{"id":292,"date":"2020-02-14T13:37:14","date_gmt":"2020-02-14T13:37:14","guid":{"rendered":"https:\/\/eurodefense.pt\/?p=292"},"modified":"2023-07-26T12:48:42","modified_gmt":"2023-07-26T12:48:42","slug":"a-europa-potencia-climatica","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/eurodefense.pt\/a-europa-potencia-climatica\/","title":{"rendered":"A Europa Pot\u00eancia Clim\u00e1tica"},"content":{"rendered":"\n

A Uni\u00e3o Europeia pretende agora assumir e projetar a lideran\u00e7a global das novas pol\u00edticas ambientais, da descarboniza\u00e7\u00e3o e, do emprego em larga escala das energias renov\u00e1veis, apresentando aos seus Estados-membros metas e objetivos precisos. A recente Comiss\u00e3o Europeia (CE) e o Parlamento Europeu est\u00e3o em sintonia. E chegamos ao atual \u00abTHE EUROPEAN GREEN DEAL\u00bb, o Pacto Ecol\u00f3gico Europeu, lan\u00e7ado em Bruxelas em 11 de dezembro 2019, que assenta, num programa estruturado em 10 pilares e 50 iniciativas, e que pretende atingir os seus objetivos at\u00e9 2050. A Europa ambiciona ser uma \u00abGlobal Leader\u00bb na express\u00e3o da Presidente da CE, Ursula Von der Leyer; o que nos leva a concluir que a UE aspira a ser uma verdadeira Pot\u00eancia Clim\u00e1tica, no espa\u00e7o geopol\u00edtico global.<\/strong><\/p>\n\n\n\n

Um novo discurso na geopol\u00edtica energ\u00e9tica<\/h4>\n\n\n\n

Os debates sobre GEOPOL\u00cdTICA DA ENERGIA<\/strong> levados a cabo nas \u00faltimas d\u00e9cadas, por reconhecidos autores na vertente energ\u00e9tica, e especialistas nas quest\u00f5es de geopol\u00edtica internacional e da seguran\u00e7a e defesa, t\u00eam sido, por norma, focalizados em duas vari\u00e1veis, de alguma forma controladas e complexas: a capacidade de obten\u00e7\u00e3o da energia e a seguran\u00e7a energ\u00e9tica[1]<\/a>. Em ambos estes elementos estruturais do debate, surgem os v\u00ednculos das necessidades vitais da soberania inerente aos Estados, com responsabilidades diretas no bem-estar da popula\u00e7\u00e3o, no desenvolvimento t\u00e9cnico e cient\u00edfico, na sustentabilidade da estrutura econ\u00f3mica e comercial, rela\u00e7\u00e3o com as empresas e hubs do setor energ\u00e9tico e do tecido industrial, e nos f\u00f3runs cient\u00edficos e universit\u00e1rios. Nesta equa\u00e7\u00e3o n\u00e3o deixaram de estar presentes a componente da diplomacia pol\u00edtica e econ\u00f3mica, e os pressupostos da seguran\u00e7a e da defesa nacional. Convocam-se assim, os interesses dos Estados e das regi\u00f5es, e das suas rela\u00e7\u00f5es no com\u00e9rcio internacional globalizado. Esta mesma equa\u00e7\u00e3o, \u00e9 nos dias de hoje alterada no seu modelo de an\u00e1lise, pela introdu\u00e7\u00e3o de uma nova vari\u00e1vel, tamb\u00e9m ela de grande impacto global – o CLIMA, nomeadamente a parte resultante das atividades antropog\u00e9nicas. Assim, \u00e9 agora com base nestes tr\u00eas elementos: obten\u00e7\u00e3o da energia, seguran\u00e7a energ\u00e9tica e clima, que melhor poderemos discutir o tema dos desafios energ\u00e9ticos que se colocam \u00e0 Uni\u00e3o Europeia.<\/p>\n\n\n\n

Existe um consenso alargado aos v\u00e1rios n\u00edveis da sociedade, sobre os fen\u00f3menos ambientais e que afetam em cont\u00ednuo e de forma acelerada o nosso planeta, em especial as altera\u00e7\u00f5es clim\u00e1ticas e os seus previs\u00edveis efeitos no tempo. O consenso abrange desde um vasto leque de cientistas, a entidades v\u00e1rias e, sobe ao patamar das principais organiza\u00e7\u00f5es internacionais como a ONU; at\u00e9 o pr\u00f3prio Banco Central Europeu (BCE) procura agora uma f\u00f3rmula adequada e pr\u00f3pria, a fim de poder intervir a tempo neste processo.<\/p>\n\n\n\n

A constru\u00e7\u00e3o hist\u00f3rica da realidade energ\u00e9tica que tem percorrido a humanidade, foi registando diversas etapas e desenvolvimentos ao longo do tempo, que se traduziram sempre numa inimagin\u00e1vel e acelerada evolu\u00e7\u00e3o do mundo, e das condi\u00e7\u00f5es de vida do ser humano e da sociedade em que vivemos. Que o diga o s\u00e9culo XX! Se bem que, em in\u00fameras situa\u00e7\u00f5es, se tenha criado um regime de acentuadas desigualdades existentes entre o Norte e o Sul, entre continentes, e mesmo entre \u00e1reas rurais e as cidades. Contudo, o fator evolu\u00e7\u00e3o e a extraordin\u00e1ria melhoria das condi\u00e7\u00f5es de vida dos habitantes deste planeta, n\u00e3o s\u00e3o question\u00e1veis.<\/p>\n\n\n\n

Assistimos no passado a grandes fen\u00f3menos de transi\u00e7\u00f5es energ\u00e9ticas. Umas realizadas em tempo mais lento, outras \u00e0 velocidade estonteante da ci\u00eancia e da tecnologia. Infelizmente, muitas delas resultantes das necessidades urgentes dos ditos imperativos \u00abnacionais\u00bb, aceleradas pelos grandes conflitos armados das Guerras Mundiais, ou decorrentes de diferentes processos heter\u00f3clitos. Esta transi\u00e7\u00e3o energ\u00e9tica que assistimos nestas d\u00e9cadas iniciais do s\u00e9culo XXI, \u00e9 a consciencializa\u00e7\u00e3o dos desafios atuais e da nossa realidade e, pela qual somos inteiramente respons\u00e1veis.<\/p>\n\n\n\n

A Uni\u00e3o Europeia na verdade, sempre conviveu com grandes preocupa\u00e7\u00f5es nas \u00e1reas das pol\u00edticas energ\u00e9ticas e ambientais: a pr\u00f3pria perce\u00e7\u00e3o da import\u00e2ncia dos efeitos ambientais nunca deixaram indiferentes os pr\u00f3prios fundadores do modelo europeu em meados do s\u00e9culo XX. A seguran\u00e7a energ\u00e9tica por seu lado, com as crises petrol\u00edferas nos anos setenta e do g\u00e1s natural em 2006, 2009 e 2014 – que culminaria com o fim geopol\u00edtico pr\u00e9-anunciado da anexa\u00e7\u00e3o da Crimeia -, forneceu mat\u00e9ria mais que suficiente aos Estados europeus, para integrar este decisivo vetor no patamar das preocupa\u00e7\u00f5es do projeto europeu. Mais recentemente, o modelo de liberaliza\u00e7\u00e3o do setor energ\u00e9tico, procurou dotar a Europa de mecanismos de livre concorr\u00eancia e de acessos aos mercados, e em simult\u00e2neo dot\u00e1-los de regras de prote\u00e7\u00e3o. Os passos e avan\u00e7os efetuados neste \u00e2mbito foram pequenos, na opini\u00e3o de muitos, pelas dificuldades de consenso e da complexifica\u00e7\u00e3o deste processo, mas cada vez mais seguros e firmes, para enfrentar os desafios que se colocavam ao modelo econ\u00f3mico, pol\u00edtico e monet\u00e1rio de cariz \u00fanico no Mundo, protagonizado por um vasto conjunto de na\u00e7\u00f5es democr\u00e1ticas.<\/p>\n\n\n\n

O despertar Clim\u00e1tico<\/strong><\/p>\n\n\n\n

A Europa (Uni\u00e3o Europeia) pretende agora assumir e projetar a lideran\u00e7a global das novas pol\u00edticas ambientais, da descarboniza\u00e7\u00e3o e, do emprego em larga escala das energias renov\u00e1veis, apresentando aos seus Estados-membros metas e objetivos precisos. A recente Comiss\u00e3o Europeia (CE) e o Parlamento Europeu est\u00e3o em sintonia. E chegamos ao atual \u00abTHE EUROPEAN GREEN DEAL\u00bb, o Pacto Ecol\u00f3gico Europeu, lan\u00e7ado em Bruxelas em 11 de dezembro 2019, que assenta, num programa estruturado em 10 pilares e 50 iniciativas, e que pretende atingir os seus objetivos at\u00e9 2050. A EUROPA ambiciona ser uma \u00abGlobal Leader\u00bb na express\u00e3o da Presidente da CE, Ursula Von der Leyer; o que nos leva a concluir que a UE aspira a ser uma verdadeira Pot\u00eancia Clim\u00e1tica<\/strong>, no espa\u00e7o geopol\u00edtico global.<\/p>\n\n\n\n

Os principais desafios do novo Pacto Ecol\u00f3gico Europeu na \u00e1rea energ\u00e9tica, apontam para a necessidade t\u00e9cnica de se alcan\u00e7ar a neutralidade clim\u00e1tica ou carb\u00f3nica at\u00e9 2050. Pretende-se, ainda assim, avan\u00e7ar mais depressa do que o previsto, sugerindo-se metas de redu\u00e7\u00e3o de Gases com Efeito de Estufa (GEE), de 50 a 55% at\u00e9 2030 (comparados com os valores de 1990); aguarda-se pela anunciada Lei Clim\u00e1tica (em mar\u00e7o de 2020). Outro dos desafios passar\u00e1 por potenciar a regula\u00e7\u00e3o do setor energ\u00e9tico e do pr\u00f3prio mercado do carbono (a Europa joga aqui em casa, pois j\u00e1 \u00e9 por norma uma pot\u00eancia normativa). De igual forma, garantir um cen\u00e1rio de sustentabilidade energ\u00e9tica e de crescimento econ\u00f3mico, investindo na economia energ\u00e9tica, na inova\u00e7\u00e3o e na ci\u00eancia[2]<\/a>. Com tanta ambi\u00e7\u00e3o, a UE pretende estar na frente da revolu\u00e7\u00e3o energ\u00e9tica mundial (ser um ator internacional\/Global Leader). Para isso, \u00e9 naturalmente preciso um or\u00e7amento dedicado, e aqui reside um dos grandes problemas, tal o desencontro que os v\u00e1rios \u00abblocos internos\u00bb assumem, quando pretendem disputar os emergentes \u00abfundos estruturais[3]<\/a>\u00bb.<\/p>\n\n\n\n

Numa Europa onde os principais setores respons\u00e1veis pelas emiss\u00f5es de GEE s\u00e3o: a eletricidade, seguido pelos transportes, ind\u00fastria, o setor agr\u00edcola e as componentes residenciais, as medidas aqui apresentadas ir\u00e3o afetar de forma transversal todos eles. Por outro lado, os maiores emissores s\u00e3o naturalmente os Estados mais ricos, mais industrializados e de maiores dimens\u00f5es. N\u00e3o espanta que a Alemanha, o Reino Unido, Fran\u00e7a, It\u00e1lia, Pol\u00f3nia e Espanha, sejam de longe os maiores poluidores. A pr\u00f3pria navega\u00e7\u00e3o e transporte mar\u00edtimo que entra e sai da Europa, assume um peso maior do que a Rep\u00fablica Checa ou a B\u00e9lgica como um todo. A conjuga\u00e7\u00e3o de todos estes interesses, constituir\u00e1 o verdadeiro afinador desta \u00abGrande Estrat\u00e9gia\u00bb europeia. A representa\u00e7\u00e3o gr\u00e1fica do setor el\u00e9trico na UE, ainda nos mostra a realidade da exist\u00eancia dos quatro grandes blocos de fontes de energia prim\u00e1ria: As renov\u00e1veis, a tomarem a dianteira, seguidas pelo nuclear, o g\u00e1s natural e o carv\u00e3o. Na verdade, estamos a caminhar para o fim da era do carv\u00e3o na Europa, que n\u00e3o ainda a n\u00edvel mundial, diga-se. Mas at\u00e9 por mem\u00f3ria, devemos lembrar-nos que a hist\u00f3ria da uni\u00e3o da Europa, come\u00e7a com a Comunidade Europeia do Carv\u00e3o e do A\u00e7o (CECA) em 1951, inspirada por Robert Schuman e Jean Monnet. As fontes f\u00f3sseis foram, de alguma forma, tamb\u00e9m uma procura ambiental ao longo dos tempos: o per\u00edodo do carv\u00e3o impediu a cont\u00ednua destrui\u00e7\u00e3o das grandes zonas florestais na Europa (em especial no Reino Unido e norte da Europa), a partir do S\u00e9c. XVI. A era do petr\u00f3leo veio limitar os intensos smog e nevoeiros de fumos e polui\u00e7\u00e3o dos grandes centros industrializados das cidades, provocados pelo uso intensivo do carv\u00e3o. Depois o g\u00e1s natural e o nuclear que vieram contribuir para reduzir as emiss\u00f5es geradas pelo petr\u00f3leo e pelo carv\u00e3o[4]<\/a>. Agora as energias renov\u00e1veis e o previs\u00edvel scaling up<\/em> do hidrog\u00e9nio. E no futuro outras f\u00f3rmulas energ\u00e9ticas surgir\u00e3o certamente. O carv\u00e3o \u00e9 efetivamente o \u00abmau da fita\u00bb; \u00e9 a fonte energ\u00e9tica mais poluente, n\u00e3o s\u00f3 na sua produ\u00e7\u00e3o, mas em todo o seu ciclo de vida; cont\u00e9m 72 dos 118 elementos qu\u00edmicos da tabela peri\u00f3dica e os elementos mais poluentes. Encontra-se ainda em grande percentagem de utiliza\u00e7\u00e3o, em muitos pa\u00edses europeus como a Alemanha, Pol\u00f3nia, Rep\u00fablica Checa, It\u00e1lia e Espanha. Para l\u00e1 v\u00e3o convergir certamente os esfor\u00e7os dos fundos e mecanismos de apoio comunit\u00e1rios destinados a este fim. A Europa apresenta um consumo global de carv\u00e3o ligeiramente inferior aos Estados Unidos, mas a \u00cdndia (452 Milh\u00f5es de Toneladas (MT) \u2013 e a China com 1906 (MT) (Fonte BP 2019), assumem claramente a dianteira. A Ag\u00eancia Internacional de Energia (AIE) confirma mesmo uma subida do carv\u00e3o para valores globais de 38% para 40% no mix el\u00e9trico, com as recentes importa\u00e7\u00f5es realizadas pela China. O fim das centrais a carv\u00e3o por toda a Europa at\u00e9 2050, permitir\u00e1 diminuir em cerca de 800 MT as emiss\u00f5es anuais de CO2. A aposta na eletrifica\u00e7\u00e3o, nas novas energias renov\u00e1veis, no hidrog\u00e9nio e no modo de transi\u00e7\u00e3o energ\u00e9tica representado pelo g\u00e1s natural, s\u00e3o agora o caminho estrat\u00e9gico da Europa.<\/p>\n\n\n\n

Os desafios do novo Pacto Ecol\u00f3gico Europeu ter\u00e3o especial incid\u00eancia no campo pol\u00edtico, econ\u00f3mico e social. Devem poder refor\u00e7ar o modelo de desenvolvimento econ\u00f3mico e pol\u00edtico da UE (p\u00f3s-Brexit), e projetar um novo e mais eficiente modelo industrial e tecnol\u00f3gico. Existe sem d\u00favida, uma nova revolu\u00e7\u00e3o industrial e digital em curso \u2013 e com toda a certeza acompanhadas de uma revolu\u00e7\u00e3o sociol\u00f3gica -, dando conte\u00fado ao espa\u00e7o de cidadania europeia, procurando ligar os pol\u00edticos e a pol\u00edtica aos eleitores e aos jovens. No que \u00e0 geopol\u00edtica diz respeito: confrontar as grandes pot\u00eancias hegem\u00f3nicas (EUA, R\u00fassia e China) com a pol\u00edtica clim\u00e1tica e de defesa do planeta (como se viu na recente Cimeira de Davos), encontrando aqui um espa\u00e7o pr\u00f3prio de atua\u00e7\u00e3o estrat\u00e9gico.<\/p>\n\n\n\n

Constrangimentos e complexidades do Espa\u00e7o Energ\u00e9tico Global<\/strong><\/p>\n\n\n\n

Mas a UE percebe que as dificuldades a encontrar ser\u00e3o muitas e de dif\u00edcil resolu\u00e7\u00e3o. Os constrangimentos mais vis\u00edveis que podemos observar, passam por encarar a realidade que nos diz que a matriz energ\u00e9tica global \u00e9 muita diversa; que os interesses do Estados-membros s\u00e3o m\u00faltiplos e por vezes parecem inconcili\u00e1veis. A UE n\u00e3o \u00e9 uma pot\u00eancia energ\u00e9tica (recursos, capacidade t\u00e9cnica, cient\u00edfica e de investimento); \u00e9 ainda muito dependente da R\u00fassia (g\u00e1s natural e petr\u00f3leo); e dos EUA (tecnologia, investimento e mercados financeiros); e come\u00e7a a ser da China (investimentos, novas tecnologias) e mesmo no futuro pr\u00f3ximo, da componente dos minerais estrat\u00e9gicos. Conv\u00e9m aqui recordar que a Europa importa ainda cerca de 53% da sua energia, e Portugal tem um valor bem mais elevado (acima dos 75%). S\u00e3o tamb\u00e9m vastos os riscos e desafios em \u00e1reas cr\u00edticas, como o digital e a ciberseguran\u00e7a e ciberdefesa. E por fim, como sabemos, a UE n\u00e3o garante autonomamente a sua Seguran\u00e7a e Defesa, e espelha essas vulnerabilidades perante as grandes pot\u00eancias globais ou mesmo regionais, nos cen\u00e1rios geopol\u00edticos complexos e mais recentes.<\/p>\n\n\n\n

A realidade global das fontes de energia prim\u00e1ria \u00e9 bem mais complexa. O petr\u00f3leo \u00e9 ainda energia mais utilizada, mas em queda acelerada (34%). O carv\u00e3o ainda representa cerca de com 27%. O g\u00e1s natural tem subido continuamente, atingindo os 24%. A hidroel\u00e9trica e a nuclear permanecem est\u00e1veis a 7% e 4% respetivamente, e constata-se a subida das novas renov\u00e1veis para 4% (Dados BP 2019 statistical review of world energy). Por seu lado, as necessidades energ\u00e9ticas at\u00e9 2040 (AIE) estimam-se que possam aumentar 30% (ou seja o equivalente a uma nova China ou \u00cdndia). Conv\u00e9m tamb\u00e9m ressaltar, o peso energ\u00e9tico da \u00c1sia (nomeadamente da China, \u00cdndia, Coreia do Sul, e Jap\u00e3o) e do forte crescimento de \u00c1frica em todos os cen\u00e1rios para 2050 e 2070.<\/p>\n\n\n\n

Mas tamb\u00e9m na geopol\u00edtica n\u00e3o existe um planeta B. Prevalecem os interesses das Estados e das regi\u00f5es. A energia \u00e9 uma componente estrat\u00e9gica para qualquer Estado em especial para os principais atores da geopol\u00edtica internacional. \u00abFor the first time in generations, the United States will be an energy-dominant nation\u00bb refere o National Security Strategy of the United States of America (dezembro de 2017). Na verdade, os EUA s\u00e3o aut\u00f3nomos em termos de energia; primeiros produtores mundiais e grandes exportadores. O facto de os EUA serem uma \u00abenergy dominant nation\u00bb, garante uma posi\u00e7\u00e3o chave na estrat\u00e9gia dos EUA e do seu presidente, inclusive na recente disputa com o Ir\u00e3o, e na defesa do seu espa\u00e7o vital e dos interesses geopol\u00edticos mais gerais no atual Sistema Internacional.<\/p>\n\n\n\n

Olhando para um mapa da Europa com a inscri\u00e7\u00e3o dos pipelines com origem na R\u00fassia, temos uma vis\u00e3o da geografia energ\u00e9tica da exporta\u00e7\u00e3o do g\u00e1s, onde se destacam os corredores de gasodutos da Gazprom para a Europa. Esta \u00e9 a sua marca identit\u00e1ria. Estes corredores de elevada import\u00e2ncia geoecon\u00f3mica fornecem g\u00e1s essencialmente, para a Alemanha, Reino Unido, It\u00e1lia, Turquia, Fran\u00e7a, Pol\u00f3nia, \u00c1ustria, Hungria, Rep\u00fablica Checa, Holanda e Eslov\u00e1quia.<\/p>\n\n\n\n

O gasoduto Nord Stream 2 (entre a R\u00fassia e a Alemanha) veio trazer a disputa geopol\u00edtica para pacata Europa, ampliar as disputas regionais, e alargar as preocupa\u00e7\u00f5es estrat\u00e9gicas dos Estados Unidos ao espa\u00e7o energ\u00e9tico europeu. Em todo este processo, sobressai uma op\u00e7\u00e3o energ\u00e9tica forte: a duplica\u00e7\u00e3o da importa\u00e7\u00e3o de g\u00e1s natural da R\u00fassia pela Alemanha por pipeline, atrav\u00e9s do Mar B\u00e1ltico, num investimento de grande amplitude. \u00c9 tamb\u00e9m uma clara op\u00e7\u00e3o comercial alargada, onde est\u00e3o envolvidas companhias alem\u00e3s, francesas, austr\u00edaca e anglo-holandesa, para al\u00e9m evidentemente, da sempre presente Gazprom. A consolida\u00e7\u00e3o deste projeto, com o alargamento da rede interna de conex\u00e3o de g\u00e1s, ir\u00e1 permitir beneficiar os pa\u00edses do Centro e Norte da Europa, possibilitando \u00e0 Alemanha reequilibrar o seu mix energ\u00e9tico a prazo, ap\u00f3s a prevista redu\u00e7\u00e3o no carv\u00e3o e no nuclear. Ganha e muito a R\u00fassia, porque permite aumentar as suas vendas de g\u00e1s natural, e garante a efetiva\u00e7\u00e3o dos contratos a m\u00e9dio e longo prazo, justificando os seus enormes investimentos no upstream do g\u00e1s, nomeadamente no \u00c1rtico. Em oposi\u00e7\u00e3o perdem a Ucr\u00e2nia e a Pol\u00f3nia e pa\u00edses de tr\u00e2nsito. O jogo geopol\u00edtico e os equil\u00edbrios energ\u00e9ticos estrat\u00e9gicos estendem-se aos EUA, que procuram tamb\u00e9m eles, ocupar o espa\u00e7o do g\u00e1s natural, com a sua pol\u00edtica de exporta\u00e7\u00e3o do G\u00e1s Natural Liquefeito (GNL) e do Shale Gas, e garantir a utiliza\u00e7\u00e3o dos muitos terminais de GNL existentes na Europa para o efeito, compensando os avultados investimentos internos, que a ind\u00fastria do g\u00e1s americana realizou. O Shale Gas foi a aposta dos EUA numa estrat\u00e9gia de explora\u00e7\u00e3o e exporta\u00e7\u00e3o de g\u00e1s natural. Estes det\u00eam os meios e os conhecimentos, para potenciar e dominar o mercado do com\u00e9rcio mundial do g\u00e1s e entrar em portas ent\u00e3o inacess\u00edveis, como na Europa e na \u00c1sia-Pac\u00edfico atrav\u00e9s do GNL. Com esta tipologia de explora\u00e7\u00e3o, permitiu-lhe fechar muitas centrais a carv\u00e3o, substituindo-as por centrais a g\u00e1s de ciclo combinado, e assim reduzir as emiss\u00f5es de CO2. A capacidade comercial e de transporte do g\u00e1s natural na condi\u00e7\u00e3o de g\u00e1s liquefeito, veio trazer ao espa\u00e7o da geopol\u00edtica no campo energ\u00e9tico global, um enorme desafio a todos os intervenientes neste processo. A utiliza\u00e7\u00e3o dos grandes espa\u00e7os mar\u00edtimos para transporte de g\u00e1s, vem globalizar os circuitos comerciais de importa\u00e7\u00e3o e exporta\u00e7\u00e3o. Os mais importantes terminais existentes de GNL com capacidade de exporta\u00e7\u00e3o situam-se no Qatar, na Austr\u00e1lia, Indon\u00e9sia, Mal\u00e1sia, Nig\u00e9ria e EUA, regi\u00f5es e Estados que desde muito cedo atingiram o patamar mais alto das exporta\u00e7\u00f5es. Os principais importadores de GNL situam-se na \u00c1sia-Pac\u00edfico, com a China, Jap\u00e3o e a Coreia do Sul a disputarem o p\u00f3dio. A UE n\u00e3o deixar\u00e1 de ser apenas, um grande importador, a par dos pa\u00edses asi\u00e1ticos, e muito dependente destes fornecimentos.<\/p>\n\n\n\n

A R\u00fassia desenvolveu em 2014 um vasto programa, que designou de \u00abEastern Gas Programme\u00bb, com a inten\u00e7\u00e3o de atingir o mercado chin\u00eas, atrav\u00e9s das reservas de g\u00e1s do Leste da Sib\u00e9ria, e apoiar o seu pr\u00f3prio mercado interno nestas regi\u00f5es, e ainda expandir o GNL at\u00e9 ao terminal de LNG Vladivostok. Foram estabelecidas como prioridades: o complemento \u00e0 rede de pipelines j\u00e1 existente; alargar e aproveitar os recursos estrat\u00e9gicos da pen\u00ednsula de Yamal, com Yamal 2 (Europe pipeline) e o Yamal LNG (da Novatek Gas and Power) – junto \u00e0 cidade de Sabetta -, contribuindo para o desenvolvimento da regi\u00e3o do \u00c1rtico, aproveitando a estrat\u00e9gica passagem do estreito de Bering. Trata-se de exercer o controlo das rotas mar\u00edtimas de acesso aos espa\u00e7os vitais e disputar os mercados globais. Assim o Nord Stream 2 (B\u00e1ltico), o Turk Stream (Mar Negro) e os Power of Siberia (I e II) de liga\u00e7\u00e3o \u00e0 China, que em 2020\/21 iniciam a sua opera\u00e7\u00e3o, em conjunto com o LNG do \u00c1rtico, s\u00e3o o culminar com sucesso das ambi\u00e7\u00f5es estrat\u00e9gicas e de expansionismo energ\u00e9tico montado pelo Presidente Vladimir Putin desde 2014.<\/p>\n\n\n\n

O Mar C\u00e1spio \u00e9 um espa\u00e7o mar\u00edtimo dotado de vastos recursos naturais, principalmente de petr\u00f3leo e g\u00e1s natural. A R\u00fassia, o Ir\u00e3o, Cazaquist\u00e3o, Turquemenist\u00e3o e o Azerbaij\u00e3o, todos eles com fortes interesses na regi\u00e3o disputam o dom\u00ednio deste espa\u00e7o. \u00c9 uma regi\u00e3o-chave para os objetivos da R\u00fassia como pot\u00eancia regional e, com import\u00e2ncia pol\u00edtica e econ\u00f3mica crucial para a Turquia e para o Ir\u00e3o. Esta regi\u00e3o \u00e9 tamb\u00e9m um corredor de exporta\u00e7\u00e3o para China, e eixo primordial no desenvolvimento dos pa\u00edses vizinhos em toda a regi\u00e3o da \u00c1sia Central. Estes pa\u00edses sem exce\u00e7\u00e3o det\u00eam muita riqueza energ\u00e9tica, mas n\u00e3o a conseguem transportar como desejariam! A Europa deixou de ter import\u00e2ncia estrat\u00e9gica nesta regi\u00e3o. Limita-se a seguir \u00e0 dist\u00e2ncia! O cen\u00e1rio no Mediterr\u00e2neo Oriental (Bacia do Levante) \u00e9 dotado de uma geografia energ\u00e9tica muito complexa, onde o fator conflito existe no tempo e em perman\u00eancia. O foco agora \u00e9 exist\u00eancia de grandes reservas de g\u00e1s natural no espa\u00e7o mar\u00edtimo de Israel, do Egito e do Chipre. A quantidade de g\u00e1s natural existente nestas reservas veio alterar profundamente os projetos energ\u00e9ticos do Estado de Israel, dada a abund\u00e2ncia de g\u00e1s natural no seu offshore e ao seu dispor. Vai garantir a Israel uma autonomia estrat\u00e9gia em termos energ\u00e9ticos que n\u00e3o tinha. Releva-se aqui a possibilidade de constru\u00e7\u00e3o de um gasoduto de liga\u00e7\u00e3o \u00e0 Europa (East Med pipeline), e as gigantes reservas de g\u00e1s de Afhrodite em Chipre, Leviathan e Tamar em Israel e Zohr no Egito. Os recursos energ\u00e9ticos nesta zona vieram agudizar e muito os conflitos existentes entre os diversos blocos: Chipre, Gr\u00e9cia e Israel por um lado; noutro patamar o Egito e a Jord\u00e2nia; do outro lado da \u00abbarricada\u00bb, encontramse a Turquia e a Rep\u00fablica Turca de Chipre do Norte. Tamb\u00e9m aqui a UE n\u00e3o tem uma estrat\u00e9gia pr\u00f3pria.<\/p>\n\n\n\n

Quando olhamos em termos geopol\u00edticos para o (Belt and Road Initiative), ou Rota da Seda, seja terrestre ou mar\u00edtima, n\u00e3o temos d\u00favidas do que vemos: um evidente objetivo expansionista global ao n\u00edvel comercial e econ\u00f3mico da China, que inclui as \u00e1reas do circuito energ\u00e9tico global. E claro, na forma como pretende ter cada vez mais um papel determinante na economia europeia (vejam-se os gigantescos investimentos e controlo em portos do Mediterr\u00e2neo e na pr\u00f3pria Europa).<\/p>\n\n\n\n

Conclus\u00f5es<\/strong><\/p>\n\n\n\n

Perante uma realidade global, onde EUA, R\u00fassia e China disputam o controlo energ\u00e9tico mundial, a Europa deve poder olhar para a nova revolu\u00e7\u00e3o energ\u00e9tica e clim\u00e1tica em curso, sem populismos e demagogias desfocadas. O European Green Deal deve ser focalizado em fazer prevalecer uma pol\u00edtica realista, no espa\u00e7o que o (p\u00f3s-Brexit) vai deixar em aberto, conjugada com um efetivo e liderante combate \u00e0s altera\u00e7\u00f5es clim\u00e1ticas. Contudo, se seguran\u00e7a energ\u00e9tica j\u00e1 era uma preocupa\u00e7\u00e3o da Europa, passou a ser uma \u00abobriga\u00e7\u00e3o estrat\u00e9gica\u00bb, em face das novas realidades do Sistema Internacional e das disputas e interesses das grandes pot\u00eancias globais. A UE necessita de garantir uma efetiva pol\u00edtica de Seguran\u00e7a e Defesa, cred\u00edvel, para poder ser como ambiciona, uma Global Leader – que \u00e9 o mesmo que dizer, ter voz no Sistema Internacional. Alguns instrumentos recentemente desenvolvidos nesse sentido, como a ativa\u00e7\u00e3o da Permanent Structured Cooperation (PESCO), o European Defence Fund (EDF), e os mecanismos de base do \u00abInvestment Screening\u00bb, s\u00e3o efetivas escolhas estrat\u00e9gicas, colocadas \u00e0 disposi\u00e7\u00e3o dos Estados-membros, sob a orienta\u00e7\u00e3o da Comiss\u00e3o Europeia.<\/p>\n\n\n\n

E de novo a nossa equa\u00e7\u00e3o geopol\u00edtica: a obten\u00e7\u00e3o de energia, a seguran\u00e7a energ\u00e9tica e as medidas de controlo sobre as altera\u00e7\u00f5es clim\u00e1ticas, dever\u00e3o poder proporcionar uma adequada Autonomia Estrat\u00e9gica<\/strong> \u00e0 Europa, aliada \u00e0 necess\u00e1ria Soberania Econ\u00f3mica<\/strong>. E s\u00f3 desta equa\u00e7\u00e3o alargada, poder\u00e1 resultar efetivamente o reconhecimento a prazo da Europa, como Pot\u00eancia Clim\u00e1tica<\/strong>, congregando os Estados membros na conceptualiza\u00e7\u00e3o de uma nova \u00abEstrat\u00e9gia Energ\u00e9tica e de Seguran\u00e7a para a Europa<\/strong>\u00bb.<\/p>\n\n\n\n


\n\n\n\n

14 de fevereiro de 2020<\/p>\n\n\n\n

\"\"<\/p>\n\n\n\n

Eduardo Caetano de Sousa<\/em><\/strong>
Vogal da Dire\u00e7\u00e3o<\/p>\n\n\n\n


\n\n\n\n

[1]<\/a> Nicolas Mazzucchi – \u00ab\u00c9nergie (Ressources, technologies et enjeux de pouvoir)\u00bb, Armand Colin, 2017.<\/p>\n\n\n\n

[2]<\/a> (10 Pilares que decorrem do novo Pacto: Ambi\u00e7\u00e3o Clim\u00e1tica; Energia Limpa; Economia Circular, Polui\u00e7\u00e3o Zero; Ecossistemas e Biodiversidade; Agricultura Verde; Mobilidade; Mecanismos de Transi\u00e7\u00e3o Justa; Investiga\u00e7\u00e3o e Desenvolvimento e UE na vanguarda mundial (EU as a global leader).<\/p>\n\n\n\n

[3]<\/a> Encontra-se previsto no Plano um refor\u00e7o anual de 260 mil milh\u00f5es de Euros (1,5 do PIB europeu de 2018) at\u00e9 2030, e 100 mil milh\u00f5es de Euros para o designado Mecanismo de Transi\u00e7\u00e3o Justa.<\/p>\n\n\n\n

[4]<\/a> Leonardo Maugeri – \u00abCon Tutta L’energia possibile\u00bb, Sperling & Kupfer, 2008.<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

A Uni\u00e3o Europeia pretende agora assumir e projetar a lideran\u00e7a global das novas pol\u00edticas ambientais, da descarboniza\u00e7\u00e3o e, do emprego em larga escala das energias renov\u00e1veis, apresentando aos seus Estados-membros metas e objetivos precisos. A recente Comiss\u00e3o Europeia (CE) e o Parlamento Europeu est\u00e3o em sintonia. E chegamos ao atual \u00abTHE EUROPEAN GREEN DEAL\u00bb, o… Ler mais »A Europa Pot\u00eancia Clim\u00e1tica<\/span><\/a><\/p>\n","protected":false},"author":1,"featured_media":2886,"comment_status":"closed","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"neve_meta_sidebar":"","neve_meta_container":"","neve_meta_enable_content_width":"","neve_meta_content_width":0,"neve_meta_title_alignment":"","neve_meta_author_avatar":"","neve_post_elements_order":"","neve_meta_disable_header":"","neve_meta_disable_footer":"","neve_meta_disable_title":""},"categories":[3],"tags":[],"_links":{"self":[{"href":"https:\/\/eurodefense.pt\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/292"}],"collection":[{"href":"https:\/\/eurodefense.pt\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/eurodefense.pt\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/eurodefense.pt\/wp-json\/wp\/v2\/users\/1"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/eurodefense.pt\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=292"}],"version-history":[{"count":9,"href":"https:\/\/eurodefense.pt\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/292\/revisions"}],"predecessor-version":[{"id":9710,"href":"https:\/\/eurodefense.pt\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/292\/revisions\/9710"}],"wp:featuredmedia":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/eurodefense.pt\/wp-json\/wp\/v2\/media\/2886"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/eurodefense.pt\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=292"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/eurodefense.pt\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=292"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/eurodefense.pt\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=292"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}