{"id":7708,"date":"2022-03-03T13:57:58","date_gmt":"2022-03-03T13:57:58","guid":{"rendered":"https:\/\/eurodefense.pt\/?p=7708"},"modified":"2023-02-20T18:03:33","modified_gmt":"2023-02-20T18:03:33","slug":"a-invasao-da-ucrania-guerra-injusta-paz-indispensavel","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/eurodefense.pt\/a-invasao-da-ucrania-guerra-injusta-paz-indispensavel\/","title":{"rendered":"A Invas\u00e3o da Ucr\u00e2nia: Guerra Injusta, Paz Indispens\u00e1vel"},"content":{"rendered":"\n
A invas\u00e3o armada de um Pa\u00eds Soberano<\/strong><\/p>\n\n\n\n A designa\u00e7\u00e3o de \u201copera\u00e7\u00e3o militar especial\u201d com que Putin cunhou a agress\u00e3o \u00e0 Ucr\u00e2nia, \u00e9 um triste disfarce para a invas\u00e3o armada de um pa\u00eds soberano que ele pr\u00f3prio considerou estar na origem da funda\u00e7\u00e3o da R\u00fassia. \u00c9 uma guerra premeditada, n\u00e3o provocada, nem justificada por raz\u00f5es atuais. \u00c9, portanto, uma grosseira viola\u00e7\u00e3o do direito internacional que a R\u00fassia diz partilhar como membro das Na\u00e7\u00f5es Unidas. O que est\u00e1 em causa por\u00e9m, ultrapassa esta guerra e visa garantir o \u201cdom\u00ednio imperial da R\u00fassia sobre o leste da Europa\u201d como bem notou Max Fisher do New York Times em 24 de fevereiro. Putin quer alterar a presente ordem de seguran\u00e7a europeia. E come\u00e7ou pela Ucr\u00e2nia.<\/p>\n\n\n\n Estamos num momento cr\u00edtico do futuro internacional que, desde a Paz de Vestef\u00e1lia de 1648, assenta no respeito pela igualdade soberana dos Estados agora publicamente violada, e numa altura em que face aos desaires em combate, ap\u00f3s 6 dias de impiedosa viol\u00eancia, o presidente russo ordenou a prontid\u00e3o operacional dos seus sistemas nucleares.<\/p>\n\n\n\n A guerra h\u00edbrida com que iniciou a a\u00e7\u00e3o contra a Ucr\u00e2nia, incluiu a movimenta\u00e7\u00e3o e concentra\u00e7\u00e3o em torno do pa\u00eds da pan\u00f3plia de todas as capacidades militares terrestres, a\u00e9reas, navais e nucleares russas, conjugada com ataques c\u00edber m\u00faltiplos e uma campanha de desinforma\u00e7\u00e3o e press\u00e3o comunicacional inauditas que, todavia, n\u00e3o levaram ao derrube e substitui\u00e7\u00e3o do Governo como esperado. Avan\u00e7ou ent\u00e3o para a primeira fase da guerra convencional, a que chamou de \u201cpeacekeeping\u201d nas regi\u00f5es aut\u00f3nomas que, entretanto, reconheceu como estados. Mas ainda n\u00e3o conseguiu concretizar a sua ocupa\u00e7\u00e3o. Alargou a seguir os ataques a toda a Ucr\u00e2nia para o seu \u201cdesarmamento e desnazifica\u00e7\u00e3o\u201d, mas Kiev n\u00e3o foi subjugado. <\/p>\n\n\n\n Estamos a assistir ao refor\u00e7o da invas\u00e3o por uma nova vaga de for\u00e7as terrestres e ao escalar dos ataques a\u00e9reos e navais que passaram a incluir a destrui\u00e7\u00e3o de barragens, dep\u00f3sitos de combust\u00edvel, infraestruturas civis e centros urbanos. As imagens de horror come\u00e7am a ser conhecidas, e \u00e9 necess\u00e1rio garantir que o cen\u00e1rio da destrui\u00e7\u00e3o de Grozni n\u00e3o se repita. O uso de sistemas de \u201clan\u00e7a foguetes m\u00faltiplos\u201d contra \u00e1reas urbanas (como em Kharkiv) prefigura um crime de guerra e \u00e9 urgente ter observadores das Na\u00e7\u00f5es Unidas e do Tribunal Criminal Internacional na Ucr\u00e2nia para uma an\u00e1lise independente. Como seria bom que o Secret\u00e1rio-Geral das Na\u00e7\u00f5es Unidas, nomeasse desde j\u00e1 um seu Representante Especial para promover o regresso \u00e0 paz na regi\u00e3o.<\/p>\n\n\n\n Apesar da heroica resposta dos Ucranianos, espera-se que dentro de dias alguns centros populacionais sejam submersos pelas for\u00e7as invasoras e outros, os mais importantes como Kiev, sejam cercados e atacados do exterior para levar \u00e0 exaust\u00e3o e rendi\u00e7\u00e3o. Desenha-se uma situa\u00e7\u00e3o semelhante \u00e0 da Chech\u00e9nia, ou da S\u00edria. Podemos ter mais uma \u201cAlepo\u201d no meio da Europa.<\/p>\n\n\n\n Para al\u00e9m da desgra\u00e7a inultrapass\u00e1vel para os inocentes que est\u00e3o a morrer sem culpa e sem raz\u00e3o e da vaga humana que pode atingir 10 milh\u00f5es de deslocados e refugiados, a invas\u00e3o da Ucr\u00e2nia ir\u00e1 ter consequ\u00eancias pol\u00edticas, econ\u00f3micas e sociais graves que atingir\u00e3o todos e sobretudo a R\u00fassia. Mas pode encaminhar o mundo para uma nova confronta\u00e7\u00e3o na Europa.<\/p>\n\n\n\n Como parar esta matan\u00e7a indiscriminada<\/strong><\/p>\n\n\n\n \u00c9 necess\u00e1rio parar esta desgra\u00e7a humana, pol\u00edtica e moral. Regressar ao di\u00e1logo diplom\u00e1tico sem perverter o \u201cacquis\u201d do mundo civilizado, mas respeitando os interesses leg\u00edtimos da seguran\u00e7a m\u00fatua e coletiva.<\/p>\n\n\n\n E a solu\u00e7\u00e3o j\u00e1 est\u00e1 inventada. \u00c9 a que permitiu garantir a estabilidade na Europa (e no mundo) no p\u00f3s-guerra. A pol\u00edtica do \u201cdual track\u201d, baseada na garantia da defesa e retalia\u00e7\u00e3o, conjugada com o di\u00e1logo e a negocia\u00e7\u00e3o. Foi esta pol\u00edtica que permitiu obter a seguran\u00e7a m\u00fatua no Continente, estabelecer o reconhecimento internacional dos estados europeus e o respeito da sua soberania e integridade territorial, para que ningu\u00e9m pudesse prevalecer em termos militares ou instabilizar o continente em termos pol\u00edticos, sociais ou econ\u00f3micos.<\/p>\n\n\n\n Na \u00e1rea das for\u00e7as convencionais o di\u00e1logo iniciou-se num contexto regional limitado ao centro da europa, com as negocia\u00e7\u00f5es para as \u201cRedu\u00e7\u00f5es M\u00fatuas e Equilibradas das For\u00e7as\u201d, mas passou a cobrir todo o continente com o \u201cTratado das For\u00e7as Armadas Convencionais\u201d assinado em 1990. Tratado que est\u00e1 hoje desoladamente abandonado por n\u00e3o se ter acordado ainda o seu ajustamento ao fim de guerra-fria.<\/p>\n\n\n\n Na \u00e1rea nuclear, as negocia\u00e7\u00f5es entre os EUA e a R\u00fassia que em 1969 levaram ao acordo sobre a limita\u00e7\u00e3o das armas nucleares (SALT 1) e, em 1972, ao \u201cTratado sobre os M\u00edsseis Antibal\u00edsticos\u201d (ABM). Este consubstanciava a seguran\u00e7a m\u00fatua absoluta na \u00e1rea nuclear, pela garantia de que a outra parte poderia sempre ripostar, se fosse atacada. O Tratado ABM foi abandonado pelos EUA na d\u00e9cada de 90, o que foi em geral considerado um erro grave, pelo incentivo que constituiu \u00e0 corrida a novos sistemas de armas. O \u00fanico acordo nuclear remanescente \u00e9 o \u201cNovo Tratado de Redu\u00e7\u00e3o das Armas Estrat\u00e9gicas\u201d (START) que as partes concordaram em prorrogar at\u00e9 2026, dando assim um espa\u00e7o de tempo para se negociar um tratado de substitui\u00e7\u00e3o atualizado. <\/p>\n\n\n\n Na \u00e1rea pol\u00edtica, a confian\u00e7a m\u00fatua penosamente alcan\u00e7ada na d\u00e9cada de 80 est\u00e1 em causa. O Ato Final de Hels\u00ednquia de 1975 que tornou o reconhecimento das fronteiras, o respeito pela soberania dos estados e a integridade territorial o sustent\u00e1culo da paz na Europa, foi desrespeitado. Como violada foi a Carta de Paris, de 1990 que est\u00e1 na origem da cria\u00e7\u00e3o da Organiza\u00e7\u00e3o para a Seguran\u00e7a e Coopera\u00e7\u00e3o na Europa e em que explicitamente se confirmavam os princ\u00edpios definidos no Ato final de Hels\u00ednquia. <\/p>\n\n\n\n H\u00e1, pois, muito trabalho a fazer para ancorar a paz mundial e europeia em novos acordos. Mas para chegar a um mundo de coopera\u00e7\u00e3o \u00e9 necess\u00e1rio fechar a porta \u00e0s a\u00e7\u00f5es de coer\u00e7\u00e3o como a que estamos a assistir com a invas\u00e3o da Ucr\u00e2nia. A hist\u00f3ria ensinou-nos que isso s\u00f3 \u00e9 poss\u00edvel pela dissuas\u00e3o e esta, est\u00e1 baseada na capacidade de retalia\u00e7\u00e3o.<\/p>\n\n\n\n O uso de medidas ileg\u00edtimas e coercivas deve ter um custo que exceda o benef\u00edcio. S\u00f3 nessas condi\u00e7\u00f5es os pa\u00edses e a Europa s\u00e3o respeitados e, portanto, s\u00f3 nessas circunst\u00e2ncias se podem prosseguir os interesses pr\u00f3prios leg\u00edtimos num quadro negocial e de respeito m\u00fatuo. Sem capacidade de dissuas\u00e3o efetiva estar\u00e1 sempre aberto o caminho para a press\u00e3o, intimida\u00e7\u00e3o ou coer\u00e7\u00e3o indevidas. A dissuas\u00e3o e a defesa s\u00e3o, portanto, as condi\u00e7\u00f5es pr\u00e9vias para alcan\u00e7ar a coopera\u00e7\u00e3o desejada.<\/p>\n\n\n\n Estamos num momento em que \u00e9 necess\u00e1rio mostrar firmeza, sem o que a for\u00e7a bruta prevalecer\u00e1. Mas em que a porta para a negocia\u00e7\u00e3o com vista \u00e0 conclus\u00e3o da Guerra deve estar genuinamente aberta.<\/p>\n\n\n\n E nem \u00e9 necess\u00e1rio \u201cinventar a roda\u201d neste caso. Os Acordos de Camp David de 1978 s\u00e3o um bom modelo para come\u00e7ar. Permitiram a retirada dos Israelitas do Sinai que ocupavam ilegitimamente, mediante garantias de seguran\u00e7a que o acordo estabeleceu e o regresso soberano do Egito a esse seu territ\u00f3rio, sem ser para atacar Israel. \u00c9 o \u00fanico Acordo que persiste no M\u00e9dio Oriente. N\u00e3o nos falem, pois, de riscos de seguran\u00e7a. Falem-nos de disposi\u00e7\u00e3o para alcan\u00e7ar a paz. <\/p>\n\n\n\n Quanto \u00e0s regi\u00f5es separatistas na Ucr\u00e2nia, Portugal \u00e9 um excelente modelo. As autonomias regionais s\u00e3o um caso paradigm\u00e1tico de sucesso. Foram concebidas para permitir a express\u00e3o espec\u00edfica local, condi\u00e7\u00e3o para que o todo nacional seja mais coerente. Se o cinismo n\u00e3o prevalecer, nada impede que as regi\u00f5es aut\u00f3nomas da Ucr\u00e2nia adotem uma solu\u00e7\u00e3o semelhante. Assim como \u00e9 pass\u00edvel de adotar para a Crimeia uma resolu\u00e7\u00e3o mutuamente aceit\u00e1vel no quadro de uma autonomia mais alargada e com um direito reconhecido de utiliza\u00e7\u00e3o da base russa que a\u00ed existe.<\/p>\n\n\n\n Claro que as solu\u00e7\u00f5es acad\u00e9micas t\u00eam que vencer o teste da realidade.<\/p>\n\n\n\n \u00c9 dif\u00edcil de entender como \u00e9 poss\u00edvel que um pa\u00eds que faz da defesa heroica de Leningrado um caso hist\u00f3rico de orgulho nacional tenha invadido a Ucr\u00e2nia e se apreste para fazer o mesmo a Kiev. Existem duas interpreta\u00e7\u00f5es, digamos opostas, para esta a\u00e7\u00e3o russa.<\/p>\n\n\n\n A cren\u00e7a na \u201cdecad\u00eancia inevit\u00e1vel\u201d do Ocidente e da sua incapacidade de reagir com unidade e vigor, aparentemente partilhada no c\u00edrculo pr\u00f3ximo do Kremlin que tem vindo progressivamente a fechar-se, cada vez mais, a vis\u00f5es diferentes. O que lhes faria pensar terem condi\u00e7\u00f5es para lan\u00e7ar de forma praticamente impune esta a\u00e7\u00e3o. Ou a necessidade de agir externamente perante a inevitabilidade de uma situa\u00e7\u00e3o de anemia econ\u00f3mica interna, para a qual o regime n\u00e3o tem capacidade de resposta para al\u00e9m de maior concentra\u00e7\u00e3o de poder e de mais condicionamento das oposi\u00e7\u00f5es.<\/p>\n\n\n\n A rejei\u00e7\u00e3o popular da invas\u00e3o, a rea\u00e7\u00e3o mundial generalizada e a resposta ocidental conjunta concretizada por medidas e a\u00e7\u00f5es concertadas no quadro da NATO e na Uni\u00e3o Europeia n\u00e3o deixa margens para d\u00favidas. A R\u00fassia est\u00e1 isolada internacionalmente e os custos econ\u00f3micos e sociais que vai sofrer ser\u00e3o pesados.<\/p>\n\n\n\n O que nos leva \u00e0 segunda quest\u00e3o, essa sim fundamental, dir\u00edamos vital para o nosso futuro comum. A R\u00fassia n\u00e3o vai desaparecer do nosso mapa. Faz parte de Europa. A criatividade e engenho dos seus povos, o encanto dos seus artistas e pensadores s\u00e3o uma parte essencial da nossa cultura comum. Nada deve impedir, nem mesmo o desp\u00f3tico regime atual, que o futuro seja de coopera\u00e7\u00e3o plena, aberta e harmoniosa.<\/p>\n\n\n\n A bem da civilidade e do interesse m\u00fatuo.<\/p>\n\n\n\n 01 de mar\u00e7o de 2022<\/p>\n\n\n\n
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