voyska (VDV)<\/em> e a Infantaria Naval Russa ou Fuzileiros Russos, representam um \u201cex\u00e9rcito dentro de um ex\u00e9rcito\u201d capazes de conduzirem opera\u00e7\u00f5es militares muito sofisticadas, de forma decisiva, discreta e, se necess\u00e1rio, para al\u00e9m das fronteiras da R\u00fassia.<\/p>\n\n\n\n A dar maior relevo a estas capacidades existe uma dimens\u00e3o na guerra das informa\u00e7\u00f5es que vai para al\u00e9m da guerra puramente cin\u00e9tica ou militar. O Kremlin tem dedicado recursos espec\u00edficos \u00e0 sua comunidade de informa\u00e7\u00f5es. O servi\u00e7o de informa\u00e7\u00f5es principal da R\u00fassia, o Sluzhba Vneshney Razvedki (SVR)<\/em>, a direc\u00e7\u00e3o principal de informa\u00e7\u00f5es da Spetsnaz, o Glavnoye Razvedovatel\u2019noye Upravlenie (GRU)<\/em> e at\u00e9 mesmo o servi\u00e7o federal de seguran\u00e7a, o Federal\u2019naya Sluzhba Bezopasnosti (FSB)<\/em>, est\u00e3o cada vez mais envolvidos em opera\u00e7\u00f5es no exterior. N\u00e3o s\u00e3o apenas ag\u00eancias encarregues de coletar informa\u00e7\u00f5es sobre as capacidades e as inten\u00e7\u00f5es estrangeiras, mas tamb\u00e9m s\u00e3o instrumentos de guerra n\u00e3o-linear, espalhando desespero e desinforma\u00e7\u00e3o, incentivando deser\u00e7\u00f5es, e quebrando ou corrompendo linhas de comando e controlo advers\u00e1rias.<\/p>\n\n\n\n Capacidade na contra-informa\u00e7\u00e3o<\/strong><\/p>\n\n\n\n Outro foco particular dos esfor\u00e7os do Kremlin tem sido a sua capacidade na contra-informa\u00e7\u00e3o para transmitir a sua pr\u00f3pria mensagem e minar e contestar a dos outros para ganhar cora\u00e7\u00f5es e mentes. A esta\u00e7\u00e3o de televis\u00e3o internacional Russia Today (RT)<\/em>, por exemplo, tornou-se um jogador fundamental, n\u00e3o s\u00f3 em defesa da linha Kremlin, mas, talvez mais importantemente, como desafiador ortodoxo contra os meios de comunica\u00e7\u00e3o ocidentais. Com uma mistura animada de investiga\u00e7\u00e3o genu\u00edna, apresenta teorias bizarras de conspira\u00e7\u00e3o e dissimula\u00e7\u00f5es c\u00ednicas. Seu or\u00e7amento em 2015 teve um aumento de quase 30%, sugerindo que o Kremlin aprecia bem a relev\u00e2ncia do seu papel.<\/p>\n\n\n\n A aplica\u00e7\u00e3o destas t\u00e1ticas, obviamente negadas mas politicamente impulsionadas na Ucr\u00e2nia, provou o seu verdadeiro potencial, mas tamb\u00e9m fez emergir alguns riscos que n\u00e3o haviam sido calculados. De muitas formas, a Crimeia foi o contexto perfeito onde os russos poderiam testar a sua nova abordagem. A pen\u00ednsula j\u00e1 tinha instala\u00e7\u00f5es russas da Frota do Mar Negro, incluindo a 810\u00aa Brigada Naval de Infantaria Independente, onde, entre as quais, operacionais do KSO foram sendo tranquilamente infiltrados ao abrigo de rota\u00e7\u00f5es regulares de tropas. As for\u00e7as militares locais, que, em qualquer caso, nunca iriam receber ordens de Kiev, eram essencialmente t\u00e9cnicos e mec\u00e2nicos, e n\u00e3o tropas de combate da linha da frente. A popula\u00e7\u00e3o local, alienada por for\u00e7a de mais de 20 anos de neglig\u00eancia e m\u00e1 administra\u00e7\u00e3o por parte de Kiev, estava em grande parte disposta a juntar-se aos mais ricos da R\u00fassia e ansiosa para se tornar agente de uma nova ordem moscovita.<\/p>\n\n\n\n A 27 de fevereiro, o KSO e a 810\u00aa Brigada Naval de Infantaria Independente cercou e tomou o edif\u00edcio do parlamento da Crim\u00e9ia e come\u00e7ou a bloquear as bases ucranianas na pen\u00ednsula. Apesar das suas fardas e modernas armas russas, a falta de ins\u00edgnias nestes \u201cpequenos homens verdes\u201d sustentava o discurso de Moscovo garantindo que eles n\u00e3o eram tropas russas. Esta \u201cmanobra pol\u00edtica\u201d foi o suficiente para criar incerteza nas mentes de Kiev e da NATO. Eram mercen\u00e1rios, vigilantes da Crim\u00e9ia, ou uma aventura que n\u00e3o havia sido sancionada por um comandante local. Esta deliberada dece\u00e7\u00e3o militar (maskirovka<\/em>) permitiu dar tempo aos russos e seus aliados locais para assumir posi\u00e7\u00f5es de comando em toda a Crim\u00e9ia.<\/p>\n\n\n\n