{"id":337,"date":"2020-05-15T08:00:53","date_gmt":"2020-05-15T08:00:53","guid":{"rendered":"https:\/\/eurodefense.pt\/?p=337"},"modified":"2023-02-20T18:52:05","modified_gmt":"2023-02-20T18:52:05","slug":"a-dependencia-de-metais-estrategicos-e-a-historia-da-pedra-no-sapato","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/eurodefense.pt\/a-dependencia-de-metais-estrategicos-e-a-historia-da-pedra-no-sapato\/","title":{"rendered":"A depend\u00eancia de metais estrat\u00e9gicos e a hist\u00f3ria da pedra no sapato"},"content":{"rendered":"\n

Quando o Mundo se apercebeu que a amea\u00e7a do v\u00edrus que andava por Wuhan e pela China, afinal era \u00abreal\u00bb, e que tamb\u00e9m ele entrava pela nossa porta, pudemos ent\u00e3o assistir a uma corrida imediata \u00e0s m\u00e1scaras de prote\u00e7\u00e3o e demais equipamentos sanit\u00e1rios de urg\u00eancia, produzidos em tempo recorde na China.<\/p>\n\n\n\n

De todo o lado, em desespero, partiam e chegavam avi\u00f5es, e mais houvesse, tal o p\u00e2nico instalado, a que nem a Europa sempre sonhadora e por norma desprevenida, se eximiu. Tudo e todos para l\u00e1 convergiam! Ningu\u00e9m quis chegar atrasado, de governos centrais, a autarcas mais expeditos, dos pequenos Estados de todos os continentes, \u00e0s grandes pot\u00eancias regionais.<\/p>\n\n\n\n

Na verdade s\u00f3 a China estava preparada, e dotada de condi\u00e7\u00f5es para apoiar e fornecer estes equipamentos de prote\u00e7\u00e3o, numa verdadeira cadeia log\u00edstica sanit\u00e1ria global, num curto e dram\u00e1tico per\u00edodo de tempo. No entanto, e passado o pior da tempestade, neste cen\u00e1rio de emerg\u00eancia generalizada, e retirada a \u00abbondade\u00bb de quem sempre ajuda, ficava um rasto algo amargo no pensamento de muitos, do reavivar do racional entre quem tem e afinal pode, e os outros com menor capacidade de rea\u00e7\u00e3o e organiza\u00e7\u00e3o (vide Europa em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 It\u00e1lia). E tudo isto, num contexto de an\u00e1lise geopol\u00edtica, ainda que de forma gen\u00e9rica, d\u00e1 sempre que pensar!<\/p>\n\n\n\n

O s\u00e9culo XX foi o s\u00e9culo dos combust\u00edveis fosseis, do carv\u00e3o, do petr\u00f3leo e do g\u00e1s natural que dominaram todo o circuito energ\u00e9tico global. A geopol\u00edtica dominante do M\u00e9dio Oriente, com o seu petr\u00f3leo, a partir dos anos setenta, equilibrou os interesses estrat\u00e9gicos dos EUA e da R\u00fassia durante o per\u00edodo da Guerra Fria e geriu as muitas depend\u00eancias e vulnerabilidades energ\u00e9ticas da grande maioria dos importadores (basta relembrar as muitas crises do petr\u00f3leo e a tem\u00e1tica da import\u00e2ncia estrat\u00e9gica sempre presente do Golfo P\u00e9rsico).<\/p>\n\n\n\n

A era do carv\u00e3o terminou no in\u00edcio deste s\u00e9culo, dada a crescente consciencializa\u00e7\u00e3o ambiental e clim\u00e1tica de grande parte da comunidade internacional; e a crise do Covid-19 veio acelerar o fim da era do petr\u00f3leo.<\/p>\n\n\n\n

O s\u00e9culo XXI poder\u00e1 ser o s\u00e9culo dos metais cr\u00edticos e das energias renov\u00e1veis. <\/strong>Mas ser\u00e1 que as depend\u00eancias entre Estados e regi\u00f5es, as tens\u00f5es pol\u00edticas e comerciais e o jogo de interesses geopol\u00edticos v\u00e3o acabar ou mesmo diminuir?<\/p>\n\n\n\n

\"\"<\/figure><\/div>\n\n\n\n

Olhemos para o caso dos metais estrat\u00e9gicos <\/strong>e dentro destes em especial, os minerais designados por terras raras<\/strong>. Com a transi\u00e7\u00e3o energ\u00e9tica em curso e as medidas tomadas face \u00e0s altera\u00e7\u00f5es clim\u00e1ticas, estes ganharam maior relev\u00e2ncia pela associa\u00e7\u00e3o \u00e0s novas tecnologias emergentes e \u00e0s ind\u00fastrias de \u00abcutting-edge\u00bb. Passamos agora a ouvir falar cada vez mais; de \u00edndio, l\u00edtio, das terras raras, sel\u00e9nio, g\u00e1lio, tel\u00fario e muitos outros.<\/p>\n\n\n\n

Na atual corrida energ\u00e9tica, estes metais est\u00e3o presentes desde as c\u00e9lulas fotovoltaicas convencionais ou nas de \u00abfilme fino\u00bb, a modelos de captura de energia solar, nos geradores por indu\u00e7\u00e3o magn\u00e9tica (energia e\u00f3lica), nas baterias e \u00abstorage\u00bb de diferentes tipologias, para al\u00e9m \u00e9 claro dos EV, \u00abfuel cells\u00bb, catalisadores, ilumina\u00e7\u00e3o fluorescente, computadores port\u00e1teis, c\u00e2maras, telefones celulares, e diferentes equipamentos e aplica\u00e7\u00f5es de elevada tecnologia diferenciadora.<\/p>\n\n\n\n

Tamb\u00e9m ao n\u00edvel da ind\u00fastria militar, vamos encontr\u00e1-los nos equipamentos de vis\u00e3o noturna, de comunica\u00e7\u00f5es, GPS, proj\u00e9teis guiados, ve\u00edculos especiais, entre outras aplica\u00e7\u00f5es de defesa. Com a ci\u00eancia e a tecnologia a fazer o seu caminho pelo s\u00e9culo XXI, as tecnologias emergentes e disruptivas que a\u00ed est\u00e3o (ver NATO Science & Technology Trends 2020-2040), ir\u00e3o necessariamente ser desenvolvidos novos conceitos ao n\u00edvel da digita\u00e7\u00e3o e da rob\u00f3tica, da Intelig\u00eancia Artificial, do \u00abHypersonic (weapons systems)\u00bb, do espa\u00e7o, das tecnologias quantum<\/em>, e das \u00abbio & human enhancement\u00bb. Em face a este extraordin\u00e1rio desenvolvimento a que temos assistido nos \u00faltimos anos, e num cen\u00e1rio energ\u00e9tico futuro mais eletrificado, digitalizado e descentralizado, \u00e9 natural que a disputa geopol\u00edtica e os interesses das grandes pot\u00eancias globais subam de tom pelo controlo das tecnologias emergentes.<\/p>\n\n\n\n

Reconhece-se em boa verdade, que a China det\u00e9m e gere na pr\u00e1tica o monop\u00f3lio da grande maioria destes minerais estrat\u00e9gicos, em especial as terras raras. Esta situa\u00e7\u00e3o causar\u00e1 naturais preocupa\u00e7\u00f5es no \u00e2mbito da seguran\u00e7a energ\u00e9tica e da pr\u00f3pria componente de seguran\u00e7a e defesa da grande maioria dos pa\u00edses importadores com capacidade industrial. Em causa a excessiva depend\u00eancia destas mat\u00e9rias-primas.<\/p>\n\n\n\n

A especificidade do mercado industrial dos minerais de import\u00e2ncia estrat\u00e9gica, al\u00e9m das reservas existentes e com capacidade de explora\u00e7\u00e3o e rentabilidade, apresenta uma matriz base de valoriza\u00e7\u00e3o estrat\u00e9gica, que implica um desenvolvimento integral das respetivas etapas nas cadeias produtivas. Neste ciclo industrial, \u00e9 tido em conta n\u00e3o s\u00f3 a prospe\u00e7\u00e3o, explora\u00e7\u00e3o e refina\u00e7\u00e3o, mas tamb\u00e9m todo o processo de transforma\u00e7\u00e3o, nomeadamente a avalia\u00e7\u00e3o dos respetivos ciclos de vida e o pr\u00f3prio conceito integrado de economia circular, incluindo a reciclagem, substitui\u00e7\u00e3o ou recovery das mat\u00e9rias-primas utilizadas.<\/p>\n\n\n\n

\"\"<\/figure>\n\n\n\n

Imagem :https:\/\/staticseekingalpha.a.ssl.fastly.net<\/a><\/span><\/p>\n\n\n\n

A China para al\u00e9m das suas enormes reservas, e da clara vantagem no ciclo de processamento t\u00e9cnico e comercial \u00ab (\u2026) produces today at least 80 percent of antimony, bismuth, gallium, magnesium and tungsten and more than 65 percent of natural graphite, germanium and scandium (\u2026) is the largest exporter and consumer of rare earths in the world and has supplied more than 90 percent of the world demand in past decades<\/em>\u00bb[1]<\/a>. Estes valores d\u00e3o \u00e0 China uma enorme superioridade nos mecanismos comerciais a estabelecer. Existem no entanto outros Estados com algumas importantes capacidades de mat\u00e9ria-prima (imagem supra), e mesmo alguns dotados de reservas consider\u00e1veis, a serem eventualmente exploradas.<\/p>\n\n\n\n

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\u00c9volution de la consommation et de la production de terres rares. Mineralinfo.fr em <\/em>https:\/\/www.contrepoints.org<\/span><\/em><\/a><\/p>\n\n\n\n

Tal como inici\u00e1mos esta cr\u00f3nica, com a atual emerg\u00eancia sanit\u00e1ria global, tamb\u00e9m aqui tratamos de mat\u00e9ria demasiado sens\u00edvel para os Estados, agora no contexto da seguran\u00e7a energ\u00e9tica <\/strong>e mesmo para a pr\u00f3pria seguran\u00e7a nacional<\/strong>.<\/p>\n\n\n\n

sta \u00e9 uma verdadeira pedra no sapato a curto prazo, para os EUA e seus aliados ocidentais. Atente-se para j\u00e1 \u00e0s disputas ruidosas sobre o 5G, neste embate entre as duas grandes pot\u00eancias globais (EUA e China). A concentra\u00e7\u00e3o e a enorme vantagem da China nesta \u00e1rea \u00e9 fator de natural preocupa\u00e7\u00e3o das democracias a ocidente e dos vizinhos Jap\u00e3o, Mal\u00e1sia, Taiwan, Austr\u00e1lia e Coreia do Sul, mas tamb\u00e9m da \u00cdndia e R\u00fassia, todos eles muito atentos e com especiais interesses e capacidades industriais j\u00e1 em desenvolvimento. A Austr\u00e1lia apresenta j\u00e1 um potencial de destaque no conjunto da ind\u00fastria de minera\u00e7\u00e3o, e tem uma estrat\u00e9gia assertiva neste dom\u00ednio.<\/p>\n\n\n\n

A Europa por seu lado, debate-se com a escassez de mat\u00e9rias-primas, nomeadamente de terras raras. A procura de um modelo associado \u00e0s novas tecnologias energ\u00e9ticas de baixo carbono, que constituem a base do seu \u00abEuropean Green Deal\u00bb, devem ser compat\u00edveis com os sistemas de economia circular e circuitos de reciclagem apropriados, e da pr\u00f3pria gest\u00e3o dos recursos secund\u00e1rios[2]<\/a>, que n\u00e3o a remetam para um espa\u00e7o de total depend\u00eancia geoecon\u00f3mica e geopol\u00edtica de terceiros.<\/p>\n\n\n\n

Por outro lado, as disponibilidades geol\u00f3gicas existentes no espa\u00e7o europeu, de prospe\u00e7\u00e3o e explora\u00e7\u00e3o de recursos minerais (vide caso do l\u00edtio em Portugal), e outras existentes no Norte da Europa, est\u00e3o sempre muito dependentes de apertadas normas e disposi\u00e7\u00f5es de efeito burocr\u00e1tico. Tamb\u00e9m ao respeito pelas necess\u00e1rias regras e pr\u00e1ticas ambientais, \u00e0s popula\u00e7\u00f5es diretamente envolvidas, aos grupos de press\u00e3o existentes, e num patamar n\u00e3o despiciente, ao evidente risco pol\u00edtico envolvente a estas decis\u00f5es!<\/p>\n\n\n\n

Mas se a UE n\u00e3o refor\u00e7ar em tempo uma estrat\u00e9gia coerente e eficaz entre os seus Estados, nesta mat\u00e9ria sens\u00edvel, e este \u00e9 o seu tempo, ir\u00e1 ficar cada vez mais dependente de tudo e de alguns. E no pior dos seus sonhos, poder\u00e1 perguntar, como fez o simp\u00e1tico Calvin (Calvin & Hobbes): \u00abPai n\u00e3o apagues a luz! N\u00e3o viste se havia monstros debaixo da cama?<\/em>\u00bb.<\/p>\n\n\n\n


\n\n\n\n

10 de maio 2020<\/p>\n\n\n\n

\"\"<\/p>\n\n\n\n

Eduardo Caetano de Sousa<\/strong><\/strong>
Vogal da Dire\u00e7\u00e3o<\/em><\/p>\n\n\n\n

[1]<\/a>  The Strategic importante of rare earth minerals for NATO, EU and the United States and its implication for the energy and defense sectors by Ms Marju K\u00f5rts in Energy Security: Operational Highlights n\u00ba 13.<\/p>\n\n\n\n

[2]<\/a> Ver Carlos Nogueira em \u00abMateriais para as tecnologias da energia: desafios e o papel da reciclagem\u00bb<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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