{"id":8606,"date":"2022-10-25T12:21:21","date_gmt":"2022-10-25T12:21:21","guid":{"rendered":"https:\/\/eurodefense.pt\/?p=8606"},"modified":"2023-02-20T17:57:51","modified_gmt":"2023-02-20T17:57:51","slug":"dez-ideias-erradas-sobre-o-terrorismo","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/eurodefense.pt\/dez-ideias-erradas-sobre-o-terrorismo\/","title":{"rendered":"Dez ideias erradas sobre o terrorismo"},"content":{"rendered":"\n
O presente texto visa esclarecer dez ideias erradas, ou mitos, sobre o terrorismo. N\u00e3o existe consenso sobre o seu significado, mas \u00e9 geralmente entendido como o uso da viol\u00eancia para atingir objetivos pol\u00edticos, como constranger ou alterar as estruturas pol\u00edticas, sociais ou econ\u00f3micas de um pa\u00eds. Por norma, a viol\u00eancia \u00e9 perpetrada de forma imprevis\u00edvel e indiscriminada, especialmente contra civis. O terrorismo visa criar inseguran\u00e7a, medo ou p\u00e2nico, e alimenta-se da visibilidade medi\u00e1tica.<\/p>\n\n\n\n
1. \u201cO terrorismo surge com os atentados do 11 de Setembro de 2001\u201d.<\/strong><\/span><\/p>\n\n\n\n N\u00e3o. O terrorismo antecede o 11\/9. O conceito surge no s\u00e9culo XVIII, durante o per\u00edodo \u201cLa Terreur\u201d, ocorrido ap\u00f3s a Revolu\u00e7\u00e3o Francesa de 1789. O s\u00e9culo XIX \u00e9 apontado como o in\u00edcio do aparecimento desta forma de viol\u00eancia, embora a literatura tamb\u00e9m identifique um conjunto de \u201catos de terrorismo\u201d antecedentes, justificados em nome de uma religi\u00e3o (na sua forma extremista). Academicamente, o terrorismo \u00e9 estudado desde a d\u00e9cada de 1970 com o desenvolvimento da disciplina dos \u201cEstudos de Terrorismo\u201d. Apesar do lastro hist\u00f3rico, foi o 11\/9 que desencadeou um interesse exponencial sobre o terrorismo e que tamb\u00e9m motivou a associa\u00e7\u00e3o entre \u201creligi\u00e3o e terrorismo\u201d. Com os atentados, a cren\u00e7a religiosa passou a ser apontada como uma das principais motiva\u00e7\u00f5es para o terrorismo, sobretudo de matriz jihadista. Mas a sua rela\u00e7\u00e3o \u00e9 muito amb\u00edgua.<\/p>\n\n\n\n 2. \u201cReligi\u00e3o e terrorismo\u201d.<\/strong><\/span><\/p>\n\n\n\n Rela\u00e7\u00e3o amb\u00edgua, problem\u00e1tica muito complexa. (1) A religi\u00e3o pode contribuir para amplificar a viol\u00eancia terrorista ou, para alguns indiv\u00edduos, motivar a sua perpetra\u00e7\u00e3o mas n\u00e3o \u00e9 uma causa do terrorismo, enquanto fen\u00f3meno isolado. (2) Qualquer indiv\u00edduo, de qualquer credo, pode ser radicalizado e cometer um ataque terrorista. (3) Um indiv\u00edduo n\u00e3o precisa de ser crente no Isl\u00e3o para acreditar na propaganda jihadista; para aderir a grupos afetos a essa matriz ou para perpetrar ataques. (4) No \u00e2mbito do terrorismo jihadista: se \u00e9 importante n\u00e3o ignorar a dimens\u00e3o religiosa do jihadismo, tamb\u00e9m \u00e9 relevante n\u00e3o confundir a religi\u00e3o com o extremismo.<\/p>\n\n\n\n 3. \u201cUm mu\u00e7ulmano \u00e9 um terrorista\u201d.<\/strong><\/span><\/p>\n\n\n\n N\u00e3o. O terrorista (jihadista) \u00e9 algu\u00e9m que justifica os seus atos violentos com base em uma vers\u00e3o distorcida, fundamentalista do Isl\u00e3o, como o salafismo\/waabismo. Utilizar conceitos como \u201cterrorismo isl\u00e2mico\u201d, ou express\u00f5es semelhantes, \u00e9 refor\u00e7ar a propaganda de grupos como a al-Qaeda ou o Daesh<\/em>. Assim, \u00e9 importante distinguir:<\/p>\n\n\n\n 4. \u201cO terrorista \u00e9 um louco\u201d.<\/strong><\/span><\/p>\n\n\n\n N\u00e3o. Segundo o psic\u00f3logo Jonh Horgan, \u201ca maioria dos terroristas s\u00e3o perigosamente normais\u201d. Mas, nem sempre foi assim. As investiga\u00e7\u00f5es psicol\u00f3gicas sobre os terroristas surgem no final da d\u00e9cada de 1960 e, at\u00e9 1980 predominou a tese da \u201cpsicopatologia do terrorismo\u201d: a viol\u00eancia terrorista era um resultado de um comportamento desviante, inconsciente ou louco. Na atualidade, esta \u00e9 ideia \u00e9 desacreditada. O terrorista \u00e9 um ator racional que faz uma escolha deliberada, e a sua personalidade \u00e9 considerada est\u00e1vel, n\u00e3o existindo ind\u00edcios emp\u00edricos de psicopatia. No entanto, existem alguns casos amb\u00edguos, o que nos leva a refletir sobre a poss\u00edvel rela\u00e7\u00e3o entre a sa\u00fade mental e o terrorismo.<\/p>\n\n\n\n 5. \u201cSa\u00fade mental e terrorismo\u201d.<\/strong><\/span><\/p>\n\n\n\n A liga\u00e7\u00e3o \u00e9 poss\u00edvel, mas \u00e9 amb\u00edgua. Os problemas de sa\u00fade mental est\u00e3o sobretudo associados aos \u201catores solit\u00e1rios\u201d (lone actors<\/em>), ou seja, a indiv\u00edduos que operam de forma isolada e n\u00e3o t\u00eam liga\u00e7\u00f5es a um grupo terrorista. Alguns \u201catores solit\u00e1rios\u201d t\u00eam problemas psicol\u00f3gicos e est\u00e3o vinculados a determinadas ideologias extremistas potencialmente conducentes ao terrorismo. Por isso, nem sempre \u00e9 poss\u00edvel identificar a motiva\u00e7\u00e3o para a viol\u00eancia terrorista. Entre 2015 e 2020, todas as penas dos terroristas condenados na UE inclu\u00edram o seu internamento em centros dedicados \u00e0 sa\u00fade mental, enquanto m\u00e9todo complementar \u00e0 pris\u00e3o ou em alternativa \u00e0 mesma. Note-se que a pandemia potenciou a radicaliza\u00e7\u00e3o e constituiu um fator disruptivo para os indiv\u00edduos psicologicamente mais vulner\u00e1veis ou fragilizados.<\/p>\n\n\n\n 6. \u201cO terrorista \u00e9 um criminoso e analfabeto\u201d.<\/strong><\/span><\/p>\n\n\n\n N\u00e3o \u00e9 correto fazer este tipo de afirma\u00e7\u00f5es. Embora existam alguns padr\u00f5es comuns entre terroristas (atrav\u00e9s da t\u00e9cnica de profiling<\/em>), n\u00e3o existe um perfil \u00fanico ou universal. Ningu\u00e9m nasce \u201cterrorista\u201d. Existem diversos fatores explicativos do seu comportamento, desde fatores contextuais, que incluem sentimentos de exclus\u00e3o e marginaliza\u00e7\u00e3o, e fatores psicol\u00f3gicos, respeitantes ao foro ps\u00edquico e a problemas familiares. N\u00e3o obstante, sabe-se que os terroristas t\u00eam, por norma, algumas liga\u00e7\u00f5es a redes criminosas.<\/p>\n\n\n\n 7. \u201cMigra\u00e7\u00e3o e terrorismo\u201d<\/span>.<\/strong><\/p>\n\n\n\n H\u00e1 uma conex\u00e3o potencial entre os dois fen\u00f3menos, mas \u00e9 falaciosa e residual. De acordo com a Europol, existe a possibilidade de os terroristas explorarem as rotas migrat\u00f3rias para entrarem no espa\u00e7o europeu, infiltrando-se como refugiados. Foi o que aconteceu com dois dos atacantes do ataque em Paris, em 2015 (Bataclan). Mas o uso dessas rotas n\u00e3o \u00e9 realizado de forma sistem\u00e1tica. No entanto, a chegada de imigrantes a um pa\u00eds poder\u00e1 aumentar o n\u00famero de ataques relativos ao terrorismo de extrema-direita, pela \u00eanfase dos grupos desta matriz em uma narrativa xen\u00f3foba, racista e discriminat\u00f3ria.<\/p>\n\n\n\n 8. \u201cO multiculturalismo \u00e9 uma causa do terrorismo\u201d.<\/strong><\/span><\/p>\n\n\n\n \u00c9 muito problem\u00e1tico estabelecer conex\u00f5es desta natureza. Defender que o problema reside na \u201csociedade livre\u201d \u00e9 alinhar com a narrativa extremista – de extrema-direita, extrema-esquerda ou jihadista – de que os europeus s\u00e3o merecedores da viol\u00eancia perpetrada. Mas, mesmo n\u00e3o sendo uma causa do terrorismo, tamb\u00e9m \u00e9 importante reconhecer que multiculturalismo n\u00e3o \u00e9 isento de desafios. Por exemplo, no \u00e2mbito do acolhimento de estrangeiros na UE, reconhece-se a exist\u00eancia de problemas socioecon\u00f3micos que, para alguns indiv\u00edduos, favoreceram sentimentos de segrega\u00e7\u00e3o e marginaliza\u00e7\u00e3o. A maioria dos radicalizados europeus, migrantes de segunda ou terceira gera\u00e7\u00e3o, sentem-se exclu\u00eddos e vivem em um conflito identit\u00e1rio.<\/p>\n\n\n\n 9. \u201cO terrorismo \u00e9 uma das maiores amea\u00e7as \u00e0 paz e seguran\u00e7a internacionais\u201d<\/span>.<\/strong><\/p>\n\n\n\n Discut\u00edvel. Este mito est\u00e1 relacionado com a emerg\u00eancia de um \u201cnovo terrorismo\u201d ap\u00f3s o 11\/9, alegadamente mais perigoso e dif\u00edcil de conter. H\u00e1 v\u00e1rias formas de analisar este mito; ora analisando o n\u00famero de fatalidades, ora o n\u00famero de ataques terroristas. Os resultados estat\u00edsticos s\u00e3o diversos, variando metodologicamente e entre per\u00edodos temporais. Este mito \u00e9 discut\u00edvel. (1) A natureza da amea\u00e7a e a perce\u00e7\u00e3o da sua perigosidade difere entre contextos regionais. (2) Existemv\u00e1rios tipos de terrorismo, com diferentes alvos e objetivos. (3) O terrorismo n\u00e3o tem de provocar um grande n\u00famero de mortes para ter um forte impacto no modo de vida. O terrorismo \u00e9 psicol\u00f3gico. O terrorismo \u00e9 disruptivo, mas n\u00e3o \u00e9 uma amea\u00e7a \u00e0 sobreviv\u00eancia dos estados.<\/p>\n\n\n\n 10. \u201cPortugal \u00e9 imune ao terrorismo\u201d.<\/strong><\/span><\/p>\n\n\n\n N\u00e3o. Primeiro, porque nenhum pa\u00eds \u00e9 imune a um ataque terrorista. Segundo, porque estando enquadrado no espa\u00e7o europeu, Portugal enfrenta riscos similares \u00e0queles que impendem sobre os estados-membros. Terceiro, porque as autoridades j\u00e1 identificaram um conjunto de fatores de risco para o territ\u00f3rio nacional. O combate ao terrorismo no pa\u00eds segue as orienta\u00e7\u00f5es da ONU e da UE, baseando-se na partilha de informa\u00e7\u00f5es, na coopera\u00e7\u00e3o interoperacional e internacional.<\/p>\n\n\n\n 25 de outubro de 2022<\/p>\n\n\n\n Joana Ara\u00fajo Lopes<\/span><\/strong>\u00a0\u00e9 Doutoranda em \u201cHist\u00f3ria, Estudos de Seguran\u00e7a e Defesa\u201d no ISCTE. \u00c9 bolseira da FCT e trabalha numa tese sobre o contraterrorismo em Portugal e Espanha, no contexto da Uni\u00e3o Europeia (2004-2020). \u00c9 Mestre em Ci\u00eancia Pol\u00edtica e Rela\u00e7\u00f5es Internacionais pela Universidade NOVA de Lisboa (2017). Trabalhou como estagi\u00e1ria na Embaixada Americana em Lisboa (Assuntos Consulares), no Minist\u00e9rio dos Neg\u00f3cios Estrangeiros (MNE) (Dire\u00e7\u00e3o-Geral de Pol\u00edtica Externa) e no Instituto da Defesa Nacional (IDN). Os seus principais interesses de investiga\u00e7\u00e3o incidem sobre a seguran\u00e7a internacional, o terrorismo, o contraterrorismo, a radicaliza\u00e7\u00e3o, o extremismo violento e a diplomacia.<\/p>\n\n\n\n https:\/\/ciencia.iscte-iul.pt\/authors\/joana-araujo-lopes\/cv<\/span><\/a><\/p>\n\n\n\n Baixar documento<\/span><\/a> <\/a><\/p>\n\n\n\n NOTA<\/strong>:<\/p>\n\n\n\n O presente texto visa esclarecer dez ideias erradas, ou mitos, sobre o terrorismo. N\u00e3o existe consenso sobre o seu significado, mas \u00e9 geralmente entendido como o uso da viol\u00eancia para atingir objetivos pol\u00edticos, como constranger ou alterar as estruturas pol\u00edticas, sociais ou econ\u00f3micas de um pa\u00eds. Por norma, a viol\u00eancia \u00e9 perpetrada de forma imprevis\u00edvel… Ler mais »Dez ideias erradas sobre o terrorismo<\/span><\/a><\/p>\n","protected":false},"author":1,"featured_media":8608,"comment_status":"closed","ping_status":"open","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"neve_meta_sidebar":"","neve_meta_container":"","neve_meta_enable_content_width":"","neve_meta_content_width":0,"neve_meta_title_alignment":"","neve_meta_author_avatar":"","neve_post_elements_order":"","neve_meta_disable_header":"","neve_meta_disable_footer":"","neve_meta_disable_title":""},"categories":[3],"tags":[],"_links":{"self":[{"href":"https:\/\/eurodefense.pt\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/8606"}],"collection":[{"href":"https:\/\/eurodefense.pt\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/eurodefense.pt\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/eurodefense.pt\/wp-json\/wp\/v2\/users\/1"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/eurodefense.pt\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=8606"}],"version-history":[{"count":5,"href":"https:\/\/eurodefense.pt\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/8606\/revisions"}],"predecessor-version":[{"id":8613,"href":"https:\/\/eurodefense.pt\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/8606\/revisions\/8613"}],"wp:featuredmedia":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/eurodefense.pt\/wp-json\/wp\/v2\/media\/8608"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/eurodefense.pt\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=8606"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/eurodefense.pt\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=8606"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/eurodefense.pt\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=8606"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}
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