{"id":238,"date":"2019-05-21T10:46:01","date_gmt":"2019-05-21T10:46:01","guid":{"rendered":"https:\/\/eurodefense.pt\/?p=238"},"modified":"2023-02-20T19:01:24","modified_gmt":"2023-02-20T19:01:24","slug":"sociedade-global-e-seguranca-nacional-um-paradigma-de-seguranca","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/eurodefense.pt\/sociedade-global-e-seguranca-nacional-um-paradigma-de-seguranca\/","title":{"rendered":"Sociedade Global e Seguran\u00e7a Nacional: um Paradigma de Seguran\u00e7a"},"content":{"rendered":"\n
1. INTRODU\u00c7\u00c3O<\/strong><\/p>\n\n\n\n Permitam-me uma breve introdu\u00e7\u00e3o sobre o GRES, o Grupo de Reflex\u00e3o Estrat\u00e9gica sobre Seguran\u00e7a, o seu posicionamento no \u00e2mbito dos estudos sobre seguran\u00e7a e a sua actividade.<\/p>\n\n\n\n O GRES \u00e9 um think tank <\/em>independente e aut\u00f3nomo, associado ao Instituto de Direito e Seguran\u00e7a da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, constitu\u00eddo por personalidades oriundas do mundo acad\u00e9mico e de outros quadrantes profissionais.<\/p>\n\n\n\n O GRES assume como miss\u00e3o a produ\u00e7\u00e3o de conhecimento sobre seguran\u00e7a. O seu objectivo primordial \u00e9 a elabora\u00e7\u00e3o de estudos e de an\u00e1lises prospectivas que contribuam para cria\u00e7\u00e3o de um quadro de refer\u00eancia indispens\u00e1vel \u00e0 fundamenta\u00e7\u00e3o de pol\u00edticas p\u00fablicas de seguran\u00e7a, tendo presente a complexidade da sociedade global.<\/p>\n\n\n\n Em 2015, o GRES apresentou o seu primeiro estudo com o t\u00edtulo Seguran\u00e7a Horizonte 2025. Um Conceito Estrat\u00e9gico de Seguran\u00e7a Interna<\/em>. Em maio de 2018, o GRES apresentou o estudo Estrat\u00e9gia de Seguran\u00e7a Nacional. Portugal Horizonte 2030<\/em>, com Pref\u00e1cio de Adriano Moreira, em sess\u00e3o presidida pelo Senhor Presidente da Rep\u00fablica.<\/p>\n\n\n\n Nestes dois trabalhos, o GRES assume como primado do seu pensamento a ideia de que a seguran\u00e7a n\u00e3o \u00e9 um fim, mas um meio de consolida\u00e7\u00e3o da sociedade democr\u00e1tica, no contexto nacional e no contexto global enquanto realidades sist\u00e9micas e insepar\u00e1veis.<\/p>\n\n\n\n Este primeiro painel da Confer\u00eancia Estado de Direito e Seguran\u00e7a Nacional tem como fio condutor a ideia que as profundas transforma\u00e7\u00f5es sociais resultantes dos processos associados \u00e0 globaliza\u00e7\u00e3o est\u00e3o na origem de um novo paradigma de seguran\u00e7a, assente numa vis\u00e3o alargada e sist\u00e9mica de seguran\u00e7a, e da necessidade de uma nova arquitectura de seguran\u00e7a nacional.<\/p>\n\n\n\n 2. O IN\u00cdCIO DO XXI<\/strong><\/p>\n\n\n\n A sociedade em que vivemos \u2013 a que Anthony Giddens (2007) se refere como a sociedade da idade global<\/em> \u2013 tem como elemento constituinte fundamental a interconectividade eletr\u00f3nica que tornou poss\u00edvel a comunica\u00e7\u00e3o instant\u00e2nea entre dois pontos situados em qualquer lugar da Terra, diminuindo a import\u00e2ncia da dist\u00e2ncia geogr\u00e1fica. A internet, que se consolidou em meados dos anos 1990, deu consist\u00eancia e solidificou este processo, dando origem a uma sociedade global em rede, progressivamente desmaterializada (Castells, 2001).<\/p>\n\n\n\n A revolu\u00e7\u00e3o cient\u00edfica e tecnol\u00f3gica, que acentuou os fatores constitutivos da segunda modernidade, ou modernidade reflexiva, imp\u00f4s um dinamismo e um ritmo de mudan\u00e7a como, at\u00e9 ent\u00e3o, nenhuma outra sociedade conheceu. O que afetou profundamente as pr\u00e1ticas sociais e os modos de comportamento preexistentes (Giddens, 1994: 14). Com efeito, o desenvolvimento das tecnologias de comunica\u00e7\u00e3o e de informa\u00e7\u00e3o, resultante da revolu\u00e7\u00e3o digital, intensificou o processo de globaliza\u00e7\u00e3o e os seus efeitos, mudando a natureza do tempo e do espa\u00e7o, alterando a no\u00e7\u00e3o de dist\u00e2ncia, cruzando fronteiras e descontextualizando muitas das institui\u00e7\u00f5es e das pr\u00e1ticas sociais.<\/p>\n\n\n\n A globaliza\u00e7\u00e3o n\u00e3o pode ser dissociada da mundializa\u00e7\u00e3o da economia, hoje caracterizada pela liberaliza\u00e7\u00e3o dos mercados, pela afirma\u00e7\u00e3o e consolida\u00e7\u00e3o do capitalismo financeiro, e pela emerg\u00eancia de organiza\u00e7\u00f5es internacionais, p\u00fablicas e privadas, que condicionam o exerc\u00edcio da soberania nacional. <\/p>\n\n\n\n As ind\u00fastrias transnacionais de bens culturais s\u00e3o exemplo do impacto multidimensional da globaliza\u00e7\u00e3o. A emerg\u00eancia de modelos de cultura \u00e0 escala mundial, dando origem a redes medi\u00e1ticas transnacionais, verdadeiras macroestruturas de produ\u00e7\u00e3o de bens culturais vendidos num mercado globalizado, contribuindo para uma uniformiza\u00e7\u00e3o cultural ou uma cultura-mundo<\/em>, que concorre com as identidades nacionais, mostra como todos os dom\u00ednios societais s\u00e3o submetidos a uma l\u00f3gica global.<\/p>\n\n\n\n \u00c0 mundializa\u00e7\u00e3o da economia junta-se, assim, uma cultura globalizada, num processo de interdepend\u00eancia fortemente ideologizado, que contribui para erodir as refer\u00eancias tradicionais, para individualizar e fragmentar a sociedade e para gerar incerteza quanto \u00e0 validade dos modelos sociais e ideol\u00f3gicos locais e nacionais. Os meios de comunica\u00e7\u00e3o, as redes sociais e o ciberespa\u00e7o, global por defini\u00e7\u00e3o, s\u00e3o as plataformas essenciais destas mudan\u00e7as, capazes de criar um ambiente prop\u00edcio a processos de radicaliza\u00e7\u00e3o de cariz pol\u00edtico-religioso.<\/p>\n\n\n\n A globaliza\u00e7\u00e3o contribuiu, ainda, muito positivamente neste caso para a tomada de consci\u00eancia de que h\u00e1 bens p\u00fablicos que se sobrep\u00f5em ao conceito e exist\u00eancia de fronteiras, hoje designados como bens p\u00fablicos mundiais. A no\u00e7\u00e3o de bens p\u00fablicos mundiais acentua a necessidade de se caminhar em certas \u00e1reas \u2013 como o caso paradigm\u00e1tico do ambiente \u2013 para uma regula\u00e7\u00e3o, \u00e0 escala global.<\/p>\n\n\n\n \u00c9 este quadro que nos permite falar em sociedade global.<\/p>\n\n\n\n 3. O ESTADO NA IDADE GLOBAL<\/strong><\/p>\n\n\n\n Nas \u00faltimas duas ou tr\u00eas d\u00e9cadas e como consequ\u00eancia dos processos sociais que atr\u00e1s referi, o conceito de Estado-na\u00e7\u00e3o vem sofrendo uma crescente eros\u00e3o. <\/p>\n\n\n\n O nexo entre globaliza\u00e7\u00e3o e soberania ganha sentido perante a an\u00e1lise da rela\u00e7\u00e3o entre a globaliza\u00e7\u00e3o e dois dos componentes tradicionalmente utilizados na defini\u00e7\u00e3o de Estado: territ\u00f3rio e popula\u00e7\u00e3o.<\/p>\n\n\n\n Um territ\u00f3rio \u00e9, na sua ess\u00eancia, uma constru\u00e7\u00e3o hist\u00f3rica feita por um Estado que tem a capacidade exclusiva de aplicar regras e obriga\u00e7\u00f5es \u00e0 popula\u00e7\u00e3o que nele vive, e que determina as suas fronteiras, permitindo falar em interior e exterior.<\/p>\n\n\n\n Esta vis\u00e3o tradicional de territ\u00f3rio n\u00e3o corresponde \u00e0 situa\u00e7\u00e3o atual: os territ\u00f3rios s\u00e3o hoje atravessados por fluxos transnacionais, de bens, de capitais, de popula\u00e7\u00e3o, de informa\u00e7\u00e3o, de objetos culturais e semi\u00f3ticos, sobre os quais os Estados t\u00eam uma reduzida capacidade de controlo.<\/p>\n\n\n\n Com efeito, a partir do momento em que a globaliza\u00e7\u00e3o se vai internalizando na sociedade, interconectando o global e o local, nomeadamente atrav\u00e9s da consolida\u00e7\u00e3o da mundializa\u00e7\u00e3o da economia, o Estado perde a exclusividade do dom\u00ednio territorial (Sassen, 1996).<\/p>\n\n\n\n N\u00e3o me refiro sequer a esse novo espa\u00e7o que designamos por ciberespa\u00e7o<\/p>\n\n\n\n O segundo elemento constitutivo do Estado \u2013 a popula\u00e7\u00e3o \u2013 est\u00e1 igualmente sujeito \u00e0 din\u00e2mica e dial\u00e9tica da globaliza\u00e7\u00e3o e dos efeitos da revolu\u00e7\u00e3o cient\u00edfica e tecnol\u00f3gica. A intensifica\u00e7\u00e3o dos movimentos migrat\u00f3rios tradicionais, a quest\u00e3o dos refugiados, as di\u00e1sporas, o aumento da mobilidade transnacional profissional e do turismo s\u00e3o os elementos essenciais do comportamento populacional que caracteriza a sociedade global. Como elemento constituinte do paradigma da globaliza\u00e7\u00e3o destaca-se a crescente mobilidade das pessoas em todo o mundo: em 2018, os EUA registaram 1000 milh\u00f5es de passageiros em viagens de avi\u00e3o, a Uni\u00e3o Europeia 894 milh\u00f5es, em Portugal foram 47.6 milh\u00f5es (tinham sido 8 milh\u00f5es em 1993, isto em 24 anos!).<\/p>\n\n\n\n Neste contexto, ganha particular significado a heterogeneidade cultural e religiosa das popula\u00e7\u00f5es a viverem num mesmo espa\u00e7o. Milh\u00f5es de pessoas vivem hoje em contextos sociais e pol\u00edticos que n\u00e3o s\u00e3o os seus de origem, nos quais a naturalidade, a nacionalidade e a identidade cultural constituem realidades distintas, fazendo da cidadania uma no\u00e7\u00e3o ainda mais complexa e abstracta. O n\u00famero muito elevado de indiv\u00edduos com duplas nacionalidades ou de indiv\u00edduos cuja naturalidade e nacionalidade n\u00e3o correspondem \u00e0 sua identidade cultural e religiosa primordial, que lhes \u00e9 transmitida pelos pais (emigrantes de segunda e terceira gera\u00e7\u00e3o), \u00e9 hoje uma realidade significativa em diversos pa\u00edses.<\/p>\n\n\n\n Na Alemanha[i]<\/a>, em 2017, cerca de 25% da popula\u00e7\u00e3o tinha um \u201chist\u00f3rico migrat\u00f3rio\u201d \u2013 indiv\u00edduos que n\u00e3o nasceram na Alemanha ou que um dos progenitores tinha origem no estrangeiro \u2013 em Fran\u00e7a[ii]<\/a>, em 2011, 30,2 % dos jovens com menos de 18 anos tinham um ascendente imigrado de 2\u00aa ou 3\u00aa gera\u00e7\u00e3o.<\/p>\n\n\n\n Neste quadro, as cidades s\u00e3o as pe\u00e7as mais decisivas deste puzzle<\/em> de identidades, culturas, religi\u00f5es, modos de vida e l\u00ednguas, porque \u00e9 nas grandes \u00e1reas metropolitanas que mais intensamente se sobrep\u00f5em e interagem as diversidades.<\/p>\n\n\n\n A ideia, real ou m\u00edtica, de homogeneidade da popula\u00e7\u00e3o sobre a qual se constru\u00eda o conceito de identidade nacional \u2013 pressuposto tradicionalmente associado \u00e0 nacionalidade e \u00e0 perten\u00e7a a um pa\u00eds \u2013 est\u00e1 submetida a uma forte eros\u00e3o. Este facto levanta, como a realidade vem mostrando em v\u00e1rios pa\u00edses, d\u00favidas quanto ao modo como muitos grupos da popula\u00e7\u00e3o representam a sua identidade cultural e o seu sentimento de perten\u00e7a nacional, representa\u00e7\u00e3o que pode assumir contornos de um sentimento de discrimina\u00e7\u00e3o e de falta de legitimidade da a\u00e7\u00e3o do Estado<\/p>\n\n\n\n 4 . UM NOVO AMBIENTE DE SEGURAN\u00c7A<\/strong><\/p>\n\n\n\n Historicamente a no\u00e7\u00e3o de seguran\u00e7a aparece essencialmente associada \u00e0 ideia de seguran\u00e7a militar e do Estado.<\/p>\n\n\n\n Esta ideia de seguran\u00e7a era predominante no espa\u00e7o acad\u00e9mico. A ci\u00eancia pol\u00edtica e as teorias das rela\u00e7\u00f5es internacionais centravam a sua preocupa\u00e7\u00e3o na an\u00e1lise das quest\u00f5es da defesa e da geoestrat\u00e9gia. O mesmo acontecia na sociologia, cuja preocupa\u00e7\u00e3o se centrava essencialmente na an\u00e1lise dos comportamentos desviantes, da criminalidade, da delinqu\u00eancia juvenil e da viol\u00eancia urbana ou com uma sociologia da organiza\u00e7\u00e3o policial.<\/p>\n\n\n\n S\u00f3 no ap\u00f3s Guerra Fria se ir\u00e1 assistir a uma reconceptualiza\u00e7\u00e3o do conceito de seguran\u00e7a e a uma extens\u00e3o do seu significado e alcance (Macleod, 2004). Esta altera\u00e7\u00e3o implicar\u00e1 um processo de afirma\u00e7\u00e3o de uma nova concep\u00e7\u00e3o de seguran\u00e7a nacional integrando como pilares fundamentais a seguran\u00e7a externa, isto \u00e9, a defesa, a seguran\u00e7a interna e as informa\u00e7\u00f5es.<\/p>\n\n\n\n Nesta minha exposi\u00e7\u00e3o ensaio uma leitura da afirma\u00e7\u00e3o de um novo conceito de seguran\u00e7a. Pe\u00e7o que seja entendida como uma contribui\u00e7\u00e3o para o pensamento estrat\u00e9gico sobre seguran\u00e7a nacional<\/em> no quadro complexo da sociedade global.<\/p>\n\n\n\n 5. ALARGAMENTO E DENSIFICA\u00c7\u00c3O DA NO\u00c7\u00c3O DE SEGURAN\u00c7A<\/strong><\/p>\n\n\n\n Quando, no final da I Guerra Mundial, os estudos sobre as rela\u00e7\u00f5es internacionais s\u00e3o elevados \u00e0 categoria de \u00e1rea disciplinar em estudo nas Universidades o seu quadro de refer\u00eancia \u00e9 a hist\u00f3ria pol\u00edtica e militar europeia.<\/p>\n\n\n\n Compreende-se, assim, que a seguran\u00e7a venha a ocupar rapidamente um lugar central entre os objectos fundadores desta nova disciplina. Neste contexto hist\u00f3rico, seguran\u00e7a significava a seguran\u00e7a do Estado. De igual modo, a amea\u00e7a \u00e0 seguran\u00e7a \u00e9, fundamentalmente, a amea\u00e7a militar.<\/p>\n\n\n\n Esta concep\u00e7\u00e3o da seguran\u00e7a (correntemente designada por paradigma realista da seguran\u00e7a<\/em>) ser\u00e1 hegem\u00f3nica durante grande parte do s\u00e9c. XX e ir\u00e1 contribuir para impor uma defini\u00e7\u00e3o restritiva e redutora do conceito de seguran\u00e7a no quadro das rela\u00e7\u00f5es internacionais, limitando e confundindo a no\u00e7\u00e3o de seguran\u00e7a com a seguran\u00e7a das fronteiras do Estado.<\/p>\n\n\n\n Apenas na d\u00e9cada de 1980 surgem as primeiras an\u00e1lises cr\u00edticas ao paradigma realista e ao seu reducionismo securit\u00e1rio. Sob a influ\u00eancia de v\u00e1rias correntes do pensamento[iii]<\/a>, os limites do conceito de seguran\u00e7a ser\u00e3o alargados a novas \u00e1reas e ser\u00e1 dada aten\u00e7\u00e3o aos actores intervenientes no dom\u00ednio da seguran\u00e7a.<\/p>\n\n\n\n Nas duas \u00faltimas d\u00e9cadas, assumindo como data charneira o fim da Guerra Fria, o campo de an\u00e1lise da seguran\u00e7a \u00e9 enriquecido com estudos sobre os processos sociais que contribuem para a constru\u00e7\u00e3o de novos objectos<\/em> da seguran\u00e7a, isto \u00e9, a natureza das amea\u00e7as, a constru\u00e7\u00e3o social da ideia de inimigo, o sentimento de inseguran\u00e7a, a percep\u00e7\u00e3o do risco e das vulnerabilidades, etc.<\/p>\n\n\n\n Este percurso da no\u00e7\u00e3o de seguran\u00e7a corresponde \u00e0 evolu\u00e7\u00e3o de uma conceptualiza\u00e7\u00e3o da seguran\u00e7a centrada unicamente no Estado at\u00e9 \u00e0 no\u00e7\u00e3o de seguran\u00e7a recentrada no indiv\u00edduo e \u00e0 constru\u00e7\u00e3o do conceito de seguran\u00e7a humana proposto pelas Na\u00e7\u00f5es Unidas, em 2000 (Commission sur la S\u00e9curit\u00e9 Humaine<\/em>, 2003).<\/p>\n\n\n\n Emerge, assim, um novo quadro conceptual da seguran\u00e7a defendendo como pressuposto te\u00f3rico de que a seguran\u00e7a militar n\u00e3o esgota o campo securit\u00e1rio inerente ao exerc\u00edcio das fun\u00e7\u00f5es de soberania pr\u00f3prias do Estado moderno.<\/em><\/p>\n\n\n\n Este pressuposto te\u00f3rico afirma a passagem de uma perspectiva restrita da seguran\u00e7a a uma vis\u00e3o societal da seguran\u00e7a e a ideia de que o estudo da seguran\u00e7a deve integrar uma vis\u00e3o subjectiva e socialmente constru\u00edda.<\/em><\/p>\n\n\n\n Assim e para al\u00e9m da seguran\u00e7a militar, a soberania e a seguran\u00e7a nacional s\u00e3o constru\u00eddas sobre outros quatro sectores (Buzan, 2009):<\/em><\/p>\n\n\n\n Com efeito, uma defini\u00e7\u00e3o restrita e Estado-Centrica n\u00e3o teria capacidade explicativa dos processos associados \u00e0 securitiza\u00e7\u00e3o da sociedade complexa e global actual. A no\u00e7\u00e3o de seguran\u00e7a interna a seguir apresentada integra-se nesse alargamento conceptual da seguran\u00e7a.<\/em><\/p>\n\n\n\n 6. A EMERG\u00caNCIA DO CONCEITO DE SEGURAN\u00c7A INTERNA<\/strong><\/p>\n\n\n\n A no\u00e7\u00e3o de seguran\u00e7a interna \u00e9 recente quer na terminologia pol\u00edtico-administrativa quer no quadro das ci\u00eancias sociais. A sua crescente afirma\u00e7\u00e3o no quadro das pol\u00edticas p\u00fablicas traduz a reconceptualiza\u00e7\u00e3o da seguran\u00e7a associada \u00e0s transforma\u00e7\u00f5es pol\u00edticas e sociais que se tem vindo a referir e \u00e0 emerg\u00eancia de um novo quadro de pensamento estrat\u00e9gico decorrente das novas amea\u00e7as e riscos.<\/p>\n\n\n\n A passagem de uma no\u00e7\u00e3o de seguran\u00e7a confund\u00edvel ou subsumida na no\u00e7\u00e3o de defesa para um conceito autonomizado e sist\u00e9mico s\u00f3 \u00e9 compreens\u00edvel no contexto da globaliza\u00e7\u00e3o e num processo em que o fim da Guerra Fria, o terrorismo jihadista, <\/em>o crime organizado transnacional e, embora mais recentemente, o cibercrime desempenharam um papel significativo.<\/p>\n\n\n\n A conex\u00e3o entre crime e globaliza\u00e7\u00e3o assume import\u00e2ncia e relevo no contexto da seguran\u00e7a, particularmente pela sua contribui\u00e7\u00e3o para a emerg\u00eancia de um quadro de amea\u00e7as deslocalizado e sem territ\u00f3rio definido. Ser\u00e1 este, talvez, o facto pol\u00edtico e social com maior impacte na transforma\u00e7\u00e3o do quadro tradicional de refer\u00eancia da seguran\u00e7a interna, impondo novas pol\u00edticas de preven\u00e7\u00e3o e de combate do crime e altera\u00e7\u00f5es significativas na defini\u00e7\u00e3o dos sistemas de seguran\u00e7a. \u00c9 ali\u00e1s o que o \u00e9 proposto na Estrat\u00e9gia de Seguran\u00e7a Interna da Uni\u00e3o Europeia.<\/p>\n\n\n\n 7. AMEA\u00c7AS E RISCOS \u00c0 SEGURAN\u00c7A GLOBAL<\/strong><\/p>\n\n\n\n Num mundo global como o presente, as amea\u00e7as \u00e0 seguran\u00e7a caracterizam-se pela sua transnacionalidade, vis\u00edvel na assun\u00e7\u00e3o de que nem nenhum Estado as consegue enfrentar sozinho nem est\u00e1 imune aos riscos a que se reportam e pelo crescente apelo \u00e0 interven\u00e7\u00e3o de ag\u00eancias internacionais e de mecanismos bilaterais, com uma eventual maior capacidade de coordena\u00e7\u00e3o.<\/p>\n\n\n\n Sem pretender a exaust\u00e3o, apresenta-se a seguir uma listagem das principais amea\u00e7as e riscos \u00e0 seguran\u00e7a global e com capacidade de afectar mais ou menos intensamente todos os pa\u00edses[iv]<\/a>:<\/p>\n\n\n\n 8. CONFLITOS REGIONAIS: NOVAS GUERRAS<\/strong><\/p>\n\n\n\n Do conjunto de amea\u00e7as atr\u00e1s enunciado destaco os conflitos regionais por serem prevalecentes numa \u00e1rea do globo com a qual Portugal tem proximidade geogr\u00e1fica e rela\u00e7\u00f5es hist\u00f3ricas: a \u00c1frica.<\/p>\n\n\n\n A geografia dos conflitos do s\u00e9c. XXI revela um alargado conjunto de novas formas de viol\u00eancia organizada que se mantem particularmente activa em quadros geopol\u00edticos sens\u00edveis e subdesenvolvidos (Badi\u00e9, 2015; Kaldor, 2007) e que n\u00e3o se enquadra no modelo de viol\u00eancia e de guerra que o s\u00e9c. XX conheceu.<\/p>\n\n\n\n Estes conflitos t\u00eam como protagonistas actores n\u00e3o estatais ou n\u00e3o exclusivamente estatais, recorrem aos \u201cmedia\u201d<\/em>, s\u00e3o portadores de novas ideologias, formas de financiamento n\u00e3o tradicionais, actuam no meio das popula\u00e7\u00f5es, em suma, definem uma estrat\u00e9gia at\u00edpica relativamente \u00e0 guerra cl\u00e1ssica com objectivos, alvos e uma ideia de inimigo tamb\u00e9m diferenciados.<\/p>\n\n\n\n A defini\u00e7\u00e3o deste tipo de conflitos n\u00e3o \u00e9 confund\u00edvel com a de guerra civil ou conflitos internos, com efeito, apesar do seu sentido de localidade eles envolvem sempre um conjunto alargado de conex\u00f5es que impossibilitam uma distin\u00e7\u00e3o clara entre interno e externo, entre local e global.<\/p>\n\n\n\n Estas novas guerras<\/em> tendem a concentrar-se em \u00e1reas onde o Estado, na sua acep\u00e7\u00e3o moderna, n\u00e3o se consolidou. S\u00e3o Estados que cabem na no\u00e7\u00e3o de Estados fr\u00e1geis[vii]<\/a> ou falhados \u2013 com um aparelho pol\u00edtico-administrativo ineficaz, incapacidade real de controlo do territ\u00f3rio, elevado n\u00edvel de corrup\u00e7\u00e3o e inaptid\u00e3o de gest\u00e3o dos bens p\u00fablicos \u2013 com uma real incapacidade de manter a seguran\u00e7a no interior das suas fronteiras.<\/p>\n\n\n\n As designa\u00e7\u00f5es destes conflitos t\u00eam variado entre novas guerras, guerras h\u00edbridas, guerras p\u00f3s-modernas e guerras entre o povo (Kaldor, 2013: 1; Rupert Smith: 2008). Estes conflitos s\u00e3o sempre uma combina\u00e7\u00e3o de situa\u00e7\u00f5es pol\u00edticas e militares, envolvendo quase sempre dimens\u00f5es \u00e9tnicas e religiosas.<\/p>\n\n\n\n 9. UM NOVO PARADIGMA DE SEGURAN\u00c7A<\/strong><\/p>\n\n\n\n O percurso efectuado at\u00e9 aqui permite assumir a ideia de que se est\u00e1 perante um novo paradigma de seguran\u00e7a[viii]<\/a> resultante das profundas e intensas transforma\u00e7\u00f5es socias que a sociedade tem vivido nas duas \/ tr\u00eas \u00faltimas d\u00e9cadas.<\/p>\n\n\n\n Assim e equacionando os principais factores associados \u00e0 seguran\u00e7a e que acompanham as mudan\u00e7as societais na sua multidimensionalidade e que est\u00e3o na origem da sociedade global temos:<\/p>\n\n\n\n Estes fatores aqui considerados permitem-nos falar em mudan\u00e7a de paradigma de seguran\u00e7a e est\u00e3o associados \u00e0 afirma\u00e7\u00e3o, no \u00e2mbito do pensamento sobre seguran\u00e7a, de dois referenciais fundamentais:<\/p>\n\n\n\n \u00c9 partindo deste modelo de an\u00e1lise que o Grupo de Reflex\u00e3o Estrat\u00e9gica sobre Seguran\u00e7a defende a ideia de uma nova arquitectura de seguran\u00e7a nacional, pensada como um sistema de sistemas, assentes em conceitos estrat\u00e9gicos autonomizados, mas sistemicamente interdependentes e ancorados numa filosofia de ac\u00e7\u00e3o em que a complementaridade e a subsidiariedade s\u00e3o elementos essenciais.<\/p>\n\n\n\n Ser\u00e1 esse o tema da interven\u00e7\u00e3o do Senhor General Agostinho Costa.<\/p>\n\n\n\n 10. CONSIDERA\u00c7\u00d5ES FINAIS<\/strong><\/p>\n\n\n\n Disse no in\u00edcio da minha interven\u00e7\u00e3o que o Grupo de Reflex\u00e3o Estrat\u00e9gica sobre Seguran\u00e7a assume como primado do seu pensamento a ideia de que a seguran\u00e7a n\u00e3o \u00e9 um fim, mas um meio.<\/p>\n\n\n\n A seguran\u00e7a, na defini\u00e7\u00e3o alargada e densa proposta pelo GRES, assume-se como um meio, um contributo, imprescind\u00edvel para a consolida\u00e7\u00e3o da sociedade democr\u00e1tica, no contexto nacional e no contexto global.<\/p>\n\n\n\n Neste nosso tempo em que os discursos sociais e pol\u00edticos s\u00e3o frequentemente dominados por fobias, os estudos do GRES visam contribuir para a afirma\u00e7\u00e3o plena do Estado de Direito ao pensarem a seguran\u00e7a como um instrumento de coes\u00e3o social e um activo indispens\u00e1vel da democracia.<\/p>\n\n\n\n O Grupo de Reflex\u00e3o Estrat\u00e9gica sobre Seguran\u00e7a considera que as pol\u00edticas p\u00fablicas de seguran\u00e7a devem desempenhar um papel activo na preven\u00e7\u00e3o do recrudescimento do sentimento de inseguran\u00e7a. Temos todos assistido em v\u00e1rios pa\u00edses \u00e0 pr\u00e1tica de um trade off <\/em>entre liberdade e seguran\u00e7a que utiliza a percep\u00e7\u00e3o de seguran\u00e7a dos cidad\u00e3os, isto \u00e9, a sua vis\u00e3o subjectiva da seguran\u00e7a, para aplica\u00e7\u00e3o de instrumentos de coarta\u00e7\u00e3o das liberdades individuais que configuram um Estado securit\u00e1rio.<\/p>\n\n\n\n Para o Grupo de Reflex\u00e3o Estrat\u00e9gica sobre Seguran\u00e7a uma pol\u00edtica de seguran\u00e7a nacional pensada nas suas dimens\u00f5es constitutivas \u2013 a Defesa, a Seguran\u00e7a Interna e as Informa\u00e7\u00f5es \u2013 \u00e9 o elemento fundamental de um estado de direito e da democracia e do desenvolvimento do pa\u00eds e do bem-estar dos portugueses.<\/p>\n\n\n\n Nelson Louren\u00e7o<\/strong><\/strong> In \u201cConfer\u00eancia ESTADO DE DIREITO E SEGURAN\u00c7A NACIONAL\u201d<\/p>\n\n\n\n Assembleia da Republica, Lisboa, 23 abril 2019<\/p>\n\n\n\n [i]<\/a> DESTATIS, 2017, micro censo.<\/p>\n\n\n\n [ii]<\/a> Mich\u00e8le Tribalat, \u00abUne estimation des populations d\u2019origine \u00e9trang\u00e8re en France en 2011 \u00bb, Espace populations soci\u00e9t\u00e9s [En ligne], 2015\/1-2 | 2015, mis en ligne le 01 juillet 2015, consult\u00e9 le 03 septembre 2018.<\/p>\n\n\n\n [iii]<\/a> P\u00f3s-estruturalistas, p\u00f3s-modernos e construtivistas.<\/p>\n\n\n\n [iv]<\/a> Adaptado de IDN, 2013: 473-474.<\/p>\n\n\n\n [v]<\/a> O ciberterrorismo \u00e9 geralmente entendido como um ataque, ou amea\u00e7a de ataque, baseado em computadores com o prop\u00f3sito de intimidar ou coagir governos ou sociedades de forma a atingir objetivos pol\u00edticos, religiosos ou ideol\u00f3gicos. O ataque deve ser suficientemente destrutivo ou perturbador para gerar medo compar\u00e1vel \u00e0 de actos f\u00edsicos de terrorismo (Denning, 2001).<\/p>\n\n\n\n [vi]<\/a> Na aus\u00eancia de uma defini\u00e7\u00e3o universalmente aceite de cibercriminalidade, ela refere toda a actividade criminal em que o sistema ou rede inform\u00e1tica \u00e9 uma parte essencial do crime; a express\u00e3o \u00e9 igualmente utilizada para descrever as actividades criminais tradicionais em que os computadores ou as redes s\u00e3o utilizados para uma actividade il\u00edcita; no primeiro caso as tecnologias s\u00e3o o alvo do ataque no segundo s\u00e3o o vetor. Em 2001, o Conselho da Europa aprovou a Conven\u00e7\u00e3o sobre o Cibercrime.<\/p>\n\n\n\n [vii]<\/a> Apesar de n\u00e3o haver uma defini\u00e7\u00e3o internacionalmente aceite da express\u00e3o Estados fr\u00e1geis,<\/em> a maioria das ag\u00eancias internacionais para o desenvolvimento aplica o termo referindo-se a Estados que fracassaram na capacidade de assegurar as fun\u00e7\u00f5es que satisfa\u00e7am as expectativas b\u00e1sicas dos cidad\u00e3os. A OCDE caracteriza os Estados fr\u00e1geis como incapazes de manter a seguran\u00e7a, de assegurar o cumprimento da lei e o funcionamento da justi\u00e7a, de providenciar os servi\u00e7os b\u00e1sicos e oportunidades econ\u00f3micas aos seus cidad\u00e3os, isto \u00e9, de funcionar politicamente (OCDE, 2008).<\/p>\n\n\n\n [viii]<\/a> Thomas Khun, The Structure of Scientific Revolutions<\/em> (1962; edi\u00e7\u00e3o em franc\u00eas 1970); Vide tamb\u00e9m Raymond Boudon, La Desordre du Social, <\/em>1985.Defini\u00e7\u00e3o de paradigma: um conjunto de orienta\u00e7\u00f5es te\u00f3ricas mais ou menos coerentes que servem de quadro de refer\u00eancia a uma comunidade cient\u00edfica ou a um ramo de atividade cient\u00edfica com capacidade explicativa de um determinado facto ou realidade.<\/p>\n\n\n\n [ix]<\/a> The European Centre of Excellence for Countering Hybrid Threats<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":" 1. INTRODU\u00c7\u00c3O Permitam-me uma breve introdu\u00e7\u00e3o sobre o GRES, o Grupo de Reflex\u00e3o Estrat\u00e9gica sobre Seguran\u00e7a, o seu posicionamento no \u00e2mbito dos estudos sobre seguran\u00e7a e a sua actividade. O GRES \u00e9 um think tank independente e aut\u00f3nomo, associado ao Instituto de Direito e Seguran\u00e7a da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, constitu\u00eddo por personalidades… Ler mais »Sociedade Global e Seguran\u00e7a Nacional: um Paradigma de Seguran\u00e7a<\/span><\/a><\/p>\n","protected":false},"author":1,"featured_media":2919,"comment_status":"closed","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"neve_meta_sidebar":"","neve_meta_container":"","neve_meta_enable_content_width":"","neve_meta_content_width":0,"neve_meta_title_alignment":"","neve_meta_author_avatar":"","neve_post_elements_order":"","neve_meta_disable_header":"","neve_meta_disable_footer":"","neve_meta_disable_title":""},"categories":[17],"tags":[],"_links":{"self":[{"href":"https:\/\/eurodefense.pt\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/238"}],"collection":[{"href":"https:\/\/eurodefense.pt\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/eurodefense.pt\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/eurodefense.pt\/wp-json\/wp\/v2\/users\/1"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/eurodefense.pt\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=238"}],"version-history":[{"count":3,"href":"https:\/\/eurodefense.pt\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/238\/revisions"}],"predecessor-version":[{"id":2706,"href":"https:\/\/eurodefense.pt\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/238\/revisions\/2706"}],"wp:featuredmedia":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/eurodefense.pt\/wp-json\/wp\/v2\/media\/2919"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/eurodefense.pt\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=238"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/eurodefense.pt\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=238"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/eurodefense.pt\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=238"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}
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