{"id":8540,"date":"2022-09-27T09:11:33","date_gmt":"2022-09-27T09:11:33","guid":{"rendered":"https:\/\/eurodefense.pt\/?p=8540"},"modified":"2023-02-20T17:57:54","modified_gmt":"2023-02-20T17:57:54","slug":"a-relacao-entre-o-crime-organizado-e-o-terrorismo","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/eurodefense.pt\/a-relacao-entre-o-crime-organizado-e-o-terrorismo\/","title":{"rendered":"A rela\u00e7\u00e3o entre o crime organizado e o terrorismo"},"content":{"rendered":"\n

Academicamente conhecida por \u201ccrime-terror nexus<\/em>\u201d, a rela\u00e7\u00e3o entre o crime organizado e o terrorismo remonta<\/span><\/span><\/a> \u00e0 d\u00e9cada de 1980 com a emerg\u00eancia dos cart\u00e9is de droga de Pablo Escobar, na Col\u00f4mbia, o que impulsionou o debate sobre o \u201cnarco-terrorismo\u201d. Este nexus<\/em> \u00e9 estudado pelo menos desde os in\u00edcios da d\u00e9cada de 1990, sendo poss\u00edvel identificar diversos modelos explicativos sobre a sua rela\u00e7\u00e3o. O Escrit\u00f3rio das Na\u00e7\u00f5es Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC<\/span><\/span><\/a>) destaca quatro modelos te\u00f3ricos, dos quais salientamos tr\u00eas principais tipos de rela\u00e7\u00e3o: a intera\u00e7\u00e3o entre crime organizado e terrorismo ocorre (a) quando os grupos terroristas e grupos criminosos formam uma alian\u00e7a<\/strong>; (b) quando ambos se apropriam do modus operandi<\/em> de cada um, sem qualquer v\u00ednculo estabelecido (apropria\u00e7\u00e3o<\/strong>); ou (c) quando ambos cooperam na prossecu\u00e7\u00e3o dos objetivos de cada um e se fundem num \u00fanico grupo (fus\u00e3o<\/strong>). Para o Instituto Inter-regional de Pesquisa das Na\u00e7\u00f5es Unidas para o Crime e a Justi\u00e7a (UNICRI<\/span><\/span><\/a>), a rela\u00e7\u00e3o entre o crime organizado e o terrorismo \u00e9 complexa, n\u00e3o s\u00f3 pela natureza din\u00e2mica de ambos os fen\u00f3menos, mas tamb\u00e9m pela falta de consenso sobre os conceitos. Os grupos distinguem-se pelos objetivos distintos. A Conven\u00e7\u00e3o<\/span><\/span><\/a> das Na\u00e7\u00f5es Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional indica que o \u201cgrupo criminoso organizado\u201d tem \u201ca inten\u00e7\u00e3o de obter, direta ou indiretamente, um benef\u00edcio econ\u00f3mico ou outro benef\u00edcio material\u201d. Por oposi\u00e7\u00e3o, de acordo com a Diretiva 2017\/541<\/span><\/span><\/a> (UE), um \u201cgrupo terrorista\u201d visa \u201cdesestabilizar gravemente ou destruir as estruturas pol\u00edticas, constitucionais, econ\u00f3micas ou sociais fundamentais de um pa\u00eds\u201d.<\/p>\n\n\n\n

Este artigo aborda, de forma sint\u00e9tica, dois t\u00f3picos. Primeiro, analisa a ideia da apropria\u00e7\u00e3o na perspetiva dos grupos terroristas. Segundo, analisa a rela\u00e7\u00e3o entre o crime organizado e o terrorismo na Uni\u00e3o Europeia.<\/p>\n\n\n\n

O crime organizado e o terrorismo: a apropria\u00e7\u00e3o do modus operandi<\/em><\/span><\/p>\n\n\n\n

Existem diversas atividades criminosas associadas aos grupos terroristas, tais como o tr\u00e1fico de droga e de armas, a falsifica\u00e7\u00e3o de documentos, o tr\u00e1fico humano, ou at\u00e9 a explora\u00e7\u00e3o de recursos naturais. Os grupos terroristas recorrem a estas atividades para financiar os seus objetivos, tais como o planeamento e a prepara\u00e7\u00e3o de ataques terroristas (constru\u00e7\u00e3o de bombas, compra de armamento, etc.), ou para a manuten\u00e7\u00e3o das estruturas de comunica\u00e7\u00e3o e de propaganda. Como refere o ISCR<\/span><\/span><\/a> (2016): \u201cput simply, access to criminal skills makes it easier for terrorists to \u2018stay under the radar\u2019\u201d.<\/p>\n\n\n\n

Tr\u00e1fico de droga<\/em>. O tr\u00e1fico de droga \u00e9 uma das atividades mais procuradas e rent\u00e1veis em termos de financiamento para o terrorismo. V\u00e1rios s\u00e3o os grupos terroristas, sobretudo de matriz jihadista, que recorrem \u00e0 ind\u00fastria dos narc\u00f3ticos, nomeadamente ao tr\u00e1fico de coca\u00edna e hero\u00edna. Segundo a United States Drug Enforcement Administration<\/em> (DEA<\/span><\/span><\/a>) (2020), s\u00f3 o tr\u00e1fico de hero\u00edna financia 37% de todas as organiza\u00e7\u00f5es terroristas no mundo\u201d. Os Talib\u00e3, a al-Qaeda para o Magrebe Isl\u00e2mico (AQMI), o al-Shabaab ou o Boko Haram t\u00eam sido conotados com a venda il\u00edcita deste tipo de subst\u00e2ncias. Dois exemplos. Segundo as autoridades espanholas, noticia o NYT<\/span><\/span><\/a>, os atentados de Madrid de 2004, executados por membros com liga\u00e7\u00f5es \u00e0 al-Qaeda, foram financiados pelas vendas de haxixe e ecstasy. Em 2006, Khan Mohammed<\/span><\/span><\/a>, talib\u00e3, considerado pelo Departamento de Justi\u00e7a norte-americana como um \u201cjihadista violento e um traficante de narc\u00f3ticos\u201d, tentou utilizar os fundos das vendas de hero\u00edna e \u00f3pio para comprar foguetes e realizar um ataque contra um aer\u00f3dromo da NATO em Jalalabad, no Afeganist\u00e3o.<\/p>\n\n\n\n

Tr\u00e1fico de armas<\/em>. Nem todos os ataques terroristas implicam o uso de armas de fogo e os grupos terroristas t\u00eam procurado, cada vez mais, m\u00e9todos alternativos para perpetrar ataques, nomeadamente atrav\u00e9s do uso de facas ou de ve\u00edculos. Por\u00e9m, as armas de fogo continuam a ser um instrumento importante. Por exemplo, nos ataques terroristas de Paris em novembro de 2015, que vitimaram 130 pessoas e feriram 368, os terroristas dispararam sobre a popula\u00e7\u00e3o com armas Kalashnikov (AK-47) e descobriu-se<\/span><\/span><\/a> tamb\u00e9m que algumas armas tradicionalmente usadas no cinema (fire blanks<\/em>) foram reconvertidas.<\/p>\n\n\n\n

A rela\u00e7\u00e3o entre o crime organizado e o terrorismo na Uni\u00e3o Europeia<\/span><\/p>\n\n\n\n

Destacam-se tr\u00eas notas sobre a rela\u00e7\u00e3o entre o crime organizado e o terrorismo na Uni\u00e3o Europeia.<\/p>\n\n\n\n

1. Perfil do terrorista<\/em>. N\u00e3o existe um perfil de terrorista, mas \u00e9 poss\u00edvel identificar alguns padr\u00f5es e caracter\u00edsticas comuns. No \u00e2mbito do nexus<\/em> em an\u00e1lise, sabe-se que muitos t\u00eam liga\u00e7\u00f5es a redes criminosas ou com o mundo do \u201cpetty crime<\/em>\u201d (ex. assaltos, roubo) e da criminalidade grave (ex. homic\u00eddios, tr\u00e1fico humano). Entre 2011 e 2016, identificaram-se 79 indiv\u00edduos, classificados como \u201cjihadistas europeus<\/span><\/span><\/a>\u201d, com antecedentes criminais. Por exemplo, Amedy Coulibaly<\/span><\/span><\/a>, um dos terroristas do ataque ao supermercado em Paris (2015), tinha condena\u00e7\u00f5es pr\u00e9vias por tr\u00e1fico de droga. E na B\u00e9lgica, 86% dos combatentes terroristas estrangeiros (FTF), \u00e0 data de 2019<\/span><\/span><\/a>, eram conhecidos pelas autoridades devido \u00e0s suas atividades criminosas, como roubo e tr\u00e1fico de droga.<\/p>\n\n\n\n

\u201cA liga\u00e7\u00e3o conhecida dos terroristas dos atentados de Paris e Bruxelas \u00e0 criminalidade comum, anterior \u00e0 sua radicaliza\u00e7\u00e3o<\/strong>, coloca na ordem do dia a prem\u00eancia da operacionalidade entre bases de dados e do acesso dos servi\u00e7os de informa\u00e7\u00f5es \u00e0 informa\u00e7\u00e3o criminal (\u2026)\u201d<\/p>Diretor do SIS, Ad\u00e9lio Neiva da Cruz<\/span><\/a> (2018)<\/cite><\/blockquote>\n\n\n\n

2. Crime-terror na UE<\/em>. Os relat\u00f3rios TE-SAT<\/span><\/span><\/a> (EU Terrorism Situation & Trend Report<\/em>) e SOCTA<\/span><\/span><\/a> (Serious and Organised Crime Threat Assessment<\/em>) da Europol referem que os interesses dos grupos terroristas e dos grupos criminosos convergem: ambos dependem das mesmas fontes para financiamento, aquisi\u00e7\u00e3o de armas, falsifica\u00e7\u00e3o de documentos e recorrem \u00e0s mesmas redes para recrutar potenciais membros. Ambos tamb\u00e9m exploram as redes migrat\u00f3rias.<\/p>\n\n\n\n

\u201cSkills and experience in crime, connections in the criminal world, or access to illicit goods and services such as weapons and fraudulent documents, make criminals attractive potential recruits for terrorist and violent extremist organisations.<\/strong>\u201d \u201cMigrant smugglers operating in the EU were in several cases suspects in terrorism investigations or had connections with terrorists and violent extremists\u201d<\/p>TE-SAT 2022<\/span><\/a><\/cite><\/blockquote>\n\n\n\n

Por\u00e9m, os relat\u00f3rios reiteram frequentemente que h\u00e1 poucas evid\u00eancias<\/em> no espa\u00e7o da UE de uma coopera\u00e7\u00e3o sistem\u00e1tica entre grupos terroristas e grupos criminosos. Ou seja, a converg\u00eancia existe, mas n\u00e3o \u00e9 realizada de forma regular: ali\u00e1s, de acordo com o SOCTA de 2021<\/span><\/span><\/a>, os grupos criminosos mostram-se relutantes em cooperar com os terroristas para evitar atrair aten\u00e7\u00e3o das for\u00e7as e servi\u00e7os de seguran\u00e7a.<\/p>\n\n\n\n

3. Grupos terroristas e criminalidade organizada<\/em>. O nexus<\/em> crime-terror \u00e9 associado a determinados tipos de terrorismo. Por exemplo, o TE-SAT de 2021<\/span><\/span><\/a> refere que se t\u00eam verificado liga\u00e7\u00f5es (a) entre o terrorismo de extrema-direita e o tr\u00e1fico de armas e o tr\u00e1fico de droga; e (b) entre o terrorismo jihadista e o branqueamento de capitais, o tr\u00e1fico humano, o tr\u00e1fico de droga, e a atividades de extors\u00e3o, entre outras. O TE-SAT de 2022<\/span><\/span><\/a> salienta que os suspeitos conotados com a extrema-direita – e ocasionalmente jihadistas – t\u00eam procurado comprar armas e explosivos a redes criminosas, e alguns v\u00eam-se envolvidos no tr\u00e1fico de armas. Nas investiga\u00e7\u00f5es sobre a extrema-direita, as for\u00e7as e servi\u00e7os de seguran\u00e7a descobriram ainda equipamento militar em 3D, usado para fabricar armas, bem como material de propaganda e manuais de instru\u00e7\u00f5es.<\/p>\n\n\n\n

A preven\u00e7\u00e3o e combate ao nexus<\/em> entre crime e terrorismo requer a aposta cont\u00ednua na partilha de informa\u00e7\u00f5es entre estados-membros da UE, incluindo com pa\u00edses terceiros, bem como a atualiza\u00e7\u00e3o das estrat\u00e9gias de contraterrorismo face \u00e0 evolu\u00e7\u00e3o da amea\u00e7a. Por exemplo, Anis Amri<\/span><\/span><\/a>, o perpetrador do ataque em Berlim no mercado de Natal (2016), um tunisino que se inspirou na propaganda do Daesh, utilizou 14 identidades diferentes (presumivelmente, passaportes falsificados) para enganar a seguran\u00e7a<\/span><\/span><\/a>. Desde o 11 de setembro de 2001 a Uni\u00e3o Europeia tem desenvolvido um conjunto de medidas e instrumentos para fazer face ao terrorismo, embora a responsabilidade primordial da luta contra esta amea\u00e7a recaia sobre os estados-membros.<\/p>\n\n\n\n


\n\n\n\n

27 de setembro de 2022<\/p>\n\n\n\n

Joana Ara\u00fajo Lopes<\/strong> \u00e9 Doutoranda em \u201cHist\u00f3ria, Estudos de Seguran\u00e7a e Defesa\u201d no Iscte. \u00c9 bolseira da FCT e trabalha numa tese sobre o contraterrorismo em Portugal e Espanha, no contexto da Uni\u00e3o Europeia (2004-2020). \u00c9 Mestre em Ci\u00eancia Pol\u00edtica e Rela\u00e7\u00f5es Internacionais pela Universidade NOVA de Lisboa (2017). Trabalhou como estagi\u00e1ria na Embaixada Americana em Lisboa (Assuntos Consulares), no Minist\u00e9rio dos Neg\u00f3cios Estrangeiros (MNE) (Dire\u00e7\u00e3o-Geral de Pol\u00edtica Externa) e no Instituto da Defesa Nacional (IDN). Os seus principais interesses de investiga\u00e7\u00e3o incidem sobre a seguran\u00e7a internacional, o terrorismo, o contraterrorismo, a radicaliza\u00e7\u00e3o, o extremismo violento e a diplomacia.<\/p>\n\n\n\n

https:\/\/ciencia.iscte-iul.pt\/authors\/joana-araujo-lopes\/cv<\/span><\/a><\/p>\n\n\n\n


\n\n\n\n

\"\"<\/a> Baixar documento<\/span><\/a><\/p>\n\n\n\n


\n\n\n\n
\n
\n\n\n\n

NOTA<\/strong>:<\/mark><\/p>\n\n\n\n