{"id":7820,"date":"2022-03-23T11:24:52","date_gmt":"2022-03-23T11:24:52","guid":{"rendered":"https:\/\/eurodefense.pt\/?p=7820"},"modified":"2023-02-20T18:03:28","modified_gmt":"2023-02-20T18:03:28","slug":"alteracoes-climaticas-potencial-economico-e-riscos-estrategicos-os-dominios-da-seguranca-no-artico","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/eurodefense.pt\/alteracoes-climaticas-potencial-economico-e-riscos-estrategicos-os-dominios-da-seguranca-no-artico\/","title":{"rendered":"Altera\u00e7\u00f5es clim\u00e1ticas, potencial econ\u00f3mico e riscos estrat\u00e9gicos: os dom\u00ednios da Seguran\u00e7a no \u00c1rtico"},"content":{"rendered":"\n

O \u00c1rtico sempre foi visto como uma regi\u00e3o inexplor\u00e1vel, apelidado por muitos da \u201cA \u00faltima fronteira\u201d, sendo que o seu potencial geoestrat\u00e9gico foi constantemente desvalorizado, por um lado pelas dificuldades de explora\u00e7\u00e3o econ\u00f3mica devido \u00e0 aus\u00eancia de tecnologia adequada \u00e0 realidade da regi\u00e3o, e por outro lado pelos complexos desafios que as condi\u00e7\u00f5es naturais da regi\u00e3o apresentavam para o estabelecimento humano permanente.<\/p>\n\n\n\n

O final do s\u00e9culo XIX assinalou uma mudan\u00e7a de paradigma face ao \u00c1rtico: deixaria de ser uma regi\u00e3o recheada de mist\u00e9rio para passar a ser uma regi\u00e3o cheia de potencial: os Estados Unidos e o Canad\u00e1 come\u00e7am a apresentar um maior interesse na regi\u00e3o, reconhecendo o seu potencial econ\u00f3mico. Ao mesmo tempo, a R\u00fassia sentiu financeiramente o potencial do \u00c1rtico no que diz respeito a recursos naturais, abrindo a porta \u00e0 explora\u00e7\u00e3o de carv\u00e3o, diamantes, n\u00edquel e bronze. Os olhares come\u00e7avam agora a direcionar-se para a explora\u00e7\u00e3o comercial de petr\u00f3leo e g\u00e1s natural, mas s\u00f3 em 1967 foi descoberto aquele que seria, \u00e0 altura, o maior campo petrol\u00edfero dos Estados Unidos: Prudhoe Bay, no Alaska. Nos anos 70 come\u00e7am tamb\u00e9m explora\u00e7\u00f5es na Sib\u00e9ria, e hoje em dia t\u00eam tamb\u00e9m sido desenvolvidas no Canad\u00e1 e na Noruega em grande escala.<\/p>\n\n\n\n

O potencial econ\u00f3mico e, consequentemente, geoestrat\u00e9gico do \u00c1rtico n\u00e3o \u00e9 uma quest\u00e3o linear nem pode ser analisada sem ter em conta uma s\u00e9rie de variantes. Primeiro, os dados: \u00e9 estimado que o \u00c1rtico detenha 13% dos dep\u00f3sitos n\u00e3o descobertos de petr\u00f3leo e 30% dos dep\u00f3sitos de g\u00e1s natural no globo (US Geographical Survey, 2008). Os hidrocarbonetos representam uma por\u00e7\u00e3o relevante do valor econ\u00f3mico do \u00c1rtico, mas n\u00e3o \u00e9 de descurar a presen\u00e7a de diamantes, ouros, n\u00edquel, rubis, ur\u00e2nio, zinco e bauxite (Domingues et al, 2018: 23).<\/p>\n\n\n\n

Nem s\u00f3 de recursos naturais se faz o \u00c1rtico: as altera\u00e7\u00f5es clim\u00e1ticas criaram condi\u00e7\u00f5es perfeitas para a abertura de rotas mar\u00edtimas que podem ser alternativas baratas a uma s\u00e9rie de rotas de transporte atuais com custos substancialmente mais altos, como aquelas que cruzam o canal do Suez ou do Panam\u00e1 (Miklola et al, 2013: 6). Apesar dos desafios \u00e0 navega\u00e7\u00e3o no \u00c1rtico persistirem, a possibilidade de existirem rotas de transporte (inicialmente regionais, mais tarde transcontinentais) no Oceano \u00c1rtico e nos seus variados mares vizinhos \u00e9 real, nomeadamente resultante das atividades de explora\u00e7\u00e3o energ\u00e9tica e mineira crescente na regi\u00e3o. Todo um conjunto de setores econ\u00f3micos beneficiaram desta realidade: a ind\u00fastria da Energia e da constru\u00e7\u00e3o naval, para nomear algumas. O degelo do \u00c1rtico \u00e9 uma trag\u00e9dia ambiental repleta de potencial econ\u00f3mico para as na\u00e7\u00f5es \u00e1rticas (Canad\u00e1, Noruega, Dinamarca, Finl\u00e2ndia, Su\u00e9cia, R\u00fassia, Estados Unidos, Isl\u00e2ndia).<\/p>\n\n\n\n

Grande potencial econ\u00f3mico vem acompanhado de grandes perspetivas de investimento. Estima-se que os investimentos na regi\u00e3o possam ir desde os 100 aos 225 mil milh\u00f5es de euros (Lloyd\u2019s, 2012) nos pr\u00f3ximos anos, relacionados maioritariamente com a explora\u00e7\u00e3o de recursos n\u00e3o-renov\u00e1veis e pelo subsequente desenvolvimento de infraestrutura de suporte para tal.<\/p>\n\n\n\n

A prospe\u00e7\u00e3o do valor econ\u00f3mico do \u00c1rtico n\u00e3o \u00e9 linear. Existem uma s\u00e9rie de vari\u00e1veis que podem desviar o valor econ\u00f3mico energ\u00e9tico do C\u00edrculo \u00c1rtico, sendo que n\u00e3o \u00e9 de descurar a mudan\u00e7a dos paradigmas energ\u00e9ticos globais: a passagem do consumo energ\u00e9tico exclusivo de recursos n\u00e3o-renov\u00e1veis para energia renov\u00e1vel e \u201cverde\u201d de forma acelerada pode mudar as din\u00e2micas econ\u00f3micas do \u00c1rtico. A esta vari\u00e1vel juntam-se outras de muito maior imprevisibilidade: o ritmo das altera\u00e7\u00f5es clim\u00e1ticas e o seu efeito no degelo \u00e1rtico; a governa\u00e7\u00e3o multilateral do \u00c1rtico e os seus interesses conflituantes; o aumento do conhecimento regional do \u00c1rtico, suprindo falhas de conhecimento que ainda persistem atrav\u00e9s da ci\u00eancia e da tecnologia; o desenvolvimento de outras atividades de cariz econ\u00f3mico e estrat\u00e9gico na regi\u00e3o, como \u00e9 o caso do turismo e da explora\u00e7\u00e3o cient\u00edfica e ainda o potencial das energias renov\u00e1veis na regi\u00e3o (solar, hidr\u00e1ulica e e\u00f3lica), se a sua explora\u00e7\u00e3o tiver viabilidade financeira. N\u00e3o \u00e9, portanto, de estranhar que o maior relevo econ\u00f3mico e geopol\u00edtico do \u00c1rtico venha acompanhado de um refor\u00e7o do papel estrat\u00e9gico do Conselho do \u00c1rtico, o f\u00f3rum intergovernamental inicialmente dedicado \u00e0 prote\u00e7\u00e3o do meio ambiente e que ganha cada vez mais um papel pol\u00edtico na gest\u00e3o ativa da regi\u00e3o (Guedes, 2016, p\u00e1g. 160).<\/p>\n\n\n\n

Geoestrategicamente e economicamente, o potencial do \u00c1rtico est\u00e1 claro para as diferentes na\u00e7\u00f5es com interesse na regi\u00e3o. Este interesse tem levado a uma mudan\u00e7a clara na perspetiva militar da \u201c\u00faltima fronteira\u201d, com os reajustamentos estrat\u00e9gicos e presen\u00e7a militar a aumentarem com o aumento da relev\u00e2ncia da regi\u00e3o (Ferr\u00e3o, 2018). \u00c9 importante registar que no cap\u00edtulo diplom\u00e1tico e militar, o \u00c1rtico tem sido marcado pela coopera\u00e7\u00e3o e bilateralidade, existindo uma conviv\u00eancia de paz na regi\u00e3o que pode vir a ser amea\u00e7ada pelo crescente interesse militar (Hubert et al, 2018), nunca esquecendo que na regi\u00e3o convivem pot\u00eancias militares de enorme relev\u00e2ncia \u00e0 escala mundial, como \u00e9 o caso dos Estados Unidos e da R\u00fassia.<\/p>\n\n\n\n

A coopera\u00e7\u00e3o vivida no \u00c1rtico enfrenta agora desafios significativos, com o aumento do potencial da regi\u00e3o e com a possibilidade da seguran\u00e7a regional do \u00c1rtico poder n\u00e3o ser meramente regional e poder ser mundial.<\/p>\n\n\n\n

Um dos maiores desafios centra-se no novo clima de inimizade e na amea\u00e7a \u00e0 coexist\u00eancia pac\u00edfica entre Estados Unidos e R\u00fassia. As duas na\u00e7\u00f5es endureceram posi\u00e7\u00f5es ap\u00f3s a invas\u00e3o da Crimeia em 2014 e, com a invas\u00e3o do territ\u00f3rio ucraniano j\u00e1 no presente ano, o choque de posi\u00e7\u00f5es entre o governo russo e a administra\u00e7\u00e3o americana escalou para n\u00edveis n\u00e3o observados desde a Guerra Fria. A este ingrediente junta-se o maior reconhecimento dos interesses estrat\u00e9gicos do \u00c1rtico para a pol\u00edtica externa de ambas as na\u00e7\u00f5es.<\/p>\n\n\n\n

Um segundo desafio adivinha-se ainda de mais complexa resolu\u00e7\u00e3o: existe um interesse maior de estados n\u00e3o-\u00e1rticos na regi\u00e3o. A liderar uma nova vaga de interesse est\u00e1 a China, mas os estados asi\u00e1ticos do Jap\u00e3o, Coreia do Sul e Singapura, e ainda alguns pa\u00edses europeus, como Fran\u00e7a, Holanda, It\u00e1lia, Alemanha, Reino Unido e Pol\u00f3nia tamb\u00e9m representam esta nova vaga de interesse estrat\u00e9gico na regi\u00e3o. (Lanteigne, 2019)<\/p>\n\n\n\n

A relev\u00e2ncia geoestrat\u00e9gica do \u00c1rtico viveu os seus \u201canos dourados\u201d durante a Guerra Fria, mas, devido a uma conjuga\u00e7\u00e3o de fatores, o \u00c1rtico volta a ter um papel de destaque na geoestrat\u00e9gia mundial hoje. As quest\u00f5es de seguran\u00e7a na regi\u00e3o prendem-se maioritariamente com as \u00e1reas cient\u00edficas e econ\u00f3micas: coopera\u00e7\u00e3o cient\u00edfica, preserva\u00e7\u00e3o do meio ambiente, explora\u00e7\u00e3o econ\u00f3mica sustent\u00e1vel e integra\u00e7\u00e3o das popula\u00e7\u00f5es (Domingues et al, 2018, p\u00e1g. 30).<\/p>\n\n\n\n

Um dos pa\u00edses que deposita no \u00c1rtico maior expetativa face ao seu potencial econ\u00f3mico tem sido a R\u00fassia. Sucessivamente isolada pelo Ocidente devido ao efeito das san\u00e7\u00f5es econ\u00f3micas na sua j\u00e1 fr\u00e1gil economia, o regime de Putin tem encontrado no \u00c1rtico um ref\u00fagio de explora\u00e7\u00e3o econ\u00f3mica alternativa, apoiada na possibilidade de uma nova rota mar\u00edtima no Mar do Norte, um est\u00edmulo ao com\u00e9rcio euro-asi\u00e1tico e atrav\u00e9s da explora\u00e7\u00e3o energ\u00e9tica que tem um peso significativo na estrutura econ\u00f3mica russa, totalizando mais de 60% das exporta\u00e7\u00f5es russas em 2021 (Trading Economics, 2021). Este isolamento ocidental vai al\u00e9m da posi\u00e7\u00e3o americana e europeia face ao conflito armado na Ucr\u00e2nia, sendo que uma s\u00e9rie de institui\u00e7\u00f5es importantes na governa\u00e7\u00e3o do \u00c1rtico, como \u00e9 exemplo o Conselho do \u00c1rtico, o Conselho de Ministros N\u00f3rdico e o Conselho Econ\u00f3mico do \u00c1rtico j\u00e1 condenaram abertamente a invas\u00e3o, sinalizando ainda um maior isolamento russo na regi\u00e3o.<\/p>\n\n\n\n

N\u00e3o s\u00f3 a China parece estar a aumentar os seus interesses estrat\u00e9gicos no \u00c1rtico, como parece estar a desenvolver esses interesses em conjunto com a R\u00fassia. Numa declara\u00e7\u00e3o conjunta (Xinhua News, 2022) os dois pa\u00edses anunciaram as bases para maior coopera\u00e7\u00e3o bilateral, no qual o \u00c1rtico \u00e9 parte integrante. A posi\u00e7\u00e3o mais ativa da R\u00fassia face ao \u00c1rtico e o interesse crescente da China em promover estrat\u00e9gias de diplomacia cient\u00edfica na regi\u00e3o levaram os Estados Unidos a endurecer a sua posi\u00e7\u00e3o sobre o \u00c1rtico. Do ponto de vista militar isso traduziu-se em mais exerc\u00edcios militares e num refor\u00e7o da inova\u00e7\u00e3o tecnol\u00f3gica da Segunda Armada da Marinha Americana, para capacitar a mesma para melhor operar no \u00c1rtico e, ainda, a renova\u00e7\u00e3o da base de Keflavik, na Isl\u00e2ndia, desativada desde 2016 (Lanteigne, 2019). Tamb\u00e9m a ret\u00f3rica americana segue a mesma linha de pensamento do ramo militar, com uma posi\u00e7\u00e3o mais perent\u00f3ria e ambiciosa na regi\u00e3o, acompanhada por um discurso que alerta para as ambi\u00e7\u00f5es russas e chinesas no \u00c1rtico.<\/p>\n\n\n\n

\u00c9 importante ainda destacar que das 8 na\u00e7\u00f5es \u00e1rticas, 5 das mesmas pertencem \u00e0 NATO. A presen\u00e7a da Alian\u00e7a nas na\u00e7\u00f5es \u00e1rticas pode ainda estender-se para a Finl\u00e2ndia e Su\u00e9cia, que anunciaram recentemente o seu interesse em aproximar-se da NATO. A alian\u00e7a militar ganhou um prop\u00f3sito renovado e uma influ\u00eancia na esfera pol\u00edtica bastante significativa ap\u00f3s a invas\u00e3o russa da Ucr\u00e2nia, acrescentando aqui mais um palco de confronto geopol\u00edtico entre o bloco da NATO e o bloco russo, que encontra na China um aliado estrat\u00e9gico importante nesta quest\u00e3o.<\/p>\n\n\n\n

A NATO tem agendado para o m\u00eas de fevereiro e mar\u00e7o deste ano exerc\u00edcios militares na regi\u00e3o, liderados pelas For\u00e7as Armadas Norueguesas (Cold Response<\/em>, 2022) e que ir\u00e3o fazer testes a n\u00edvel terrestre, mar\u00edtimo e a\u00e9reo. Aproximadamente 30 mil tropas ir\u00e3o participar nestes exerc\u00edcios militares.<\/p>\n\n\n\n

Entramos agora no cap\u00edtulo da geoestrat\u00e9gia militar. Dois grandes cap\u00edtulos do ponto de vista militar sublinham a import\u00e2ncia do \u00c1rtico: a relev\u00e2ncia dos m\u00edsseis convencionais de m\u00e9dio e longo alcance para a R\u00fassia e a import\u00e2ncia das linhas de comunica\u00e7\u00e3o do Atl\u00e2ntico Norte para a NATO, crucial para a defesa europeia (Mikkola, 2019: 5).<\/p>\n\n\n\n

Os \u00faltimos anos t\u00eam marcado uma altera\u00e7\u00e3o da vis\u00e3o estrat\u00e9gica militar para o \u00c1rtico por parte da R\u00fassia, estrat\u00e9gia esta englobada numa agenda de pol\u00edtica externa marcadamente mais agressiva nos \u00faltimos anos. Esta mudan\u00e7a no \u00c1rtico consistiu num aumento da presen\u00e7a militar na regi\u00e3o, alterando os pressupostos predominantes de explora\u00e7\u00e3o econ\u00f3mica da regi\u00e3o conviverem agora com a vertente militar.<\/p>\n\n\n\n

O \u00c1rtico representa uma \u00e1rea estrat\u00e9gica do ponto de vista militar de import\u00e2ncia primordial para o regime de Putin. A frota norte da marinha russa concentra mais de 80% da capacidade militar nuclear mar\u00edtima da R\u00fassia (Conley et al, 2015: 12), uma ilustra\u00e7\u00e3o perfeita do peso da regi\u00e3o na estrat\u00e9gia militar do pa\u00eds. A estrat\u00e9gia russa (que j\u00e1 prov\u00e9m da era sovi\u00e9tica) de desenvolver basti\u00f5es que resguardem as suas capacidades nucleares em enclaves mar\u00edtimos fechados encontra no \u00c1rtico um espa\u00e7o de converg\u00eancia perfeito, assegurando n\u00e3o s\u00f3 uma prote\u00e7\u00e3o geogr\u00e1fica clara com a camada de gelo \u00e1rtica, bem como um espa\u00e7o amplo para experimenta\u00e7\u00e3o militar que anda lado a lado com a campanha de moderniza\u00e7\u00e3o que o pa\u00eds tem empregado gradualmente nos seus pressupostos de seguran\u00e7a.<\/p>\n\n\n\n

\u00c9 imposs\u00edvel dissociar a presen\u00e7a militar russa no \u00c1rtico dos seus objetivos geoestrat\u00e9gicos, nomeadamente em rela\u00e7\u00e3o aos pa\u00edses n\u00f3rdicos. A estrat\u00e9gia russa passa n\u00e3o s\u00f3 por uma perspetiva de dissuas\u00e3o de uma poss\u00edvel expans\u00e3o da NATO para os pa\u00edses n\u00f3rdicos (Finl\u00e2ndia e Su\u00e9cia) e ainda criar condi\u00e7\u00f5es para um dificultar de exerc\u00edcios militares ocidentais na regi\u00e3o, sob o argumento de colocarem em risco a presen\u00e7a militar russa na regi\u00e3o.<\/p>\n\n\n\n

Olhando para o posicionamento da NATO no \u00c1rtico, existe uma aus\u00eancia de planeamento estrat\u00e9gico para a regi\u00e3o. Olhando para o Strategic Concept 2020<\/em>, documento estrat\u00e9gico mais recente que define o posicionamento estrat\u00e9gico da Alian\u00e7a para a pr\u00f3xima d\u00e9cada, n\u00e3o existe sequer men\u00e7\u00e3o \u00e0 regi\u00e3o (NATO, 2010) A mesma posi\u00e7\u00e3o se mant\u00e9m se olharmos para o documento estrat\u00e9gico da d\u00e9cada anterior. Os interesses conflituantes dos seus membros s\u00e3o parte da explica\u00e7\u00e3o para este distanciamento estrat\u00e9gico: a Noruega reivindica a presen\u00e7a da NATO na regi\u00e3o, motivada nomeadamente pelas iniciativas militares russas nos seus territ\u00f3rios \u00e1rticos, enquanto que uma fa\u00e7\u00e3o da NATO, encabe\u00e7ada pelo Canad\u00e1, defende a continuidade da \u201cregionaliza\u00e7\u00e3o\u201d do \u00c1rtico, uma estrat\u00e9gia que pretende evitar uma provoca\u00e7\u00e3o \u00e0 R\u00fassia e impedir uma escalada de tens\u00f5es na regi\u00e3o (Mikkola, 2019, p\u00e1g. 6).<\/p>\n\n\n\n

Estas posi\u00e7\u00f5es est\u00e3o claramente a ser reequacionadas ap\u00f3s o escalar de tens\u00f5es entre o Ocidente e a R\u00fassia fruto da invas\u00e3o \u00e0 Ucr\u00e2nia. Ser\u00e1 interessante acompanhar como a posi\u00e7\u00e3o da NATO se vai alterar no p\u00f3s-conflito, e de que forma \u00e9 que, face aos exerc\u00edcios nucleares recentes no Mar de Barents pela R\u00fassia j\u00e1 durante a invas\u00e3o ucraniana, pode haver um reajustar dos olhares da Alian\u00e7a para a regi\u00e3o como um eixo fundamental de defesa ocidental.<\/p>\n\n\n\n

Um aumento da presen\u00e7a da NATO no \u00c1rtico pode partir da necessidade crescente de defesa dos seus membros, reconhecida no or\u00e7amento de defesa particularmente dos pa\u00edses n\u00f3rdicos. A Noruega, a t\u00edtulo de exemplo, dispende 1.68% do seu or\u00e7amento em Defesa em 2021 (Macro Trends, 2019), valor mais alto desde 2014 no pa\u00eds e que representa uma subida de quase 25% em termos relativos face a 2015. A Finl\u00e2ndia e a Su\u00e9cia apresentam tamb\u00e9m uma tend\u00eancia ascendente de despesa relacionada com a defesa, alinhado com aquilo que tem sido a posi\u00e7\u00e3o dos pa\u00edses n\u00f3rdicos face a uma preocupa\u00e7\u00e3o com a crescente ret\u00f3rica b\u00e9lica da R\u00fassia.<\/p>\n\n\n\n

\u00c9 importante refletir que a falta de planeamento estrat\u00e9gico delineado para a regi\u00e3o n\u00e3o vai de encontro \u00e0s a\u00e7\u00f5es militares na regi\u00e3o. A NATO realizou recentemente um dos maiores exerc\u00edcios militares no \u00c1rtico, envolvendo mais de 50 mil soldados, marcado pelo regresso de um porta-avi\u00f5es americano ao C\u00edrculo \u00c1rtico, algo que j\u00e1 n\u00e3o acontecia h\u00e1 cerca de 30 anos (NATO, 2018). As v\u00e1rias dimens\u00f5es da guerra moderna tamb\u00e9m se cruzam no \u00c1rtico, com o ciberespa\u00e7o gradualmente a acrescentar uma nova dimens\u00e3o \u00e0s tens\u00f5es na regi\u00e3o.<\/p>\n\n\n\n

Em jeito de conclus\u00e3o, o \u00c1rtico parece estar a recuperar a sua import\u00e2ncia no cap\u00edtulo geoestrat\u00e9gico e de seguran\u00e7a no panorama internacional, motivado por uma s\u00e9rie de fatores, dos quais \u00e9 importante destacar o renovado interesse econ\u00f3mico na regi\u00e3o, o aumento da presen\u00e7a militar russa no \u00c1rtico e a procura de tornar a regi\u00e3o num hub<\/em> de desenvolvimento de tecnologia militar. A resposta da NATO a esta mesma relev\u00e2ncia que a R\u00fassia est\u00e1 a dar ao C\u00edrculo \u00c1rtico n\u00e3o pode tamb\u00e9m ser descurada, consciente da amea\u00e7a que a mesma representa para os pa\u00edses n\u00f3rdicos e para a seguran\u00e7a europeia, bem como para a sua infraestrutura de comunica\u00e7\u00f5es chave na regi\u00e3o.<\/p>\n\n\n\n

N\u00e3o \u00e9 poss\u00edvel dissociar a ascens\u00e3o da posi\u00e7\u00e3o do \u00c1rtico a n\u00edvel internacional com a entrada das ambi\u00e7\u00f5es chinesas neste quadrante, o que, inevitavelmente, gera a aten\u00e7\u00f5es redobradas por parte dos Estados Unidos e da R\u00fassia, ainda que com posi\u00e7\u00f5es contrastantes face ao interesse chin\u00eas no territ\u00f3rio \u00e1rtico. O \u00c1rtico como palco marcado pela paz e conviv\u00eancia pac\u00edfica pode estar em causa se as din\u00e2micas de seguran\u00e7a e os interesses contrastantes levarem a um escalar progressivo da tens\u00e3o militar na regi\u00e3o, adicionando mais uma amea\u00e7a \u00e0 \u201c\u00faltima fronteira\u201d, tamb\u00e9m ela assolada pelos fortes efeitos das altera\u00e7\u00f5es clim\u00e1ticas e da explora\u00e7\u00e3o econ\u00f3mica atual por parte de diferentes agentes p\u00fablicos e privados.<\/p>\n\n\n\n


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22 de mar\u00e7o de 2022<\/p>\n\n\n\n

Miguel Ferreira<\/strong>
EuroDefense Jovem-Portugal<\/em><\/p>\n\n\n\n


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Bibliografia<\/strong><\/p>\n\n\n\n

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NOTA<\/strong>:<\/mark><\/p>\n\n\n\n