{"id":6903,"date":"2021-09-30T21:19:59","date_gmt":"2021-09-30T21:19:59","guid":{"rendered":"https:\/\/eurodefense.pt\/?p=6903"},"modified":"2023-02-20T18:08:47","modified_gmt":"2023-02-20T18:08:47","slug":"a-guerra-do-alecrim-e-da-manjerona-a-lamentavel-crise-dos-submarinos-da-australia","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/eurodefense.pt\/a-guerra-do-alecrim-e-da-manjerona-a-lamentavel-crise-dos-submarinos-da-australia\/","title":{"rendered":"A \u201cguerra do alecrim e da manjerona\u201d: a lament\u00e1vel \u201ccrise dos submarinos\u201d da Austr\u00e1lia"},"content":{"rendered":"\n

Uma clarifica\u00e7\u00e3o acerca dos meandros do mercado de defesa<\/span><\/strong><\/p>\n\n\n\n

Quem trabalhou mais de trinta anos nos meandros de opacidade e pouca transpar\u00eancia da chamada \u201ccoopera\u00e7\u00e3o de equipamentos e tenologias militares\u201d, tanto no \u00e2mbito da NATO como da Uni\u00e3o Europeia (UE), conhece perfeitamente como a vontade pol\u00edtica dos Estados e as suas pol\u00edticas externas se subordinam e adaptam aos interesses econ\u00f3micos, tecnol\u00f3gicos e industriais em jogo, para que as suas bases tecnol\u00f3gicas e industriais de defesa tirem o maior proveito poss\u00edvel resultante dessa \u201ccoopera\u00e7\u00e3o\u201d. A \u201cconfidencialidade\u201d \u00e9 a alma do neg\u00f3cio! Numa democracia ocidental liberal, esta pol\u00edtica est\u00e1 mais orientada para assegurar empregos qualificados e desenvolvimento econ\u00f3mico de cada pa\u00eds, que s\u00e3o o garante de votos eleitorais em que o conceito b\u00e1sico de democracia assenta. \u00c9 por isso que a t\u00e3o almejada coopera\u00e7\u00e3o de defesa para o desenvolvimento conjunto das capacidades militares priorit\u00e1rias de curto, m\u00e9dio e longo prazos, em fun\u00e7\u00e3o da din\u00e2mica dos desafios e amea\u00e7as comuns identificados, s\u00f3 muito ocasionalmente ou por mero acaso acontece.<\/p>\n\n\n\n

Durante o longo processo de desenvolvimento, produ\u00e7\u00e3o, qualifica\u00e7\u00e3o, certifica\u00e7\u00e3o e aceita\u00e7\u00e3o de um grande e complexo sistema de armas, como \u00e9 um submarino da \u00faltima gera\u00e7\u00e3o, \u00e9 natural que sejam introduzidas altera\u00e7\u00f5es nos requisitos operacionais e t\u00e9cnicos iniciais, em virtude de altera\u00e7\u00f5es geopol\u00edticas e tecnol\u00f3gicas, que provocar\u00e3o o \u201cdeslizamento\u201d dos cronogramas temporais e da data de entrega do produto final, com os consequentes aumentos de custos.<\/p>\n\n\n\n

\"\"<\/figure><\/div>\n\n\n\n

Submarino da classe-Collins da Marinha de Guerra da Austr\u00e1lia – 2006<\/span><\/p>\n\n\n\n

A f\u00f3rmula de c\u00e1lculo do custo final do de um grande sistema de armas, \u00e9 uma equa\u00e7\u00e3o complexa com imensas vari\u00e1veis que s\u00f3 estar\u00e1 finalizada com a entrega e aceita\u00e7\u00e3o final do produto.   A juntar a esta complexidade natural, deve-se incluir o princ\u00edpio da confidencialidade constante do respetivo contrato de aquisi\u00e7\u00e3o, que perdurar\u00e1 durante v\u00e1rios anos ao longo do seu ciclo de vida. Portanto, falar em custos do neg\u00f3cio dos submarinos, ainda na sua fase muito inicial, \u00e9 sempre prematuro, arriscado, subjetivo e sujeito a v\u00e1rias interpreta\u00e7\u00f5es. Normalmente, por sistema, devemos esperar sempre uma \u201cderrapagem\u201d crescente dos montantes inicialmente acordados.<\/p>\n\n\n\n

Os problemas e obst\u00e1culos a uma real e efetiva coopera\u00e7\u00e3o de defesa no desenvolvimento de capacidades militares essenciais, s\u00e3o hoje muito id\u00eanticos aos dos anos 80s do s\u00e9culo passado, \u00e0s vezes disfar\u00e7ados com roupagens diferentes. Muito pouco ou nada se avan\u00e7ou, apesar das muitas promessas declarat\u00f3rias e tentativas efetuadas. Isto porque, de uma forma geral, os pa\u00edses d\u00e3o mais prioridade aos seus interesses individuais do que aos interesses coletivos.<\/p>\n\n\n\n

A perpetua\u00e7\u00e3o desta situa\u00e7\u00e3o ao longo do tempo, tem conduzido \u00e0 falta de uma verdadeira \u201ccultura de coopera\u00e7\u00e3o de defesa europeia\u201d, onde se n\u00e3o aproveitam as sinergias e as economias de escala proporcionadas pela coopera\u00e7\u00e3o, mas antes provocando grandes distor\u00e7\u00f5es no mercado europeu de defesa, devido aos protecionismos nacionais que originam fragmenta\u00e7\u00e3o, duplica\u00e7\u00f5es, inefici\u00eancias e falta de interoperabilidade. Uma maior e melhor coopera\u00e7\u00e3o intereuropeia em rela\u00e7\u00e3o ao investimento em defesa poderia proporcionar uma poupan\u00e7a da ordem de \u20ac30-50 mil milh\u00f5es\/ano[1]<\/span><\/strong><\/a>, que poderiam ser direcionados para o desenvolvimento das capacidades militares comuns cr\u00edticas necess\u00e1rias.<\/p>\n\n\n\n

Admite-se que os novos instrumentos financeiros e mecanismos incentivadores e promotores das virtudes da coopera\u00e7\u00e3o de defesa europeia, criados na UE a partir de 2016\/2017, tais como o Plano de Desenvolvimento de Capacidades (CDP), a Revis\u00e3o Anual Coordenada de Defesa (CARD), a A\u00e7\u00e3o Preparat\u00f3ria sobre Investiga\u00e7\u00e3o e Tecnologia de Defesa (PADR), o Programa Europeu de Desenvolvimento Industrial no Dom\u00ednio da Defesa (EDIDP), o Fundo Europeu de Defesa (EDF) e a Coopera\u00e7\u00e3o Estruturada Permanente (PESCO), possam abrir o caminho para uma nova \u201ccultura de coopera\u00e7\u00e3o de defesa europeia\u201d, introduzir  transpar\u00eancia no processo, reduzir burocracias e facilitar a coopera\u00e7\u00e3o transfronteiri\u00e7a das PMEs, que constituem o n\u00facleo central da Base Tecnol\u00f3gica e Industrial de Defesa Europeia (BTIDE). Mas \u00e9 um processo lento e sujeito aos imponder\u00e1veis geopol\u00edticos e geoecon\u00f3micos do mundo p\u00f3s-moderno. O grande problema que hoje se coloca, \u00e9 que a constante evolu\u00e7\u00e3o geopol\u00edtica, as vertiginosas inova\u00e7\u00f5es tecnol\u00f3gicas e a altera\u00e7\u00e3o do car\u00e1ter da guerra requerem a\u00e7\u00f5es r\u00e1pidas, coerentes e eficazes, tanto no campo da doutrina como na \u00e1rea do desenvolvimento de capacidades militares.<\/p>\n\n\n\n

Para dar uma ideia p\u00e1lida da import\u00e2ncia econ\u00f3mica e dos interesses mais d\u00edspares que giram \u00e0 volta das despesas militares a n\u00edvel mundial e dos investimentos em desenvolvimento tecnol\u00f3gico-industrial das novas gera\u00e7\u00f5es de equipamentos e tecnologias de defesa, comecemos por afirmar que cada 1\u20ac investido em defesa gera um retorno econ\u00f3mico de 1,6-2,0\u20ac, particularmente em emprego altamente qualificado, inova\u00e7\u00e3o tecnol\u00f3gica e exporta\u00e7\u00f5es[2]<\/span><\/strong><\/a>.<\/p>\n\n\n\n

Em 2020, a despesa militar a n\u00edvel mundial foi de \u20ac1684 mil milh\u00f5es, correspondendo a 2,4% do PIB mundial.  Os cinco pa\u00edses mais investidores em defesa em 2020 (Top 5) foram os EUA, a China, a \u00cdndia, a R\u00fassia e o Reino Unido, representando 62% da despesa militar mundial, seguidos muito de perto pela Ar\u00e1bia Saudita e Fran\u00e7a. A UE, no seu conjunto, est\u00e1 ao n\u00edvel da China representando 14,5% da despesa militar mundial[3]<\/span><\/strong><\/a>.<\/p>\n\n\n\n

No que diz respeito ao mercado de defesa europeu, em 2020 verificou-se um retorno econ\u00f3mico de \u20ac100 mil milh\u00f5es, gerando 1,5 milh\u00f5es de empregos diretos e indiretos altamente qualificados, distribu\u00eddos por 44.000 empresas de defesa, num universo de 25 milh\u00f5es de empresas a n\u00edvel europeu (civis, defesa, duais), das quais 98% s\u00e3o start-ups, micro e PMEs. Destes \u20ac100 mil milh\u00f5es de retorno econ\u00f3mico europeu, \u00e9 importante relevar que 50% dizem respeito ao setor aeroespacial, sendo os restantes 50% repartidos igualmente pelos setores de defesa terrestre e naval. Por outro lado, \u00e9 importante ter presente que os custos das tecnologias emergentes e disrupt\u00edveis, que constituem a base da inova\u00e7\u00e3o, crescem a um ritmo de 6-8%\/ano, o que significa que, em m\u00e9dia, duplicam a cada 10-12 anos.<\/p>\n\n\n\n

Um melhor entendimento sobre a prioridade estrat\u00e9gica dos EUA em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 regi\u00e3o Indo-Pac\u00edfico<\/span><\/strong><\/strong><\/p>\n\n\n\n

Desde h\u00e1 v\u00e1rios anos que os pol\u00edticos europeus est\u00e3o avisados e conscientes de que as prioridades estrat\u00e9gicas dos EUA t\u00eam vindo a focalizar-se na regi\u00e3o \u00c1sia-Pac\u00edfico e mais concretamente na regi\u00e3o Indo-Pac\u00edfico. Estes avisos de alerta de v\u00e1ria ordem e natureza remontam aos tempos do Presidente Barack Obama, agravados com as narrativas tergiversantes do Presidente Trump.<\/p>\n\n\n\n

H\u00e1 quase dez anos o Presidente Barack Obama visitou o Parlamento da Austr\u00e1lia, tendo anunciado um novo eixo estrat\u00e9gico para a \u00c1sia ao afirmar \u201cos EUA s\u00e3o uma pot\u00eancia do Pac\u00edfico e n\u00f3s estamos aqui para ficar[4]<\/span><\/strong><\/a>\u201d.<\/p>\n\n\n\n

A nova Administra\u00e7\u00e3o de Joe Biden percebeu que a tradicional hegemonia norte-americana \u00e9 hoje disputada pelas pot\u00eancias autorit\u00e1rias, num mundo que passou a ser multipolar. Assim, a pol\u00edtica externa americana ser\u00e1 mais assertiva e robusta segundo os princ\u00edpios e valores da ordem liberal americana e, portanto, mais aberta ao multilateralismo assente na negocia\u00e7\u00e3o pac\u00edfica das disputas e no di\u00e1logo diplom\u00e1tico, utilizando o recurso \u00e0 for\u00e7a militar apenas como \u201cultima ratio\u201d<\/em>. As rela\u00e7\u00f5es euro-atl\u00e2nticas ser\u00e3o refor\u00e7adas na base dos interesses m\u00fatuos, tendo a NATO sido reconfirmada como o cimento agregador fundamental da seguran\u00e7a coletiva da \u00e1rea euro-atl\u00e2ntica, sem perder de vista, contudo, que a rivalidade EUA-China continuar\u00e1 a ser a primeira prioridade dos EUA.<\/p>\n\n\n\n

Os primeiros sinais de alerta desta mudan\u00e7a de orienta\u00e7\u00e3o estrat\u00e9gica dos EUA, talvez tenham ocorrido com a interven\u00e7\u00e3o militar na L\u00edbia em 2011, onde os EUA ensaiaram um novo conceito de \u201cleading from behind\u201d<\/em>, e, posteriormente, com a sua relut\u00e2ncia em liderar uma interven\u00e7\u00e3o militar no conflito da S\u00edria. Por outro lado, em v\u00e1rias reuni\u00f5es da NATO, o Secret\u00e1rio da Defesa da Administra\u00e7\u00e3o Obama, Robert Gates, referiu veementemente que a Europa teria de estar preparada para compreender a desloca\u00e7\u00e3o em curso dos interesses estrat\u00e9gicos dos EUA para a regi\u00e3o \u00c1sia-Pac\u00edfico e passar a contribuir mais para a sua defesa, reduzindo a sua depend\u00eancia dos EUA e aliviando simultaneamente o \u201cfardo\u201d dos EUA. Com a Administra\u00e7\u00e3o Trump, os avisos de alerta tornaram-se em amea\u00e7as.<\/p>\n\n\n\n

Estes avisos de alerta tiveram finalmente repercuss\u00e3o no c\u00e9lebre Conselho Europeu de dezembro de 2013, especialmente dedicado \u00e0 defesa, sob o lema \u201cDefence Matters\u201d.<\/em> Deste Conselho Europeu emanou a ideia-for\u00e7a de que a Europa teria de caminhar no sentido da sua autossufici\u00eancia militar, tecnol\u00f3gica e industrial, tendo por base um complexo tecnol\u00f3gico industrial moderno, competitivo e inovador, num contexto harmonioso de coopera\u00e7\u00e3o, complementaridade e refor\u00e7o m\u00fatuo com a NATO, que continuaria a ser o alicerce fundamental da defesa coletiva da Europa.<\/p>\n\n\n\n

\u00c9 dentro deste esp\u00edrito de uma maior ambi\u00e7\u00e3o estrat\u00e9gico-militar da UE que, em junho de 2016, foi aprovada a Estrat\u00e9gia Global da UE, com um novo e mais ambicioso n\u00edvel de ambi\u00e7\u00e3o de \u201cautonomia estrat\u00e9gica\u201d. Com a implementa\u00e7\u00e3o da Estrat\u00e9gia Global da UE nos dom\u00ednios da seguran\u00e7a e defesa, em novembro de 2016, o Presidente da Comiss\u00e3o Europeia, Jean-Claude Juncker, lan\u00e7ou as primeiras sementes para um novo instrumento financeiro de apoio \u00e0 investiga\u00e7\u00e3o tecnol\u00f3gica de defesa e ao desenvolvimento tecnol\u00f3gico-industrial de defesa, fomentador de uma verdadeira e mais transparente e eficaz coopera\u00e7\u00e3o de defesa europeia, que hoje se convenciona chamar o Fundo Europeu de Defesa. Trata-se de uma \u201crevolu\u00e7\u00e3o\u201d em marcha.<\/p>\n\n\n\n

Na sequ\u00eancia dos acontecimentos tr\u00e1gicos que ocorreram com o \u201ccolapso\u201d do Afeganist\u00e3o, cuja reverbera\u00e7\u00e3o das ondas de choque ainda hoje se fazem sentir, a Presidente da Comiss\u00e3o Europeia, Ursula von der Leyen, anunciou perante o Parlamento Europeu que no primeiro semestre de 2022, durante a presid\u00eancia rotativa da Fran\u00e7a, iria ser convocado um Conselho Europeu totalmente dedicado \u00e0 Seguran\u00e7a e Defesa, tendo em vista dar um novo impulso no sentido da concretiza\u00e7\u00e3o da \u201cautonomia estrat\u00e9gica da UE\u201d[5]<\/span><\/strong><\/a>, com base nas conclus\u00f5es e recomenda\u00e7\u00f5es do exerc\u00edcio em curso intitulado \u201cB\u00fassola Estrat\u00e9gica\u201d.<\/p>\n\n\n\n

A focaliza\u00e7\u00e3o estrat\u00e9gica dos EUA na \u00c1sia-Pac\u00edfico, particularmente na regi\u00e3o Indo-Pac\u00edfico, fica a dever-se a tr\u00eas fen\u00f3menos fundamentais que se desenvolvem simultaneamente:<\/p>\n\n\n\n