{"id":261,"date":"2019-10-23T12:35:21","date_gmt":"2019-10-23T12:35:21","guid":{"rendered":"https:\/\/eurodefense.pt\/?p=261"},"modified":"2023-02-20T18:52:41","modified_gmt":"2023-02-20T18:52:41","slug":"military-planning-and-conduct-capability-mpcc-embriao-de-um-futuro-quartel-general-de-operacoes-da-ue-qgo-de-um-exercito-europeu-2","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/eurodefense.pt\/military-planning-and-conduct-capability-mpcc-embriao-de-um-futuro-quartel-general-de-operacoes-da-ue-qgo-de-um-exercito-europeu-2\/","title":{"rendered":"Military Planning and Conduct Capability (MPCC):"},"content":{"rendered":"\n

Embri\u00e3o de um futuro quartel-general de opera\u00e7\u00f5es da UE (QGO) de um Ex\u00e9rcito Europeu?<\/h4>\n\n\n\n

O Tratado de Maastricht, assinado em 7 de fevereiro de 1992, criou uma Uni\u00e3o Europeia (UE) assente em tr\u00eas pilares, sendo o segundo pilar dedicado \u00e0 Pol\u00edtica Externa e de Seguran\u00e7a Comum (PESC), com o objetivo de refor\u00e7ar a seguran\u00e7a da UE e dos seus Estados-membros e de promover paz e seguran\u00e7a internacional, em conson\u00e2ncia com os princ\u00edpios da Carta das Na\u00e7\u00f5es Unidas.<\/p>\n\n\n\n

Para o efeito, o Art\u00ba 24\u00ba do Tratado de Maastricht estabelece que \u201ca compet\u00eancia da UE em mat\u00e9ria de pol\u00edtica externa e de seguran\u00e7a comum abrange todos os dom\u00ednios da pol\u00edtica externa, bem como todas as quest\u00f5es relativas \u00e0 seguran\u00e7a da Uni\u00e3o, incluindo a defini\u00e7\u00e3o gradual de uma pol\u00edtica comum de defesa que poder\u00e1 conduzir a uma defesa comum<\/em>[1]<\/a>\u201d<\/em>.<\/p>\n\n\n\n

Os tr\u00e1gicos acontecimentos e atrocidades aos direitos humanos verificados nos Balc\u00e3s ap\u00f3s o desmoronamento e desmembramento da ex-Jugosl\u00e1via, nomeadamente na B\u00f3snia e Herzegovina e no Kosovo, demonstraram \u00e0 saciedade a incapacidade militar da UE para estabilizar e impor a paz em crises e conflitos no seio da pr\u00f3pria Europa, redundando em desprest\u00edgio e descredibiliza\u00e7\u00e3o da rec\u00e9m-criada PESC. O recurso \u00e0 NATO para resolu\u00e7\u00e3o de um conflito interno europeu foi ent\u00e3o a solu\u00e7\u00e3o imediata e suficiente encontrada.<\/p>\n\n\n\n

Ficou suficiente e lamentavelmente demonstrada a tese h\u00e1 muito defendida por estrategos e polit\u00f3logos de que, no ambiente geopol\u00edtico atual, em constante muta\u00e7\u00e3o e incerteza, uma pol\u00edtica externa e de seguran\u00e7a, para ser minimamente cred\u00edvel, necessita de assentar numa pol\u00edtica de seguran\u00e7a e defesa forte e cred\u00edvel, que garanta \u00e0 Uni\u00e3o uma capacidade operacional apoiada em meios civis e militares.<\/p>\n\n\n\n

Esta condi\u00e7\u00e3o necess\u00e1ria foi apenas modestamente abordada no Tratado de Maastricht, principalmente por raz\u00f5es fundamentalistas quanto \u00e0 interpreta\u00e7\u00e3o do conceito de soberania dos Estados-membros. Contudo, o Tratado de Amesterd\u00e3o (1997) veio clarificar um pouco mais a ambi\u00e7\u00e3o da UE na dimens\u00e3o de seguran\u00e7a e defesa europeia, ao mencionar que \u00e9 necess\u00e1rio \u201cdotar a UE de uma capacidade militar pr\u00f3pria e aut\u00f3noma\u201d.<\/em><\/p>\n\n\n\n

O conflito no Kosovo, no ver\u00e3o de 1998, evidenciou a necessidade urgente de dotar a UE de uma pol\u00edtica de seguran\u00e7a e defesa que, de forma cred\u00edvel, constitu\u00edsse \u201co bra\u00e7o armado\u201d como parte integrante da PESC.<\/p>\n\n\n\n

Nesse sentido, a cimeira franco-brit\u00e2nica de Saint Malo, em 4 de dezembro de 1998, h\u00e1 mais de 20 anos, poder\u00e1 ser considerada como o come\u00e7o de uma \u201crevolu\u00e7\u00e3o\u201d ou o ponto de inflex\u00e3o importante para o desenvolvimento de uma entidade europeia de seguran\u00e7a e defesa. De facto, nessa cimeira ficou acordado a \u201cnecessidade de dotar a UE de uma capacidade para desenvolver uma a\u00e7\u00e3o aut\u00f3noma, apoiada por for\u00e7as cred\u00edveis, os meios para decidir us\u00e1-las, e a prontid\u00e3o para a sua concretiza\u00e7\u00e3o em resposta a crises internacionais\u201d<\/em>[2]<\/a>.<\/em><\/p>\n\n\n\n

Trata-se na verdade de um alcance hist\u00f3rico, quase-revolucion\u00e1rio, por ser a primeira vez que, no quadro da UE, o Reino Unido (RU) aceitou debater, de modo construtivo, a pol\u00edtica de seguran\u00e7a e defesa ao n\u00edvel europeu. Desengane-se quem pensar que esta declara\u00e7\u00e3o se enquadrou na afirma\u00e7\u00e3o antiamericana de uma emancipa\u00e7\u00e3o da pol\u00edtica da defesa europeia. Pelo contr\u00e1rio, ela pode ser lida (e certamente, pelos olhos brit\u00e2nicos, assim foi) como conducente ao refor\u00e7o da coopera\u00e7\u00e3o transatl\u00e2ntica, garantindo o esfor\u00e7o complementar europeu com a presen\u00e7a americana, ent\u00e3o em d\u00favida devido a quest\u00f5es or\u00e7amentais (era Clinton)[3]<\/a>.<\/p>\n\n\n\n

Por isso, na interpreta\u00e7\u00e3o brit\u00e2nica desse acordo, foi concedida a prioridade \u00e0 NATO e, s\u00f3 quando esta, como um todo, n\u00e3o estiver envolvida, \u00e9 que a UE poderia contemplar uma op\u00e7\u00e3o militar. Escusado ser\u00e1 dizer que a interpreta\u00e7\u00e3o francesa desse mesmo acordo, sublinhou e deu maior relev\u00e2ncia \u00e0 import\u00e2ncia da capacidade de decis\u00e3o aut\u00f3noma da UE para o lan\u00e7amento de opera\u00e7\u00f5es militares de gest\u00e3o de crises. Estas duas interpreta\u00e7\u00f5es digladiaram-se ao longo do tempo, n\u00e3o tendo havido acordo quanto \u00e0 necessidade de cria\u00e7\u00e3o de um verdadeiro quartel-general operacional (QGO) para o planeamento estrat\u00e9gico-operacional e conduta das opera\u00e7\u00f5es militares lan\u00e7adas autonomamente pela UE.<\/p>\n\n\n\n

Na sequ\u00eancia destes desenvolvimentos, a Pol\u00edtica Europeia de Seguran\u00e7a e Defesa (PESD)[4]<\/a> foi formalmente estabelecida no Conselho Europeu de Col\u00f3nia, em 3-4 de junho de 1999[5]<\/a>. Por sua vez, os Conselhos Europeus de Hels\u00ednquia (10-11dez1999)[6]<\/a>, Santa Maria da Feira (19-20jun2000)[7]<\/a> e Nice (7-10dez2000) consolidaram a nova estrutura civil-militar da PCSD, como parte integrante de uma abordagem global compreensiva (comprehensive approach) <\/em>e garante da capacidade operacional da PESC, ao mesmo tempo que estabeleceram, no quadro institucional da UE, novas estruturas pol\u00edtico-militares[8]<\/a>.<\/p>\n\n\n\n

A PCSD provou ser um instrumento eficaz na coer\u00eancia do conjunto das a\u00e7\u00f5es externas da UE, no quadro da Estrat\u00e9gia Europeia de Seguran\u00e7a (2003), e demonstrou a necessidade de se fortalecerem os la\u00e7os e sinergias entre seguran\u00e7a e desenvolvimento (refor\u00e7o da seguran\u00e7a\/incremento do desenvolvimento).<\/p>\n\n\n\n

A discuss\u00e3o sobre a necessidade (ou n\u00e3o) do estabelecimento de uma estrutura permanente de comando e controlo militar da UE, de n\u00edvel estrat\u00e9gico-operacional, vulgarmente conhecida por quartel-general de opera\u00e7\u00f5es (QGO), tem sido recorrente ao longo dos anos, pelo menos desde que, em 2003, o chamado \u201cclube do chocolate\u201d[9]<\/a>, reunido em Tervuren (Bruxelas), viu liminarmente rejeitada pelo Reino Unido (RU) a sua proposta de cria\u00e7\u00e3o de uma tal estrutura, para o exerc\u00edcio aut\u00f3nomo e eficaz do planeamento estrat\u00e9gico-operacional e condu\u00e7\u00e3o das opera\u00e7\u00f5es militares de gest\u00e3o de crises da UE. Esta postura pol\u00edtica do RU foi mantida reiteradamente ao longo das tentativas subsequentes de cria\u00e7\u00e3o de um tal QGO.<\/p>\n\n\n\n

Como j\u00e1 acima se referiu, este debate remonta aos prim\u00f3rdios da PCSD, como parte integrante da PESC. Na realidade, o debate iniciou-se com a cimeira de Saint-Malo,  quando os chefes de estado e de governo da Fran\u00e7a e do Reino Unido reconheceram a urgente necessidade de p\u00f4r em pr\u00e1tica e dar realidade e materializa\u00e7\u00e3o \u00e0 PESC, segundo as provis\u00f5es do Tratado de Amesterd\u00e3o (1997), no sentido de dotar a UE de uma capacidade militar pr\u00f3pria e aut\u00f3noma e de uma componente operacional militar eficaz e cred\u00edvel, para agir internacionalmente em cen\u00e1rios e situa\u00e7\u00f5es de crise.<\/p>\n\n\n\n

De facto, por um lado, o Reino Unido, sem preju\u00edzo da capacidade de decis\u00e3o aut\u00f3noma da UE, p\u00f4s sempre o acento t\u00f3nico na necessidade do desenvolvimento de capacidades europeias em perfeita coordena\u00e7\u00e3o, complementaridade, transpar\u00eancia, refor\u00e7o m\u00fatuo e sem duplica\u00e7\u00f5es desnecess\u00e1rias com a NATO, que continua a constituir a base da defesa coletiva dos Estados-membros que dela fazem parte[10]<\/a>. Por outro lado, para a Fran\u00e7a, aceitando o princ\u00edpio da complementaridade com a NATO, tal capacidade tem sido sempre interpretada como devendo ser baseada e suportada por for\u00e7as militares e estruturas de comando e controlo e de apoio cred\u00edveis, assim como da prontid\u00e3o dos meios indispens\u00e1veis para decidir o seu uso de forma aut\u00f3noma, incluindo uma estrutura permanente de comando e controlo de n\u00edvel estrat\u00e9gico-operacional (QGO).<\/p>\n\n\n\n

Contudo, o princ\u00edpio e o conceito de complementaridade e refor\u00e7o m\u00fatuo com a NATO nunca foram devidamente clarificados pelos Tratados, pelo que a sua interpreta\u00e7\u00e3o foi deixada ao crit\u00e9rio dos Estados-membros.<\/p>\n\n\n\n

Mas, o que importa real\u00e7ar do ponto de vista pol\u00edtico \u00e9 que, na vis\u00e3o de Londres, para assegurar a indispens\u00e1vel liga\u00e7\u00e3o transparente e complementar \u00e0 NATO e evitar duplica\u00e7\u00f5es desnecess\u00e1rias, essa omiss\u00e3o foi deliberada e consciente. \u00c9, pois, um facto que, para o Reino Unido, a UE necessitaria de recorrer sempre a adequados meios e capacidades militares externas, tanto da NATO, incluindo o seu QGO (SHAPE), como pr\u00e9-existentes nos Estados-membros.<\/p>\n\n\n\n

Ora, segundo os c\u00e2nones da doutrina militar vigente, \u00e9 indispens\u00e1vel a exist\u00eancia de uma estrutura permanente de comando e controlo operacional adequada (QGO), de n\u00edvel estrat\u00e9gico-operacional, para um planeamento e condu\u00e7\u00e3o eficaz e cred\u00edvel das opera\u00e7\u00f5es militares lan\u00e7adas e conduzidas pela UE, no caminho para a \u201cdefini\u00e7\u00e3o progressiva de uma pol\u00edtica de defesa comum, que poder\u00e1 conduzir a uma defesa comum\u201d.<\/em>  Neste sentido, o facto de tal estrutura permanente ter ficado omissa na arquitetura institucional da PCSD, \u00e9, reconhecida e insofismavelmente, uma debilidade do sistema.<\/p>\n\n\n\n

N\u00e3o obstante a supracitada debilidade institucional presente desde a cria\u00e7\u00e3o da PCSD, a UE, mantendo a sua autonomia de decis\u00e3o pol\u00edtica, j\u00e1 lan\u00e7ou e conduziu at\u00e9 ao momento, em tr\u00eas continentes, 35 miss\u00f5es e opera\u00e7\u00f5es civis (22) e militares (13), nas quais foram destacadas mais de 80.000 pessoas[11]<\/a>.<\/p>\n\n\n\n

Na aus\u00eancia de um QGO da UE para o exerc\u00edcio do planeamento estrat\u00e9gico-operacional e condu\u00e7\u00e3o das opera\u00e7\u00f5es militares, a UE recorreu inicialmente aos meios e capacidades da NATO, ao abrigo do Acordo Berlim Plus[12]<\/a> e, posteriormente, aos 5 QGO nacionais disponibilizados, caso a caso, para o efeito[13]<\/a>.<\/p>\n\n\n\n

\u00c0 medida que a UE se foi tornando num fornecedor ativo e cred\u00edvel de seguran\u00e7a na cena internacional, face \u00e0 persistente oposi\u00e7\u00e3o do RU quanto \u00e0 edifica\u00e7\u00e3o de um QGO, e \u00e0 dificuldade crescente de recurso aos meios e capacidades da NATO[14]<\/a>, a quest\u00e3o da necessidade de uma capacidade de planeamento operacional e de comando e controlo das opera\u00e7\u00f5es lan\u00e7adas autonomamente pela UE passou a estar na agenda do Conselho.<\/p>\n\n\n\n

Assim, com alguma resist\u00eancia do RU, em 17 de dezembro de 2004, o Conselho Europeu homologou a cria\u00e7\u00e3o de um Centro de Opera\u00e7\u00f5es da UE (EU Ops Centre), existente junto do Estado\u2013Maior da Uni\u00e3o Europeia (EMUE), que integrava uma pequena c\u00e9lula civil-militar, em Bruxelas. Este Centro de Opera\u00e7\u00f5es, a ativar caso a caso por decis\u00e3o do Conselho, apesar de n\u00e3o se tratar de uma verdadeira estrutura de comando e controlo permanente, poderia, no entanto, ser politicamente entendido como um primeiro passo na dire\u00e7\u00e3o certa e constituir mais uma op\u00e7\u00e3o \u00e0 disposi\u00e7\u00e3o da UE para a condu\u00e7\u00e3o de opera\u00e7\u00f5es militares aut\u00f3nomas de gest\u00e3o de crises de baixa intensidade, desde que devidamente provido do pessoal, comunica\u00e7\u00f5es e material indispens\u00e1vel. Este Centro de Opera\u00e7\u00f5es atingiu a capacidade operacional plena (Full Operational Capability-FOC) em 1 de janeiro de 2007, mas nunca viria a ser ativado at\u00e9 2012[15]<\/a>.<\/p>\n\n\n\n

De facto, s\u00f3 em 2012, por decis\u00e3o do Conselho[16]<\/a>, o Centro de Opera\u00e7\u00f5es foi ativado com uma dota\u00e7\u00e3o total de 89 militares e civis provenientes do EMUE e dos Estados-membros (seconded national experts)[17]<\/a>, para facilitar as trocas de informa\u00e7\u00e3o, melhorar a coordena\u00e7\u00e3o e refor\u00e7ar as sinergias civis\/militares em rela\u00e7\u00e3o \u00e0s miss\u00f5es e opera\u00e7\u00f5es da PCSD j\u00e1 em curso no Corno de \u00c1frica, sem preju\u00edzo das cadeias de comando civis e militares anteriormente estabelecidas para essas mesmas miss\u00f5es\/opera\u00e7\u00f5es[18]<\/a>.<\/p>\n\n\n\n

A Estrat\u00e9gia Global da UE, de junho de 2016[19]<\/a>, conjuntamente com o Plano de  Implementa\u00e7\u00e3o na dimens\u00e3o de Seguran\u00e7a e Defesa, de 14 de novembro de 2016, definiu como novo n\u00edvel de ambi\u00e7\u00e3o pol\u00edtica o objetivo fundamental de alcan\u00e7ar a autonomia estrat\u00e9gica da UE, com base em for\u00e7as e capacidades militares de amplo espectro e alta intensidade (high-end military capabilities)<\/em>[20]<\/a>, incluindo os multiplicadores estrat\u00e9gicos de capacidades (strategic enablers)<\/em>, capazes de enfrentar com maior efic\u00e1cia e credibilidade as novas amea\u00e7as e desafios[21]<\/a>, de responder a crises e conflitos externos na sua periferia estrat\u00e9gica e de proteger a Uni\u00e3o e os seus cidad\u00e3os. Estes novos objetivos pol\u00edticos, para serem realistas e cred\u00edveis, torna a necessidade da exist\u00eancia de um QGO permanente da UE muito mais premente e urgente[22]<\/a>.<\/p>\n\n\n\n

A coincid\u00eancia temporal da aprova\u00e7\u00e3o da Estrat\u00e9gia Global da UE (junho2016) com o referendo no RU que conduziu ao \u201cBrexit\u201d[23]<\/a>, permitiu aproveitar a oportunidade para acelerar o processo de revis\u00e3o, reforma e refor\u00e7o das estruturas e capacidades de defesa, n\u00e3o s\u00f3 para planeamento e conduta das opera\u00e7\u00f5es militares no quadro da PCSD, mas sobretudo para o desenvolvimento de novas capacidades e refor\u00e7o da base tecnol\u00f3gica e industrial de defesa, mais consent\u00e2neas com o novo n\u00edvel de ambi\u00e7\u00e3o de \u201cautonomia estrat\u00e9gica da UE\u201d.<\/p>\n\n\n\n

Neste sentido, no seguimento da implementa\u00e7\u00e3o da Estrat\u00e9gia Global da UE nas dimens\u00f5es de seguran\u00e7a e defesa, aprovado no Conselho de 14-15 de novembro de 2016[24]<\/a>, foi criada, em junho de 2017, uma nova estrutura de n\u00edvel estrat\u00e9gico-operacional, no seio do Servi\u00e7o Europeu de A\u00e7\u00e3o Externa (SEAE), fazendo parte do EMUE, designada por Capacidade de Planeamento e Conduta Militar (MPCC)[25]<\/a>, que fornecer\u00e1 uma capacidade permanente de planeamento e conduta de n\u00edvel estrat\u00e9gico-militar para as miss\u00f5es militares n\u00e3o-executivas (treino, aconselhamento, reforma do setor de seguran\u00e7a)[26]<\/a>.<\/p>\n\n\n\n

Esta nova estrutura \u00e9 dirigida pelo diretor do EMUE e tem um reduzido quadro de pessoal de 30 pessoas provenientes do EMUE e do anterior Centro de Opera\u00e7\u00f5es UE, incluindo 10 elementos nacionais destacados (seconded national experts)[27]<\/a>. No que se refere \u00e0 fase de planeamento, o MPCC elaborar\u00e1 o Conceito de Opera\u00e7\u00f5es (CONOPS) e o Plano de Opera\u00e7\u00f5es (OPLAN), assim como as Regras de Empenhamento (ROE), e contribuir\u00e1 ainda para o processo sempre complexo e moroso de gera\u00e7\u00e3o de for\u00e7as[28]<\/a>. A coordena\u00e7\u00e3o civil-militar entre o MPCC e o CPCC \u00e9 assegurada por uma pequena c\u00e9lula de apoio e coordena\u00e7\u00e3o designada \u201cJoint Support Coordination Cell\u201d. O diretor do MPCC, que \u00e9 simultaneamente o Diretor do EMUE, desempenha tamb\u00e9m a fun\u00e7\u00e3o de interlocutor privilegiado junto do Mecanismo Athena[29]<\/a>, para o financiamento das atividades militares consideradas comuns, o que torna mais expedito todo o importante e burocr\u00e1tico processo log\u00edstico, como transporte t\u00e1tico, apoio sanit\u00e1rio, \u201cprocurement\u201d de material, comunica\u00e7\u00f5es e imagens por sat\u00e9lite, etc.<\/p>\n\n\n\n

Na sequ\u00eancia de um Relat\u00f3rio apresentado pela Alta Representante sobre o impacto do funcionamento e li\u00e7\u00f5es aprendidas com o estabelecimento do MPCC, o Conselho (Defesa) de 19 de novembro de 2018[30]<\/a>, sublinhou a importante contribui\u00e7\u00e3o do MPCC no que se refere \u00e0 possibilidade de a UE reagir de forma mais r\u00e1pida e eficaz como fornecedor de seguran\u00e7a, no quadro do conceito \u201ccomprehensive approach\u201d, como parte de uma abordagem integrada na \u201cresposta a crises e conflitos externos e crises com capacidades e for\u00e7as adequadas\u201d<\/em>[31]<\/a>.<\/p>\n\n\n\n

Nesse Conselho de 2018, foi ainda decidido integrar no MPCC as tarefas de coordena\u00e7\u00e3o do Centro de Opera\u00e7\u00f5es UE, com o objetivo de, no fim de 2020, tomar a responsabilidade pelo planeamento operacional e conduta de novas opera\u00e7\u00f5es militares n\u00e3o-executivas conduzidas no quadro da PCSD, incluindo uma opera\u00e7\u00e3o militar executiva da dimens\u00e3o de um Agrupamento T\u00e1tico[32]<\/a> (Battlegroup \u2013 BG). Concomitantemente, foi ainda decidido que o MPCC ser\u00e1 guarnecido, de forma progressiva, atempada e suficiente, com as infraestruturas e os recursos humanos necess\u00e1rios (devidamente treinados e exercitados), tendo em vista atingir a capacidade operacional plena (FOC) no fim de 2020. O refor\u00e7o das capacidades do MPCC ser\u00e1 complementar e sem preju\u00edzo de todas as outras op\u00e7\u00f5es externas dispon\u00edveis de comando e controlo, para planeamento e condu\u00e7\u00e3o de uma opera\u00e7\u00e3o militar PCSD (QGO\/NATO e QGO nacionais).<\/p>\n\n\n\n

Sublinha-se que, pela primeira vez na hist\u00f3ria da PCSD, a UE se prepara, de forma paulatina, com recursos humanos e infraestruturas adequados ao exerc\u00edcio pleno, a partir do fim de 2020, do planeamento operacional e do comando e controlo, de n\u00edvel estrat\u00e9gico-operacional, de opera\u00e7\u00f5es militares executivas no quadro da PCSD, com recurso progressivamente menor a um QGO externo, seja da NATO ou nacional.<\/p>\n\n\n\n

O significado pol\u00edtico a retirar das decis\u00f5es deste j\u00e1 famoso Conselho de 19 de novembro de 2018, \u00e9 que, ultrapassadas as \u201clinhas vermelhas\u201d do RU, com o \u201cBrexit\u201d, inclusivamente tendo em vista compensar parcialmente o natural enfraquecimento da consolida\u00e7\u00e3o da rela\u00e7\u00e3o transatl\u00e2ntica e a perda de cerca de 20%, em termos de potencial de seguran\u00e7a e defesa, os Estados-membros reconhecem a necessidade de se caminhar decisivamente no sentido de uma maior e mais acelerada integra\u00e7\u00e3o e colabora\u00e7\u00e3o de defesa europeia, para uma Europa da Defesa mais forte e autossuficiente, que defenda e proteja a Europa e os seus cidad\u00e3os. Para esse fim, se disp\u00f5em finalmente a progredir no sentido do estabelecimento progressivo de um verdadeiro QGO\/UE.<\/p>\n\n\n\n

Neste contexto, n\u00e3o \u00e9 despiciendo sublinhar os incentivos e apoios financeiros j\u00e1 disponibilizados pela Comiss\u00e3o Europeia no quadro do Plano de A\u00e7\u00e3o sobre R&T\/defesa (2017-2020) e do Programa Europeu de Desenvolvimento Industrial de Defesa (2019-2020), assim como os avultados financiamentos propostos pela Comiss\u00e3o Europeia para o setor da Defesa, no Quadro Plurianual Financeiro da UE (2021-2027), nomeadamente o Fundo Europeu de Defesa \/13MM\u20ac)[33]<\/a> e o Military Mobility\/6,5MM\u20ac[34]<\/a>.<\/p>\n\n\n\n

Neste sentido, as decis\u00f5es agora tomadas d\u00e3o legitimidade a que se possa afirmar estarmos efetivamente perante um embri\u00e3o de um futuro QGO\/UE, que, sob o ponto de vista da doutrina militar operacional, s\u00f3 ter\u00e1 racionalidade se a inten\u00e7\u00e3o pol\u00edtica final, ainda que no longo prazo, for a cria\u00e7\u00e3o faseada e progressiva de um \u201cEx\u00e9rcito Europeu\u201d, ali\u00e1s como nos parece legitimo inferir da men\u00e7\u00e3o feita no Plano de Implementa\u00e7\u00e3o sobre Seguran\u00e7a e Defesa da Estrat\u00e9gia Global da UE a \u201chigh-end military capabilities, including strategic enablers\u201d<\/em>, assim como no Art\u00ba 24\u00ba-1 do Tratado de Lisboa \u201c\u2026.que poder\u00e1 conduzir a uma defesa comum<\/u>, se o Conselho Europeu, por unanimidade, assim o decidir\u201d.<\/em><\/p>\n\n\n\n

N\u00e3o ser\u00e1, por certo, s\u00f3 por mera coincid\u00eancia, que esta famosa decis\u00e3o do Conselho de novembro de 2018, \u00e9 tomada na mesma altura em que o eixo franco-alem\u00e3o tem estado bastante ativo, tanto na proposi\u00e7\u00e3o de um novo conceito denominado \u201cEuropean Intervention Initiative\u201d<\/em>, a que pelo menos 9 pa\u00edses aderiram (incluindo Portugal), como na defesa da necessidade de constitui\u00e7\u00e3o de um \u201cex\u00e9rcito europeu\u201d, a que a Espanha mostrou simpatia e desejo de participar. Tudo isto est\u00e1 a acontecer precisamente no momento em que, n\u00e3o obstante o elevado grau de incerteza reinante quanto ao desfecho do processo, tudo parece apontar cada vez mais para a efetiva\u00e7\u00e3o da sa\u00edda do RU da UE (com acordo?).<\/p>\n\n\n\n

De facto, n\u00e3o podemos esquecer que, na perspetiva da seguran\u00e7a e defesa europeia, o \u201cBrexit\u201d n\u00e3o s\u00f3 enfraquece o elo transatl\u00e2ntico, como significa para a UE uma perda muito significativa e indispens\u00e1vel do seu poder militar e sobretudo do potencial tecnol\u00f3gico e industrial de defesa. Torna-se, por isso, necess\u00e1rio e urgente encontrar solu\u00e7\u00f5es inteligentes e inovadoras de coopera\u00e7\u00e3o UE-RU, para colmatar esta lacuna com a maior brevidade poss\u00edvel. Mas como?<\/p>\n\n\n\n

A composi\u00e7\u00e3o da pr\u00f3xima\/futura Comiss\u00e3o Europeia, com uma Comiss\u00e1ria francesa designada para o \u201cMercado Interno\u201d, que desempenhou anteriormente as fun\u00e7\u00f5es de Ministra da Defesa da Fran\u00e7a, assim como a cria\u00e7\u00e3o e estabelecimento de uma Dire\u00e7\u00e3o-Geral dedicada \u00e0 \u201cInd\u00fastria, Defesa e Espa\u00e7o\u201d, deixam antever a vontade da continua\u00e7\u00e3o e aprofundamento da pol\u00edtica da Comiss\u00e3o Europeia anterior, no sentido de uma progressiva e sustentada integra\u00e7\u00e3o da defesa europeia, para uma Europa da Defesa mais forte e autossuficiente.<\/p>\n\n\n\n

A juntar a tudo isto, a Europa do multilateralismo, integrada num mundo multipolar fragmentado, enfrenta hoje novas amea\u00e7as e s\u00e9rios desafios resultantes de uma acelera\u00e7\u00e3o tecnol\u00f3gica vertiginosa, de uma maior assertividade da R\u00fassia, na tentativa de recupera\u00e7\u00e3o do poder imperial perdido, das ambiguidades e incertezas criadas pela Administra\u00e7\u00e3o Trump em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 NATO e \u00e0 manuten\u00e7\u00e3o dos seus compromissos  com a defesa coletiva da Europa (Art\u00ba 5 do Tratado de Washington, 1949), e finalmente em virtude das mudan\u00e7as geopol\u00edticas em r\u00e1pida muta\u00e7\u00e3o originando instabilidade, crises e conflitos, sobretudo na periferia estrat\u00e9gica a Leste e Sul da UE (Ucr\u00e2nia\/Crimeia, Balc\u00e3s Ocidentais, Corno de \u00c1frica, L\u00edbia, Tun\u00edsia, S\u00edria, Sahel, Golfo P\u00e9rsico e M\u00e9dio Oriente).<\/p>\n\n\n\n

Neste quadro, ressalta \u00e0 evid\u00eancia a \u201cnecessidade de uma Europa da Defesa mais forte, mais autossuficiente e mais respons\u00e1vel pela sua seguran\u00e7a<\/em>\u201d[35]<\/a>.<\/p>\n\n\n\n

Torna-se, pois, indispens\u00e1vel repensar o futuro da seguran\u00e7a e defesa europeus p\u00f3s- \u201cBrexit\u201d, pelo que o debate tem\u00e1tico, o mais alargado poss\u00edvel[36]<\/a>, sobre se sim ou n\u00e3o devemos apoiar uma mais r\u00e1pida integra\u00e7\u00e3o da defesa europeia, tendo em vista a cria\u00e7\u00e3o, a prazo, de um \u201cex\u00e9rcito europeu\u201d, \u00e9 hoje mais necess\u00e1rio e oportuno do que nunca.<\/p>\n\n\n\n

Para que tal debate seja realista, s\u00e9rio, produtivo e atempado \u00e9 essencial a exist\u00eancia de um verdadeiro QGO\/UE, que parece ser essa a orienta\u00e7\u00e3o pol\u00edtico-estrat\u00e9gica das decis\u00f5es do supracitado Conselho de novembro de 2018.<\/p>\n\n\n\n

Tendo em considera\u00e7\u00e3o que 22 Estados-membros s\u00e3o tamb\u00e9m membros da Alian\u00e7a Atl\u00e2ntica, e que cada pa\u00eds s\u00f3 disp\u00f5e de um conjunto de for\u00e7as, todas estas profundas transforma\u00e7\u00f5es dever\u00e3o ter lugar dentro do lema de complementaridade, refor\u00e7o m\u00fatuo e n\u00e3o duplica\u00e7\u00e3o, tantas vezes anunciado e defendido em todas as Declara\u00e7\u00f5es Conjuntas UE-NATO de 2016 e 2018[37]<\/a>, de que \u201cuma Uni\u00e3o mais forte \u00e9 uma NATO mais forte<\/u>\u201d<\/em>[<\/em>38]<\/a>.<\/em><\/p>\n\n\n\n

As novas pol\u00edticas, estruturas, instrumentos e incentivos financeiros para uma UE mais forte, que est\u00e3o j\u00e1 em curso ou em vias de serem aprovadas, poder\u00e3o constituir a resposta cred\u00edvel h\u00e1 tanto esperada para facilitar a dif\u00edcil \u201ccaminhada\u201d para uma maior e mais r\u00e1pida integra\u00e7\u00e3o de defesa europeia[39]<\/a>, podendo mesmo atingir-se, eventualmente, o patamar mais elevado da \u201cdefesa comum\u201d <\/em>previsto nos Tratados[40]<\/a>, uma vez que as mesmas t\u00eam em vista:<\/p>\n\n\n\n