{"id":6854,"date":"2021-09-26T21:58:30","date_gmt":"2021-09-26T21:58:30","guid":{"rendered":"https:\/\/eurodefense.pt\/?p=6854"},"modified":"2023-02-20T18:08:49","modified_gmt":"2023-02-20T18:08:49","slug":"as-relacoes-bilaterais-entre-portugal-e-o-afeganistao-diplomacia-seguranca-e-direitos-humanos","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/eurodefense.pt\/as-relacoes-bilaterais-entre-portugal-e-o-afeganistao-diplomacia-seguranca-e-direitos-humanos\/","title":{"rendered":"As rela\u00e7\u00f5es bilaterais entre Portugal e o Afeganist\u00e3o: diplomacia, seguran\u00e7a e direitos humanos"},"content":{"rendered":"\n

Vinte anos depois de uma guerra que derrubou os Talib\u00e3 do poder, em consequ\u00eancia da opera\u00e7\u00e3o norte-americana Enduring Freedom<\/em> desencadeada em reposta aos ataques terroristas do 11 de setembro de 2001 (11\/9), o Afeganist\u00e3o volta a cair nas m\u00e3os do grupo islamista insurgente com a tomada da capital, Cabul, a 17 de agosto de 2021. A resolu\u00e7\u00e3o do caos geopol\u00edtico e a crise humanit\u00e1ria est\u00e3o no topo das agendas pol\u00edticas mundiais, sendo imperativo, nas palavras<\/span><\/a> do Secret\u00e1rio-Geral das Na\u00e7\u00f5es Unidas, Ant\u00f3nio Guterres, \u201cn\u00e3o abandonar os Afeg\u00e3os\u201d e \u201cfalar a uma s\u00f3 voz para assegurar o cumprimento dos direitos humanos\u201d.<\/p>\n\n\n\n

O presente artigo analisa, de forma simplificada<\/em>, as rela\u00e7\u00f5es bilaterais do Afeganist\u00e3o com Portugal, um dos pa\u00edses \u201cenvolvidos no conflito\u201d ao abrigo da NATO, em tr\u00eas dimens\u00f5es: diplomacia; seguran\u00e7a e direitos humanos.<\/p>\n\n\n\n

1. DIPLOMACIA<\/span><\/strong><\/p>\n\n\n\n

O estabelecimento de rela\u00e7\u00f5es diplom\u00e1ticas entre Portugal e o Afeganist\u00e3o assinala-se a 14 de abril de 1976, durante a consolida\u00e7\u00e3o democr\u00e1tica no pa\u00eds, e aquando do mandato do Presidente afeg\u00e3o Mohammed Daud (1973-1978). A 6 de abril de 1978, poucas semanas antes do eclodir da Revolu\u00e7\u00e3o de Saur (27-28 abril), que dep\u00f5e Daud, Cabul recebe as credenciais<\/span><\/a> do primeiro Embaixador Portugu\u00eas n\u00e3o residente, Lu\u00eds Gaspar da Silva. Em dezembro de 1979, ap\u00f3s um conjunto de controv\u00e9rsias e assassinatos, Moscovo invade o pa\u00eds no intuito de evitar a queda do regime comunista. A vit\u00f3ria dos mujaheddin<\/em> em 1989, com o aux\u00edlio do Paquist\u00e3o, Estados Unidos e Reino Unido, n\u00e3o determinou a paz no pa\u00eds. Em 1998, os Talib\u00e3 alcan\u00e7am o poder e imp\u00f5em na sociedade uma vers\u00e3o ultraconservadora da sharia<\/em>, servindo de safe heaven<\/em> para a al-Qaeda, o grupo terrorista respons\u00e1vel pelo ataque \u00e0s Torres G\u00e9meas em 2001. As estat\u00edsticas<\/span><\/a> do Global Peace Index<\/em> (2008-2021) confirmam que o Afeganist\u00e3o \u00e9 um dos pa\u00edses menos pac\u00edficos do mundo, estando atualmente em \u201crisco de se tornar um Estado falhado\u201d, segundo a UE<\/span><\/a>. Ali\u00e1s, de acordo com o Global Terrorism Index<\/em> (2020<\/span><\/a>), ao longo de quase uma d\u00e9cada ap\u00f3s o 11\/9, \u201ca maioria das atividades terroristas a n\u00edvel global esteve concentrada no Iraque e no Afeganist\u00e3o.\u201d Note-se que, em 2021<\/span><\/a>, \u201cpelo menos 27 crian\u00e7as perderam a vida no Afeganist\u00e3o em tr\u00eas dias de violentos combates entre os Talib\u00e3 e as for\u00e7as do governo\u201d.<\/p>\n\n\n\n

As rela\u00e7\u00f5es bilaterais s\u00e3o acompanhadas pela Embaixada de Portugal em Islamabad<\/span><\/a>, no Paquist\u00e3o. A posi\u00e7\u00e3o portuguesa sobre a \u00c1sia e o Afeganist\u00e3o est\u00e1 em linha com a narrativa europeia. Tal como a UE<\/span><\/a>, para a qual a regi\u00e3o tem \u201cgrande import\u00e2ncia geoestrat\u00e9gica\u201d a n\u00edvel pol\u00edtico, econ\u00f3mico e demogr\u00e1fico, Portugal<\/span><\/a> tamb\u00e9m reconhece a crescente import\u00e2ncia do eixo asi\u00e1tico no mundo definindo-o como o \u201ccontinente do s\u00e9culo XXI\u201d. Regi\u00e3o de crescimento acelerado, por especial influ\u00eancia de pot\u00eancias emergentes como a China e a \u00cdndia, a diplomacia Portuguesa encara a \u00c1sia como um mercado relevante para investimento comercial e cultural, em virtude das suas liga\u00e7\u00f5es hist\u00f3ricas. Sendo membro da ASEM (Asia-Europe Meeting<\/em>), Portugal procura apostar tamb\u00e9m na promo\u00e7\u00e3o do desenvolvimento sustent\u00e1vel, na democracia, direitos humanos e na seguran\u00e7a. Nesta \u00faltima dimens\u00e3o, Portugal<\/span><\/a> reconhece que a pacifica\u00e7\u00e3o do Afeganist\u00e3o \u00e9 uma das mat\u00e9rias mais prementes que condiciona a estabilidade da ordem internacional.<\/p>\n\n\n\n

2. SEGURAN\u00c7A<\/span><\/strong><\/p>\n\n\n\n

A rela\u00e7\u00e3o bilateral no plano securit\u00e1rio insere-se no quadro das miss\u00f5es internacionais da NATO. Afirmando a import\u00e2ncia da seguran\u00e7a coletiva, Portugal entende que a Alian\u00e7a Atl\u00e2ntica \u00e9 uma refer\u00eancia para a estabilidade internacional e europeia. Deste modo, e em cumprimento da sua pol\u00edtica externa, Portugal contribuiu para a paz e seguran\u00e7a do Afeganist\u00e3o atrav\u00e9s da participa\u00e7\u00e3o na International Security Assistance Force<\/em> (ISAF), uma for\u00e7a multilateral estabelecida pelo Conselho de Seguran\u00e7a das Na\u00e7\u00f5es Unidas, em 2001, liderada pela NATO a partir de 2003<\/span><\/a>. Em cerca de 20 anos, Portugal destacou um total de 4500 militares<\/span><\/a>.<\/p>\n\n\n\n

A participa\u00e7\u00e3o portuguesa neste teatro de opera\u00e7\u00f5es comportou um conjunto de riscos, n\u00e3o s\u00f3 a n\u00edvel operacional (de que resultaram duas baixas<\/span><\/a>), mas tamb\u00e9m para a seguran\u00e7a interna, por constituir um risco acrescido em termos de vulnerabilidade a um ataque terrorista em territ\u00f3rio nacional (TN). Por exemplo, em 2010<\/span><\/a>, os Servi\u00e7os de Informa\u00e7\u00f5es (SIRP) alertaram: \u201ca presen\u00e7a de contingentes militares portugueses em zonas de conflito, como o Afeganist\u00e3o, pode constituir um fator de motiva\u00e7\u00e3o para casos de radicaliza\u00e7\u00e3o violenta de indiv\u00edduos ou para a sele\u00e7\u00e3o de Portugal como um alvo de oportunidade para a realiza\u00e7\u00e3o de atentados\u201d. Al\u00e9m disso, a literatura<\/span><\/a> sobre a rela\u00e7\u00e3o entre o terrorismo e a democracia sugere uma associa\u00e7\u00e3o positiva entre ambos, se o estado estiver envolvido em conflitos externos.<\/p>\n\n\n\n

Ap\u00f3s a sa\u00edda dos militares do Afeganist\u00e3o, o risco de ataque terrorista em Portugal – por parte de grupos como o Daesh<\/em> – n\u00e3o \u00e9 necessariamente menor. Primeiro, porque Portugal esteve com as botas no terreno afeg\u00e3o. Segundo, porque nenhum estado \u00e9 imune ao terrorismo. Terceiro, porque o pa\u00eds tem rela\u00e7\u00f5es pr\u00f3ximas ou interesses estrat\u00e9gicos em \u00e1reas regionais visadas pelo grupo e afiliados. O RASI de 2019<\/span><\/a> salienta: \u201cn\u00e3o deve ser afastada a possibilidade de os agentes do terrorismo pretenderem visar alvos ou interesses estrangeiros radicados em TN\u201d. Ainda assim, apesar do risco, cumpre sublinhar que Portugal n\u00e3o \u00e9 um alvo priorit\u00e1rio dos grupos de matriz jihadista. Em entrevista<\/span><\/a> ao Di\u00e1rio de Not\u00edcias (2021), o Coordenador de Investiga\u00e7\u00e3o Criminal da Unidade Nacional de Contraterrorismo (UNCT), Jo\u00e3o Paulo Ventura, quando questionado sobre o impacto do conflito do Afeganist\u00e3o na seguran\u00e7a europeia, destaca: \u201cOs talib\u00e3s – talvez mais empenhados em assegurar o fechamento do territ\u00f3rio afeg\u00e3o para melhor preservarem o poder – seguramente n\u00e3o colocam o nosso pa\u00eds no topo dos putativos alvos priorit\u00e1rios\u201d.<\/p>\n\n\n\n

3. DIREITOS HUMANOS<\/span><\/strong><\/p>\n\n\n\n

As rela\u00e7\u00f5es bilaterais no plano humanit\u00e1rio incidem sobre o acolhimento de refugiados e migrantes afeg\u00e3os. Uma leitura pormenorizada dos relat\u00f3rios sobre a Imigra\u00e7\u00e3o, Fronteiras e Asilo (RIFA<\/span><\/a>), do SEF, permite verificar que a nacionalidade afeg\u00e3 n\u00e3o<\/em> \u00e9 expressiva no \u00e2mbito dos pedidos de asilo. Entre 2000 e 2020, contabiliza-se um total de 106 pedidos: 2001 (19); 2007 (7); 2016 (18); 2017 (32) e 2020 (30). Desconhece-se quantos pedidos foram aprovados ou recusados, mas o n\u00famero de residentes afeg\u00e3os em Portugal tem evolu\u00eddo de forma significativa, especialmente a partir de 2011, ano do in\u00edcio da guerra na S\u00edria (ver gr\u00e1fico abaixo).<\/p>\n\n\n\n

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Fonte: Elabora\u00e7\u00e3o pr\u00f3pria a partir das estat\u00edsticas dos relat\u00f3rios RIFA, SEF (2000-2020)<\/figcaption><\/figure><\/div>\n\n\n\n

Desde a tomada de Cabul pelos Talib\u00e3, a 27 de agosto de 2021, Portugal j\u00e1 acolheu 178 afeg\u00e3os<\/span><\/a> (\u00e0 data de 19 de setembro de 2021), tendo mostrado disponibilidade para acolher \u201cv\u00e1rias centenas<\/span><\/a>\u201d, com prioridade para as mulheres e crian\u00e7as. Tal como salienta o Ministro dos Neg\u00f3cios Estrangeiros, Augusto Santos Silva<\/span><\/a>, \u201cAs pessoas est\u00e3o primeiro, em todas as circunst\u00e2ncias, e em especial na guerra. E Portugal tem como uma das suas marcas a prioridade que concede ao respeito pelos direitos humanos e ao direito internacional humanit\u00e1rio.\u201d<\/p>\n\n\n\n

\u201c(\u2026) In the matter of migration and in all other matters, you can rely on Portugal’s full commitment to this foremost seat of multilateralism<\/strong> (\u2026). My country’s commitment to the United Nations, the Charter and its guiding principles and values is unyielding and will always be wholehearted and enduring.\u201d<\/p>\n\n\n\n

Presidente da Rep\u00fablica Portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa<\/strong><\/p>\n\n\n\n

High Level Meeting on Large Movements of Refugees and Migrants<\/em>, ONU<\/span><\/a><\/p>\n\n\n\n

Na 76\u00aa sess\u00e3o da Assembleia-Geral das Na\u00e7\u00f5es Unidas (2021), em Nova Iorque, Portugal reafirmou o compromisso com o multilateralismo e os direitos humanos. Em entrevista \u00e0 Lusa<\/span><\/a> (2021), o Presidente da Rep\u00fablica Portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, reiterou: \u201cPode o mundo ter algumas flutua\u00e7\u00f5es conjunturais, n\u00f3s n\u00e3o mudamos nos princ\u00edpios, n\u00e3o mudamos nas ideias chave, continuamos a pensar aquilo que se sabe: a import\u00e2ncia do multilateralismo, a import\u00e2ncia das organiza\u00e7\u00f5es internacionais, a import\u00e2ncia das Na\u00e7\u00f5es Unidas, o papel de Portugal nesse mundo, o papel privilegiado na constru\u00e7\u00e3o de pontes”.<\/p>\n\n\n\n


\n\n\n\n

Joana Ara\u00fajo Lopes<\/span><\/strong> \u00e9 Doutoranda em \u201cHist\u00f3ria, Estudos de Seguran\u00e7a e Defesa\u201d no Iscte. \u00c9 bolseira da FCT e trabalha numa tese sobre o contraterrorismo em Portugal e Espanha, no contexto da Uni\u00e3o Europeia (2004-2020). \u00c9 Mestre em Ci\u00eancia Pol\u00edtica e Rela\u00e7\u00f5es Internacionais pela Universidade NOVA de Lisboa (2017). Trabalhou como estagi\u00e1ria na Embaixada Americana em Lisboa (Assuntos Consulares), no Minist\u00e9rio dos Neg\u00f3cios Estrangeiros (MNE) (Dire\u00e7\u00e3o-Geral de Pol\u00edtica Externa) e no Instituto da Defesa Nacional (IDN). Os seus principais interesses de investiga\u00e7\u00e3o incidem sobre a seguran\u00e7a internacional, o terrorismo, o contraterrorismo, a radicaliza\u00e7\u00e3o, o extremismo violento e a diplomacia.<\/p>\n\n\n\n

https:\/\/ciencia.iscte-iul.pt\/authors\/joana-araujo-lopes\/cv<\/span><\/a><\/p>\n\n\n\n


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\"\"<\/a><\/td>Baixar documento<\/span><\/a><\/td><\/tr><\/tbody><\/table><\/figure>\n\n\n\n

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Vinte anos depois de uma guerra que derrubou os Talib\u00e3 do poder, em consequ\u00eancia da opera\u00e7\u00e3o norte-americana Enduring Freedom desencadeada em reposta aos ataques terroristas do 11 de setembro de 2001 (11\/9), o Afeganist\u00e3o volta a cair nas m\u00e3os do grupo islamista insurgente com a tomada da capital, Cabul, a 17 de agosto de 2021.… Ler mais »As rela\u00e7\u00f5es bilaterais entre Portugal e o Afeganist\u00e3o: diplomacia, seguran\u00e7a e direitos humanos<\/span><\/a><\/p>\n","protected":false},"author":1,"featured_media":6856,"comment_status":"closed","ping_status":"open","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"neve_meta_sidebar":"","neve_meta_container":"","neve_meta_enable_content_width":"","neve_meta_content_width":0,"neve_meta_title_alignment":"","neve_meta_author_avatar":"","neve_post_elements_order":"","neve_meta_disable_header":"","neve_meta_disable_footer":"","neve_meta_disable_title":""},"categories":[3],"tags":[],"_links":{"self":[{"href":"https:\/\/eurodefense.pt\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/6854"}],"collection":[{"href":"https:\/\/eurodefense.pt\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/eurodefense.pt\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/eurodefense.pt\/wp-json\/wp\/v2\/users\/1"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/eurodefense.pt\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=6854"}],"version-history":[{"count":3,"href":"https:\/\/eurodefense.pt\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/6854\/revisions"}],"predecessor-version":[{"id":6860,"href":"https:\/\/eurodefense.pt\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/6854\/revisions\/6860"}],"wp:featuredmedia":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/eurodefense.pt\/wp-json\/wp\/v2\/media\/6856"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/eurodefense.pt\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=6854"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/eurodefense.pt\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=6854"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/eurodefense.pt\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=6854"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}