{"id":6383,"date":"2021-05-23T15:14:08","date_gmt":"2021-05-23T15:14:08","guid":{"rendered":"https:\/\/eurodefense.pt\/?p=6383"},"modified":"2023-02-20T18:20:13","modified_gmt":"2023-02-20T18:20:13","slug":"a-tensao-geopolitica-no-indico-norte","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/eurodefense.pt\/a-tensao-geopolitica-no-indico-norte\/","title":{"rendered":"A Tens\u00e3o Geopol\u00edtica no \u00cdndico Norte"},"content":{"rendered":"\n

1. O Shift<\/em> para o Oceano \u00cdndico<\/strong><\/p>\n\n\n\n

Um novo framework <\/em>geopol\u00edtico tem vindo a levar n\u00e3o s\u00f3 o Oceano \u00cdndico como o Pac\u00edfico (a regi\u00e3o do Indo-Pacifico) para o centro das rela\u00e7\u00f5es internacionais. Concentrando-nos neste \u00faltimo, numa primeira inst\u00e2ncia, devemos salientar o facto de que \u00e9 uma regi\u00e3o extremamente vasta e diversa. Cobre o M\u00e9dio Oriente e pa\u00edses do Golfo, o Mar Vermelho e o Corno de \u00c1frica, o Leste Africano e \u00c1frica Subsariana, o Sul e Sudeste Asi\u00e1tico e a Oce\u00e2nia, sendo o terceiro maior oceano. Neste oceano encontramos algumas das mais vitais rotas mar\u00edtimas de com\u00e9rcio, bem como alguns dos mais estrat\u00e9gicos chokepoints<\/em>: o Estreito de Ormuz, o Estreito de Malaca e o Estreito de Bab-el-Mandeb. \u00c9, ademais, uma regi\u00e3o extremamente rica em termos de recursos energ\u00e9ticos (como o petr\u00f3leo e o g\u00e1s natural). Usufrui de uma posi\u00e7\u00e3o geoestrat\u00e9gica e tem, por isso, sido uma localiza\u00e7\u00e3o onde os grandes poderes se t\u00eam concentrado e aumentado a sua atividade, presen\u00e7a naval e militar, sobretudo nos pontos de maior import\u00e2ncia, em constante competi\u00e7\u00e3o mas tamb\u00e9m coopera\u00e7\u00e3o. O peso que tem assumido esta regi\u00e3o levanta quest\u00f5es securit\u00e1rias, como seria de esperar, como a pirataria, o terrorismo e o tr\u00e1fico de seres humanos e de droga. Conseguimos perceber, pela descri\u00e7\u00e3o geogr\u00e1fica, que engloba algumas zonas particularmente inst\u00e1veis, como \u00e9 o caso do M\u00e9dio Oriente, bem como alguns Estados Falhados e Fr\u00e1geis.<\/p>\n\n\n\n

A \u00cdndia, China e os Estados Unidos da Am\u00e9rica s\u00e3o os principais atores neste contexto. A rivalidade entre a \u00cdndia e a China, sendo o primeiro apoiado pelos Estados Unidos da Am\u00e9rica (que, perante a presen\u00e7a da China, tem vindo a refor\u00e7ar as suas capacidades militares, diplom\u00e1ticas e esfor\u00e7os econ\u00f3micos em toda a regi\u00e3o), parece ser a principal quest\u00e3o securit\u00e1ria na regi\u00e3o, assentando tamb\u00e9m numa disputa hist\u00f3ria entre os dois Estados. Outras din\u00e2micas bilaterais t\u00eam, igualmente, peso.<\/p>\n\n\n\n

2. Pontos de Tens\u00e3o no \u00cdndico-Norte: as rela\u00e7\u00f5es \u00cdndia-China e \u00cdndia-Paquist\u00e3o<\/strong><\/p>\n\n\n\n

Se navegarmos para uma localiza\u00e7\u00e3o particular deste oceano, nomeadamente para norte, nas margens do Sul Asi\u00e1tico, verificamos que \u00e9 palco de alguns pontos de tens\u00e3o, fruto dos Estados que engloba. Dois dos previamente mencionados, \u00cdndia e China, competem por influ\u00eancia nesta zona, situa\u00e7\u00e3o agravada por disputas bilaterais antigas, relacionadas com quest\u00f5es territoriais. Da mesma forma, \u00cdndia e Paquist\u00e3o (este \u00faltimo que mant\u00e9m boas rela\u00e7\u00f5es com a China) disputam tamb\u00e9m territ\u00f3rios, estando envolvidos no chamado \u2018conflito indo-paquistan\u00eas\u2019 h\u00e1 v\u00e1rios anos.<\/p>\n\n\n\n

2.1. As Rela\u00e7\u00f5es \u00cdndia-China<\/p>\n\n\n\n

Debru\u00e7ando-nos numa primeira inst\u00e2ncia sob a \u00cdndia e a China, os dois grandes poderes em (re) ascens\u00e3o no s\u00e9culo XXI, \u00e9 seguro afirmar que a sua liga\u00e7\u00e3o nem sempre teve o car\u00e1ter atribulado ao qual assistimos hoje. Olhando para o p\u00f3s-Segunda Guerra Mundial, a \u00cdndia foi o primeiro Estado n\u00e3o-socialista a reconhecer a Rep\u00fablica Popular da China em 1949, oferecendo um forte apoio \u00e0 participa\u00e7\u00e3o do pa\u00eds na Organiza\u00e7\u00e3o das Na\u00e7\u00f5es Unidas ao inv\u00e9s de Taiwan. \u00c9 nos anos \u201950 que quest\u00f5es fronteiri\u00e7as d\u00e3o origem a uma deteriora\u00e7\u00e3o desta liga\u00e7\u00e3o, que perdura at\u00e9 \u00e0 atualidade. A fronteira entre os dois Estados com cerca de 4000 km n\u00e3o est\u00e1 demarcada, o que resulta em diferentes perspetivas sobre a sua localiza\u00e7\u00e3o, levando a infra\u00e7\u00f5es regulares. Isto tem originado pequenos conflitos ao longo dos anos, como foi o caso em 1962. Entre os territ\u00f3rios disputados est\u00e1, por exemplo, Aksai Chin, sob a jurisdi\u00e7\u00e3o chinesa, reivindicada pela \u00cdndia como parte da regi\u00e3o de Ladakh.<\/p>\n\n\n\n

Apesar do constante tenso ambiente, t\u00eam existido v\u00e1rias tentativas de reaproxima\u00e7\u00e3o por parte dos dois Estados, sobretudo desde os anos \u201980, mesmo tendo em conta o exponencial crescimento econ\u00f3mico que ambos experienciaram nesta altura (o que fomenta a rivalidade). Olhando especificamente para acontecimentos recentes, em 2019 uma Cimeira realizada entre os l\u00edderes Xi Jinping e Narendra Modi sugeriu que a rela\u00e7\u00e3o entre os dois pa\u00edses poderia vir a tornar-se consideravelmente diferente, para melhor. Contudo, o ano de 2020 demonstrou que esta premissa n\u00e3o ser\u00e1 a mais acertada. Em junho, soldados chineses e indianos entraram em confronto na \u00e1rea disputada do vale do rio Galwan, provocando mais de vinte mortes. Em 2021, os dois Estados acordaram a retirada militar de uma das partes do territ\u00f3rio disputado, na regi\u00e3o de Ladakh, o que reduziu o risco de um confronto armado nesse local em espec\u00edfico.<\/p>\n\n\n\n

Uma quest\u00e3o com particular import\u00e2ncia nas din\u00e2micas entre os dois Estados \u00e9 a presen\u00e7a no \u00cdndico Norte, onde ambos possuem interesses. Para a \u00cdndia, esta regi\u00e3o \u00e9 estrat\u00e9gica e fulcral, historicamente parte da sua zona de influ\u00eancia. A presen\u00e7a crescente da China na regi\u00e3o, materializada na presen\u00e7a naval (atrav\u00e9s do People\u2019s Liberation Army<\/em>, por exemplo), militar e no desenvolvimento\/constru\u00e7\u00e3o de infraestruturas como o porto de Gwadar, no Paquist\u00e3o, incrementa a competi\u00e7\u00e3o entre os dois Estados \u2013 ali\u00e1s, afeta diretamente os interesses indianos. Ambos os Estados t\u00eam vindo a tentar refor\u00e7ar os la\u00e7os com os Estados mais pequenos, na regi\u00e3o (por exemplo, no caso da China, o Sri Lanka, as Maldivas, Bangladesh e Paquist\u00e3o), para garantir os seus respetivos interesses econ\u00f3micos e securit\u00e1rios. Numa tentativa de conten\u00e7\u00e3o da China, a \u00cdndia tem vindo a aproximar-se progressivamente aos Estados Unidos da Am\u00e9rica, cooperando na zona do Indo-Pac\u00edfico (um dos exemplos desta coopera\u00e7\u00e3o \u00e9 o documento Indo-American Joint Strategic Vision for the Asia-Pacific and the Indian Ocean, <\/em>de 2015). Esta coopera\u00e7\u00e3o n\u00e3o \u00e9, como seria de prever, bem vista por parte do governo chin\u00eas. A \u00cdndia tem, igualmente, tentado aumentar ainda mais a sua presen\u00e7a na regi\u00e3o, sobretudo perto dos chokepoints<\/em> estrat\u00e9gicos.<\/p>\n\n\n\n

O futuro das rela\u00e7\u00f5es entre os dois Estados fica, contudo, em aberto, n\u00e3o sendo a perspetiva a melhor, uma vez que a situa\u00e7\u00e3o permanece problem\u00e1tica e sem grandes perspetivas de resolu\u00e7\u00e3o. Isto relaciona-se, para al\u00e9m dos interesses conflituais, quest\u00f5es fronteiri\u00e7as e todas as din\u00e2micas entre os dois Estados, com perce\u00e7\u00f5es geopol\u00edticas que cada um tem do outro.<\/p>\n\n\n\n

2.2. As Rela\u00e7\u00f5es \u00cdndia-Paquist\u00e3o e o conflito Indo-Paquistan\u00eas<\/p>\n\n\n\n

Um outro ponto de tens\u00e3o encontra-se entre os vizinhos \u00cdndia e Paquist\u00e3o, duas pot\u00eancias com capacidades nucleares. O ambiente de conflito remonta ao fim do dom\u00ednio do brit\u00e2nico sob os v\u00e1rios territ\u00f3rios no final dos anos \u201940 e \u00e0 forma\u00e7\u00e3o de dois Estados: a \u00cdndia e o Paquist\u00e3o. No geral, os territ\u00f3rios de maioria mu\u00e7ulmana foram inclu\u00eddos no Paquist\u00e3o, enquanto os territ\u00f3rios maioritariamente hindus foram inclu\u00eddos na \u00cdndia. Esta divis\u00e3o deu origem n\u00e3o s\u00f3 uma incid\u00eancia nos movimentos migrat\u00f3rios, como viol\u00eancia e protestos. Um caso particular foi a regi\u00e3o de Caxemira, cuja dualidade (l\u00edder hindu e popula\u00e7\u00e3o maioritariamente mu\u00e7ulmana) incitou uma grande ambival\u00eancia e disputa pelo territ\u00f3rio. Em 1947 inicia o primeiro conflito entre os dois Estados ap\u00f3s um grupo armado paquistan\u00eas invadir o territ\u00f3rio. Apenas termina em 1949 com a interven\u00e7\u00e3o da Organiza\u00e7\u00e3o das Na\u00e7\u00f5es Unidas: o territ\u00f3rio \u00e9 dividido pelos dois Estados, ficando cada um a controlar uma determinada parte, dividida pela chamada \u2018Linha de Controlo\u2019. Contudo, outros conflitos acontecem em 1965 e 1971, bem como um de mais pequena dimens\u00e3o em 1999. Em 2003, os Estados acordam um cessar-fogo que mostrou vir a ser bastante fr\u00e1gil, uma vez que continuam a verificar-se pequenos confrontos na fronteira contestada: ambos acusam o outro de violar o cessar-fogo, afirmando estar a disparar em resposta. Os anos de 2014 e 2015 mostraram um per\u00edodo de relativo otimismo para as rela\u00e7\u00f5es entre os dois pa\u00edses, sobretudo com a visita de Narendra Modi, primeiro-ministro indiano, ao Paquist\u00e3o. A verdade \u00e9 que este otimismo rapidamente desapareceu quando, em 2016, um novo ataque foi levado a cabo numa base indiana perto da Linha de Controlo e, logo depois, um ataque dos militares indianos a campos dentro do territ\u00f3rio controlado do Paquist\u00e3o. Os ataques continuam em 2017 e 2018 e, em maio de 2018, existe um novo acordo de cessar-fogo entre as duas partes. N\u00e3o obstante, as tens\u00f5es e preocupa\u00e7\u00f5es permanecem altas, sobretudo devido \u00e0 continuidade dos ataques.<\/p>\n\n\n\n

\u00c9 correto afirmar que o grande foco de tens\u00e3o entre os dois pa\u00edses tem demonstrado ser a quest\u00e3o da disputa pela regi\u00e3o de Caxemira. Contudo, \u00e9 necess\u00e1rio olhar tamb\u00e9m para outras din\u00e2micas regionais. Uma outra quest\u00e3o com bastante sali\u00eancia \u00e9 a retirada das tropas da NATO e Estados Unidos da Am\u00e9rica do Afeganist\u00e3o e a liga\u00e7\u00e3o do Paquist\u00e3o a grupos afeg\u00e3os como forma de controlar o regime de Kabul, atrav\u00e9s de proxies<\/em>, o que demonstra ser uma outra preocupa\u00e7\u00e3o securit\u00e1ria para a \u00cdndia, a par da amea\u00e7a terrorista, e uma possibilidade de desestabiliza\u00e7\u00e3o das rela\u00e7\u00f5es entre os dois Estados, levando at\u00e9 a um novo conflito.<\/p>\n\n\n\n

A proximidade do Paquist\u00e3o \u00e0 China \u00e9 outra quest\u00e3o a ser analisada, com algum peso para as rela\u00e7\u00f5es \u00cdndia-Paquist\u00e3o e, consequentemente, as rela\u00e7\u00f5es \u00cdndia-China, sendo at\u00e9 vista, por alguns autores, como um obst\u00e1culo ao progresso entre os \u00faltimos. A liga\u00e7\u00e3o diplom\u00e1tica entre os dois Estados existe desde 1951 e tem vindo a manifestar-se, por exemplo, em assist\u00eancia militar, t\u00e9cnica, econ\u00f3mica e at\u00e9 nuclear, uma parceria estrat\u00e9gica cr\u00edtica para o Paquist\u00e3o que tem vindo a crescer desde os anos \u201890. Por exemplo, o corredor econ\u00f3mico China-Paquist\u00e3o disp\u00f5e de infraestruturas na regi\u00e3o disputada de Caxemira, o que foi considerado pela \u00cdndia como inaceit\u00e1vel.<\/p>\n\n\n\n

3. Contributos da Tert\u00falia com o Professor Felipe Path\u00e9 Duarte<\/strong><\/p>\n\n\n\n

No passado dia 21 de maio, teve lugar a Tert\u00falia sobre a Tens\u00e3o Geopol\u00edtica no \u00cdndico-Norte, na qual tivemos o prazer de contar com a presen\u00e7a do Professor Doutor Felipe Path\u00e9 Duarte. A sess\u00e3o organizou-se em dois momentos, uma apresenta\u00e7\u00e3o inicial e de seguida perguntas e respostas do p\u00fablico. Durante a apresenta\u00e7\u00e3o, o Professor Doutor Felipe Path\u00e9 Duarte explicou detalhadamente a tens\u00e3o geopol\u00edtica nesta regi\u00e3o espec\u00edfica. Seguem alguns dos principais contributos retirados deste evento, que nos permitem compreender melhor o que se passa na regi\u00e3o, quais os seus principais atores e as estrat\u00e9gias geopol\u00edticas dos mesmos.<\/p>\n\n\n\n

Cen\u00e1rio Global:<\/strong><\/p>\n\n\n\n