{"id":8912,"date":"2022-12-09T10:00:00","date_gmt":"2022-12-09T10:00:00","guid":{"rendered":"https:\/\/eurodefense.pt\/?p=8912"},"modified":"2023-02-20T17:57:08","modified_gmt":"2023-02-20T17:57:08","slug":"as-ameacas-hibridas-e-a-uniao-europeia","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/eurodefense.pt\/as-ameacas-hibridas-e-a-uniao-europeia\/","title":{"rendered":"As Amea\u00e7as H\u00edbridas e a Uni\u00e3o Europeia"},"content":{"rendered":"\n

Introdu\u00e7\u00e3o<\/strong><\/span><\/strong><\/p>\n\n\n\n

\"\"<\/a>
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O presente artigo foi desenvolvido no contexto da edi\u00e7\u00e3o de 2021-2022 das Tert\u00falias Eurodefense Jovem Portugal. Em particular, incide sobre os resultados da tert\u00falia sobre amea\u00e7as h\u00edbridas, realizada a 26 de janeiro de 2022, com o sr. Major-General Agostinho Costa, vice-presidente da Eurodefense Portugal.<\/p>\n\n\n\n

O artigo encontra-se estruturado em duas partes. A primeira diz respeito a uma contextualiza\u00e7\u00e3o do tema, atrav\u00e9s da adapta\u00e7\u00e3o da Reflex\u00e3o Eurodefense Jovem intitulada \u2018Amea\u00e7as H\u00edbridas e a Uni\u00e3o Europeia\u2019. A segunda parte incide concretamente sobre os contributos da tert\u00falia e encontra-se dividida em tr\u00eas se\u00e7\u00f5es. A primeira destina-se \u00e0 clarifica\u00e7\u00e3o do conceito de amea\u00e7a h\u00edbrida, estando subdividida em outras duas subse\u00e7\u00f5es que procuram, respetivamente, assinalar quais as a\u00e7\u00f5es que podem ser consideradas parte integrante de uma amea\u00e7a h\u00edbrida, e explicar os poss\u00edveis objetivos dos atores h\u00edbridos. A segunda se\u00e7\u00e3o remonta \u00e0s implica\u00e7\u00f5es das amea\u00e7as h\u00edbridas para a Uni\u00e3o Europeia (UE), e aborda, em primeira inst\u00e2ncia, a crise da Ucr\u00e2nia e, numa segunda subse\u00e7\u00e3o, a falta de adequabilidade dos conceitos estrat\u00e9gicos da UE e NATO face a esta realidade. Por fim, a terceira se\u00e7\u00e3o diz respeito a considera\u00e7\u00f5es finais, resultado de uma reflex\u00e3o do Sr. Major-General sobre o desenvolvimento da pol\u00edtica de seguran\u00e7a e defesa da UE.<\/p>\n\n\n\n

Tendo em conta o contexto europeu \u00e0 data da escrita deste artigo, nomeadamente a invas\u00e3o da Ucr\u00e2nia pela R\u00fassia, \u00e9 essencial que os leitores tenham em considera\u00e7\u00e3o que a tert\u00falia se realizou num momento de escalada de tens\u00f5es, com as tropas russas estacionadas junto \u00e0 fronteira com a Ucr\u00e2nia, no entanto, anterior ao in\u00edcio desta guerra.<\/p>\n\n\n\n

I. Contextualiza\u00e7\u00e3o das amea\u00e7as h\u00edbridas<\/strong><\/strong><\/span><\/strong><\/p>\n\n\n\n

As amea\u00e7as h\u00edbridas s\u00e3o crescentemente uma raz\u00e3o de preocupa\u00e7\u00e3o para a Uni\u00e3o Europeia e os seus Estados membros. No entanto, este \u00e9 um termo sem uma defini\u00e7\u00e3o consensual, quest\u00e3o esta derivada, em parte, da natureza altamente mut\u00e1vel e variada destas amea\u00e7as (Comiss\u00e3o Europeia, 2016). Apesar de n\u00e3o haver uma defini\u00e7\u00e3o consensual de amea\u00e7as h\u00edbridas, existe uma certa unanimidade quanto \u00e0s caracter\u00edsticas que as distinguem, nomeadamente no contexto europeu. Assim, partindo da conceptualiza\u00e7\u00e3o oficial das institui\u00e7\u00f5es europeias, presente no \u2018Quadro comum em mat\u00e9ria de luta contra as amea\u00e7a h\u00edbridas\u2019, amea\u00e7as h\u00edbridas s\u00e3o:<\/p>\n\n\n\n

\u201ca combina\u00e7\u00e3o de atividades coercivas com atividades subversivas, de m\u00e9todos convencionais com m\u00e9todos n\u00e3o convencionais (ou seja, diplom\u00e1ticos, militares, econ\u00f3micos, tecnol\u00f3gicos) que podem ser utilizados de forma coordenada por intervenientes estatais ou n\u00e3o estatais para atingir objetivos espec\u00edficos, mantendo-se, no entanto, abaixo do limiar de uma guerra formalmente declarada. Em geral, coloca-se a \u00eanfase na explora\u00e7\u00e3o das vulnerabilidades do objetivo e na cria\u00e7\u00e3o de ambiguidade para entravar o processo de tomada de decis\u00f5es.\u201d(Comiss\u00e3o Europeia, 2016, p. 2).<\/em><\/p><\/blockquote>\n\n\n\n

Ou seja, o termo amea\u00e7a h\u00edbrida n\u00e3o se refere a uma \u00fanica a\u00e7\u00e3o, mas sim a um conjunto delas, que no seu todo s\u00e3o consideradas h\u00edbridas por, tal como a palavra indica, conjugarem diferentes tipos de a\u00e7\u00f5es (como desinforma\u00e7\u00e3o, ciberataques, espionagem, sabotagem, campanhas militares, entre outros). Estas a\u00e7\u00f5es, para al\u00e9m de poderem ser de um \u00e2mbito coercivo ou subversivo, convencional ou n\u00e3o convencional (e.g. campanhas de desinforma\u00e7\u00e3o, ataques inform\u00e1ticos), podem ainda ser vis\u00edveis para os seus alvos, ou encobertas, evitando assim a sua dete\u00e7\u00e3o (Andersson & Tardy, 2015).<\/p>\n\n\n\n

Esta conjuga\u00e7\u00e3o de variadas a\u00e7\u00f5es d\u00e1 origem um importante elemento das amea\u00e7as h\u00edbridas: a sua ambiguidade. Os atores h\u00edbridos procuram \u201cesbater as fronteiras tradicionais da pol\u00edtica internacional e operam nas interfaces entre o externo e o interno, o legal e o ilegal, e a paz e a guerra<\/em>\u201d (Hybrid CoE, n.d.). Na pr\u00e1tica, a ambiguidade dificulta a atribui\u00e7\u00e3o, ou seja, a identifica\u00e7\u00e3o do autor da a\u00e7\u00e3o com recurso a provas, o que, por sua vez, cria consider\u00e1veis impedimentos a uma resposta dentro dos tr\u00e2mites do Direito Internacional por parte dos Estados atacados (Costa, 2021). Um bom exemplo para demonstrar as dificuldades a n\u00edvel da atribui\u00e7\u00e3o e resposta s\u00e3o as campanhas de desinforma\u00e7\u00e3o. Estas campanhas s\u00e3o muitas vezes desenvolvidas com recurso a falsos sites noticiosos, assim como m\u00faltiplas contas em redes sociais, parecendo, deste modo, apenas um fen\u00f3meno de usu\u00e1rios da internet e n\u00e3o uma campanha concertada por parte um ator h\u00edbrido com vista a atingir objetivos espec\u00edficos. Deste modo, mesmo que seja poss\u00edvel identificar o autor das campanhas, n\u00e3o \u00e9 poss\u00edvel ligar diretamente as contas individuais e sites de desinforma\u00e7\u00e3o a um ator estatal ou n\u00e3o-estatal, o que impede a atribui\u00e7\u00e3o e resposta.<\/p>\n\n\n\n

Adicionalmente, tendo em conta a ambiguidade e a confus\u00e3o que caracterizam as amea\u00e7as h\u00edbridas, \u00e9 necess\u00e1rio para al\u00e9m de identificar as a\u00e7\u00f5es desenvolvidas, entender as liga\u00e7\u00f5es e associa\u00e7\u00f5es entre estas, assim como conhecer as peculiaridades do ator h\u00edbrido, de modo a se inferir os objetivos do ator (Costa, 2021) \u2013 um puzzle complexo que muitas vezes n\u00e3o \u00e9 resolvido na sua totalidade.<\/p>\n\n\n\n

O contexto atual \u00e9 particularmente prop\u00edcio \u00e0 utiliza\u00e7\u00e3o e impacto das t\u00e1ticas h\u00edbridas. Em primeiro lugar, o momento atual \u00e9 marcado pela transi\u00e7\u00e3o de poder em curso no sistema internacional, com a decad\u00eancia dos Estados Unidos da Am\u00e9rica (EUA) e a ascens\u00e3o da China. Este contexto \u00e9 caracterizado por uma maior conflitualidade e luta por influ\u00eancia entre as pot\u00eancias, revelando-se as amea\u00e7as h\u00edbridas como um ve\u00edculo para os Estados autocr\u00e1ticos enfraquecerem sociedades democr\u00e1ticas e os seus valores, num jogo de soma nula em que a explora\u00e7\u00e3o das vulnerabilidades do alvo se torna uma fonte de for\u00e7a para o ator h\u00edbrido (Hybrid CoE, n.d.). Em segundo lugar, os desenvolvimentos tecnol\u00f3gicos e o uso generalizado de redes sociais proporcionam aos atores h\u00edbridos um ambiente f\u00e9rtil para as suas a\u00e7\u00f5es, atrav\u00e9s de meios mais eficazes, mais econ\u00f3micos e com menores riscos de atribui\u00e7\u00e3o (Costa, 2021; Hybrid CoE, n.d.). Estas circunst\u00e2ncias possibilitam que os atores h\u00edbridos tenham consideravelmente mais poder sobre os seus alvos do que se forem apenas considerados meios convencionais.<\/p>\n\n\n\n

Face a este panorama preocupante, a Uni\u00e3o Europeia adotou em 2016 o j\u00e1 mencionado \u2018Quadro comum em mat\u00e9ria de luta contra as amea\u00e7as h\u00edbridas\u2019 (Comiss\u00e3o Europeia, 2016). Este quadro clarifica que, por se tratar de uma quest\u00e3o de seguran\u00e7a nacional, o combate \u00e0s amea\u00e7as h\u00edbridas \u00e9 primariamente uma responsabilidade dos Estados Membros, no entanto reconhece a import\u00e2ncia de uma resposta coordenada a n\u00edvel da UE, visto que muitas das amea\u00e7as enfrentadas s\u00e3o comunit\u00e1rias. Neste sentido, o quadro define um conjunto de medidas destinadas a melhorar a coordena\u00e7\u00e3o, das quais se destacam a cria\u00e7\u00e3o do EU Hybrid Fusion Cell<\/em> \u2013 um centro de intelligence<\/em> dedicado somente \u00e0s amea\u00e7as h\u00edbridas, com vista \u00e0 an\u00e1lise e partilha de informa\u00e7\u00f5es dos Estados Membros \u2013 e a iniciativa de cria\u00e7\u00e3o de um Centro de Excel\u00eancia destinado a combater amea\u00e7as h\u00edbridas. Este Centro de Excel\u00eancia, apelidado The European Centre of Excellence for Countering Hybrid Threats<\/em> (Hybrid CoE), foi estabelecido como um centro de excel\u00eancia conjunto da UE e da NATO em 2017, ap\u00f3s o apoio \u00e0 iniciativa expresso na Declara\u00e7\u00e3o Conjunta UE-NATO de 2016 (Presidente do Conselho Europeu, Presidente da Comiss\u00e3o Europeia e Secret\u00e1rio-Geral da Organiza\u00e7\u00e3o do Tratado do Atl\u00e2ntico Norte, 2016), que define as amea\u00e7as h\u00edbridas como uma \u00e1rea de coopera\u00e7\u00e3o priorit\u00e1ria. Em 2018, a Comunica\u00e7\u00e3o Conjunta \u2018Aumentar a resili\u00eancia e refor\u00e7ar a capacidade de enfrentar amea\u00e7as h\u00edbridas\u2019 (Comiss\u00e3o Europeia, 2018a) define medidas adicionais com vista a melhorar a resposta da UE e seus Estados Membros. A esta estrat\u00e9gia de combate \u00e0s amea\u00e7as h\u00edbridas adicionam-se m\u00faltiplos quadros setoriais em \u00e1reas como a desinforma\u00e7\u00e3o (Comiss\u00e3o Europeia, 2018b) e a ciberseguran\u00e7a (Comiss\u00e3o Europeia, 2020a).<\/p>\n\n\n\n

A crise pand\u00e9mica trouxe uma renovada consci\u00eancia da amea\u00e7a e da considera\u00e7\u00e3o que para a combater ser\u00e1 necess\u00e1rio fomentar a resili\u00eancia e a participa\u00e7\u00e3o de todos os setores dos governos (whole-of-government<\/em>) e das sociedades (whole-of-society<\/em>), tanto a n\u00edvel nacional como europeu. Estas reflex\u00f5es expressas na Estrat\u00e9gia da UE para a Uni\u00e3o de Seguran\u00e7a (Comiss\u00e3o Europeia, 2020b) e nas Conclus\u00f5es do Conselho de Dezembro de 2020 (Conselho da Uni\u00e3o Europeia, 2020), procuram, concretamente, a integra\u00e7\u00e3o no quadro geral de elabora\u00e7\u00e3o de pol\u00edticas nacionais e europeias de considera\u00e7\u00f5es sobre amea\u00e7as h\u00edbridas, assim seguindo uma abordagem inclusiva que visa consciencializar e criar resili\u00eancia em todas as frentes.<\/p>\n\n\n\n

II. Contributos da tert\u00falia<\/strong><\/strong><\/span><\/strong><\/p>\n\n\n\n

1. Conceito de amea\u00e7a h\u00edbrida<\/span><\/strong><\/p>\n\n\n\n

O sr. Major-General Agostinho Costa iniciou a sua conceptualiza\u00e7\u00e3o de amea\u00e7as h\u00edbridas pela distin\u00e7\u00e3o entre amea\u00e7as, riscos e desafios. Assim, ao n\u00edvel da estrat\u00e9gia, uma amea\u00e7a s\u00f3 se concretiza quando se verificam simultaneamente duas precondi\u00e7\u00f5es: capacidade e inten\u00e7\u00e3o. Por sua vez, um risco pressup\u00f5e um determinado grau de incerteza, estando relacionado com n\u00edvel de probabilidade e impacto, sendo que, no caso de um risco, n\u00e3o h\u00e1 uma inten\u00e7\u00e3o. Um desafio, por outro lado, diz respeito a cen\u00e1rios, a situa\u00e7\u00f5es cuja ocorr\u00eancia \u00e9 plaus\u00edvel, mas nas quais as a\u00e7\u00f5es tomadas podem ter um papel determinante, como o exemplo das altera\u00e7\u00f5es clim\u00e1ticas.<\/p>\n\n\n\n

Tamb\u00e9m essencial para conceber as amea\u00e7as h\u00edbridas \u00e9 compreender a altera\u00e7\u00e3o de paradigma do espetro das opera\u00e7\u00f5es militares. Anteriormente adotava-se uma vis\u00e3o de causa-efeito newtoniana, assente em vari\u00e1veis independentes. Esta vis\u00e3o interpretava a conflitualidade como um gradiente, desde a paz total ao expoente m\u00e1ximo da guerra, a guerra nuclear, seguindo uma sequ\u00eancia linear de acontecimentos de escalada do n\u00edvel de conflitualidade. Esta vis\u00e3o j\u00e1 n\u00e3o reflete a realidade da conflitualidade atual, visto que se deu uma altera\u00e7\u00e3o do paradigma. Enquanto anteriormente, a guerra, na conceptualiza\u00e7\u00e3o cl\u00e1ssica\/realista, tinha por objetivo a destrui\u00e7\u00e3o do inimigo ou da sua vontade de combater, o conceito de seguran\u00e7a humana, adotado pelas Na\u00e7\u00f5es Unidas no Relat\u00f3rio do Desenvolvimento Humano de 1994 (PNUD, 1994) veio alterar este paradigma ao deslocar a centralidade da seguran\u00e7a do Estado para a pessoa humana e assim alargando a vis\u00e3o da seguran\u00e7a e do que constitui uma amea\u00e7a. Nesta perspetiva, que diz respeito \u00e0 teoria dos sistemas aplicada \u00e0 conflitualidade, a sociedade \u00e9 encarada como um sistema complexo e adaptativo e a conflitualidade \u00e9 interpretada como sendo uma consequ\u00eancia da intera\u00e7\u00e3o entre vari\u00e1veis interdependentes.<\/p>\n\n\n\n

Uma vez introduzidos estes aspetos introdut\u00f3rios, o Sr. Major-General afirmou que \u00e9 essencial olhar para as amea\u00e7as h\u00edbridas n\u00e3o isoladamente, mas sim no conceito das formas de conflitualidade em que se enquadram, nomeadamente no contexto dos conflitos h\u00edbridos e da zona cinzenta do espectro da guerra. Para isto importa-nos tamb\u00e9m definir estes conceitos. Os conflitos h\u00edbridos s\u00e3o aqueles que n\u00e3o s\u00e3o nem convencionais, nem irregulares, isto \u00e9, nem \u00e9 um conflito conduzido da forma convencional, nem \u00e9 um conflito de guerra de guerrilha ou subversivo. Os conflitos da zona cinzenta posicionam-se num patamar acima da simples competi\u00e7\u00e3o entre Estados, mas abaixo do n\u00edvel do conflito. O objetivo \u00e9 justamente sustentar uma caracter\u00edstica amb\u00edgua, mantendo a conflitualidade abaixo do n\u00edvel do conflito armado, com vista \u00e0 paralisa\u00e7\u00e3o do advers\u00e1rio estrat\u00e9gico, impedindo-o de ter tempo e capacidade suficiente para acionar os mecanismos de defesa.<\/p>\n\n\n\n

Na pr\u00e1tica, a principal caracter\u00edstica distintiva dos conflitos ou guerras h\u00edbridas prende-se com a maior relev\u00e2ncia de outros instrumentos al\u00e9m do militar. Ao passo que anteriormente a a\u00e7\u00e3o militar era absolutamente independente de outras formas de conflitualidade no terreno, neste novo contexto de conflitualidade, os intervenientes utilizam todos os meios de poder \u00e0 sua disposi\u00e7\u00e3o, sejam eles diplom\u00e1ticos, informacionais, militares, econ\u00f3micos ou comunicacionais (DIMEC), coordenando-os ao n\u00edvel da a\u00e7\u00e3o t\u00e1tica (i.e<\/em>. no terreno), numa l\u00f3gica de whole-of-government warfare<\/em>. Neste sentido, os conflitos h\u00edbridos s\u00e3o de facto guerras pluriag\u00eancia, em que o instrumento militar \u00e9 apenas um de muitos, sendo que este componente convencional pode nem ser exercido. Al\u00e9m disso, a guerra h\u00edbrida n\u00e3o se processa de modo consequencial, n\u00e3o se verifica uma l\u00f3gica de sequ\u00eancia da escalada de conflitualidade.<\/p>\n\n\n\n

O sr. Major-General destaca ainda que os conflitos h\u00edbridos n\u00e3o apenas prerrogativa dos competidores estrat\u00e9gicos do Ocidente, apresentando como exemplo as chamadas \u2018revolu\u00e7\u00f5es coloridas\u2019, que considera terem sido provocadas pelos EUA atrav\u00e9s do uso de instrumentos de desestabiliza\u00e7\u00e3o, como meios de comunica\u00e7\u00e3o e plataformas do ciberespa\u00e7o.<\/p>\n\n\n\n

1.1 A\u00e7\u00f5es das amea\u00e7as h\u00edbridas<\/span><\/strong><\/p>\n\n\n\n

Como j\u00e1 mencionado, as amea\u00e7as h\u00edbridas normalmente consubstanciam uma combina\u00e7\u00e3o de atividades convencionais com n\u00e3o convencionais, militares com n\u00e3o militares, com recurso a atores estatais com atores n\u00e3o estatais. Neste sentido, processam-se num quadro multidimensional, com recurso ao emprego de todos os instrumentos do Estado, atrav\u00e9s de uma mistura de meios e capacidades com a finalidade de atingir objetivos pol\u00edticos.<\/p>\n\n\n\n

Estas a\u00e7\u00f5es tendem a ser dirigidas para vulnerabilidades cr\u00edticas, com o objetivo de criar um clima de confus\u00e3o e caos social, de modo a condicionar os mecanismos de decis\u00e3o pol\u00edtica. Um exemplo disto s\u00e3o ciberataques contra sistemas cr\u00edticos de informa\u00e7\u00e3o, como sistemas banc\u00e1rios e sistemas de fornecimento de energia, que t\u00eam o potencial de paralisar um pa\u00eds. Estas amea\u00e7as tamb\u00e9m se podem materializar na utiliza\u00e7\u00e3o n\u00e3o convencional de meios nucleares, biol\u00f3gicos, qu\u00edmicos e radiol\u00f3gicos (NBQR), como o exemplo do envenenamento de Alexei Navalny com o agente qu\u00edmico Novichok. No entanto, as a\u00e7\u00f5es mais comuns s\u00e3o as a\u00e7\u00f5es de comunica\u00e7\u00e3o e informa\u00e7\u00e3o, nomeadamente atrav\u00e9s de campanhas de desinforma\u00e7\u00e3o, que tanto podem ter como prop\u00f3sito alterar as perce\u00e7\u00f5es da opini\u00e3o p\u00fablica, como interferir em elei\u00e7\u00f5es. Por fim, apesar de menos comum, tamb\u00e9m o uso de a\u00e7\u00e3o militar direta se insere no quadro de uma amea\u00e7a h\u00edbrida.<\/p>\n\n\n\n

1.2 Objetivos dos atores h\u00edbridos<\/span><\/strong><\/p>\n\n\n\n

Os atores h\u00edbridos atuam no quadro de uma forma de atua\u00e7\u00e3o que tem um objetivo final. Segundo o Sr. Major-General, ao n\u00edvel da a\u00e7\u00e3o estrat\u00e9gica, o paradigma atual, como assumido no Comprehensive Operations Planning Directive (SHAPE, 2013), um manual de refer\u00eancia da NATO, os conflitos seguem uma l\u00f3gica de efeitos (effect-based operations). Assim, as a\u00e7\u00f5es, s\u00e3o realizadas com o objetivo de conduzir a efeitos, que assegurem condi\u00e7\u00f5es decisivas, de modo a se atingir objetivos rumo ao estado final desejado. Portanto, as a\u00e7\u00f5es s\u00e3o sempre o in\u00edcio de uma sequ\u00eancia em rede e o planeamento das a\u00e7\u00f5es \u00e9 realizado por linhas de opera\u00e7\u00e3o, que n\u00e3o s\u00e3o apenas de car\u00e1ter militar. Para melhor compreender isto, o Sr. Major-General apresentou uma analogia com jogos de tabuleiro. A imagem da guerra do anteriormente \u00e9 representada por um jogo de xadrez: as diferentes pe\u00e7as do jogo t\u00eam fun\u00e7\u00f5es diferenciadas e movimentos r\u00edgidos, s\u00f3 se podendo movimentar em determinadas dire\u00e7\u00f5es, existe um centro de gravidade, o rei, e o objetivo do jogo \u00e9 a vit\u00f3ria absoluta atrav\u00e9s do xeque-mate. Em contraste, a l\u00f3gica da conflitualidade atual \u00e9 melhor representada pelo jogo chin\u00eas Go, que s\u00f3 tem 4 regras, com uma enorme liberdade de movimento das pe\u00e7as, e cujo objetivo \u00e9 bloquear o outro jogador de modo a no final se ficar numa posi\u00e7\u00e3o de vantagem e com mais pontos.<\/p>\n\n\n\n

2. Implica\u00e7\u00f5es para a UE<\/span><\/strong><\/p>\n\n\n\n

2.1 Crise da Ucr\u00e2nia e R\u00fassia<\/span>[1]<\/span><\/strong><\/a><\/strong><\/p>\n\n\n\n

Em resposta a uma quest\u00e3o colocada pela audi\u00eancia em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 crise da Ucr\u00e2nia, o sr. Major-General destaca a complicada natureza do mapa do pa\u00eds e da regi\u00e3o. Em particular, refere que as fronteiras da Ucr\u00e2nia atual foram desenhadas pela Uni\u00e3o Sovi\u00e9tica, sendo que a regi\u00e3o do Estado a Este do Rio Dniepre foi R\u00fassia at\u00e9 ao s\u00e9culo XIX e que a pen\u00ednsula da Crimeia foi oferecida \u00e0 Ucr\u00e2nia por Nikita Khrushchev  De seguida, parte para os diferentes n\u00edveis de import\u00e2ncia atribu\u00eddos \u00e0 Ucr\u00e2nia pela R\u00fassia, pela Europa Ocidental e pelos EUA, sendo que, na sua perspetiva, o valor atribu\u00eddo \u00e0 Ucr\u00e2nia pela R\u00fassia \u00e9 significantemente maior que pelo Ocidente. Refere ainda que, \u00e0 data da tert\u00falia, as negocia\u00e7\u00f5es para a resolu\u00e7\u00e3o da crise da Ucr\u00e2nia se davam entre a R\u00fassia e os EUA, sendo que a UE foi largamente mantida \u00e0 parte destas.<\/p>\n\n\n\n

Em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 depend\u00eancia energ\u00e9tica da UE do g\u00e1s russo, afastou a possibilidade de um corte por parte da R\u00fassia, devido \u00e0 sua depend\u00eancia or\u00e7amental das exporta\u00e7\u00f5es energ\u00e9ticas para a UE. Similarmente, da perspetiva europeia, considera que a situa\u00e7\u00e3o de depend\u00eancia se tender\u00e1 a manter, uma vez que, na sua perspetiva, esta depend\u00eancia n\u00e3o poder\u00e1 ser mitigada rapidamente, mesmo no contexto da transi\u00e7\u00e3o energ\u00e9tica em curso, visto que o hidrog\u00e9nio cinzento \u00e9 produzido atrav\u00e9s do g\u00e1s.<\/p>\n\n\n\n

2.2 Respostas estrat\u00e9gicas<\/span><\/strong><\/p>\n\n\n\n

Foi colocada pela audi\u00eancia uma quest\u00e3o de enquadramento, que inquiria se os conceitos estrat\u00e9gicos europeu e da NATO necessitam de ser readaptados, face \u00e0 utiliza\u00e7\u00e3o de amea\u00e7as h\u00edbridas para colocar press\u00e3o sobre a ordem liberal internacional por pot\u00eancias que a desafiam. Em particular, a quest\u00e3o fez refer\u00eancia \u00e0 R\u00fassia e \u00e0 sua Doutrina Gerasimov, idealizada pelo General Valery Gerasimov, Chefe do Estado-Maior General das For\u00e7as Armadas da R\u00fassia. O sr. Major-General inicia a sua resposta expondo que, essencialmente, a ideia de guerra que o Ocidente tem n\u00e3o corresponde \u00e0 ideia de guerra na R\u00fassia, sendo que o conceito de conflito h\u00edbrido \u00e9 ocidental e n\u00e3o existe na R\u00fassia. Ali\u00e1s, segundo o Major-General, a R\u00fassia considera-se em guerra com o Ocidente, sendo que na R\u00fassia predominam as correntes de pensamento euroasianistas, como a de Lev Gumilev e de outros pensadores que tendem a ter uma profunda desconfian\u00e7a do Ocidente.<\/p>\n\n\n\n

Assim considera que, uma vez que, o ambiente operacional, a forma de condu\u00e7\u00e3o da conflitualidade e a pr\u00f3pria natureza da abordagem de seguran\u00e7a se alteraram, os conceitos estrat\u00e9gicos t\u00eam que ser devidamente alinhados para corresponder a esta nova realidade. Quanto ao conceito estrat\u00e9gico da NATO, refere que a ideia tem que ser ajustada, visto que reflete a l\u00f3gica da conflitualidade representada tabuleiro de xadrez, e tem que ter em conta a whole-of-government warfare<\/em>, mais pr\u00f3xima da l\u00f3gica do jogo chin\u00eas Go, como j\u00e1 mencionado. Quanto \u00e0 UE, o sr. Major-General considera que esta tem um d\u00e9fice significativo de pol\u00edtica, de capacidades e de ideia estrat\u00e9gica por si mesma. Considera que a UE tem que ser soberana, em p\u00e9 de igualdade com outras pot\u00eancias, para poder ter um verdadeiro conceito estrat\u00e9gico.<\/p>\n\n\n\n

3. Considera\u00e7\u00f5es finais<\/span><\/strong><\/p>\n\n\n\n

Apesar de considerar positivo o desenvolvimento de estrat\u00e9gias, documentos, ideias e instrumentos da UE para combate \u00e0s amea\u00e7as h\u00edbridas, referindo, em particular a Hybrid Fusion Cell<\/em>, integrada na European Union Intelligence and Situation Centre<\/em> (EU INTCEN), as taskforces<\/em> com vista a monitorizar a desinforma\u00e7\u00e3o, a p\u00e1gina web EUvsDisinfo, o European Centre of Excellence for Countering Hybrid Threats <\/em>(Hybrid CoE) e o desenvolvimento da capacidades no \u00e2mbito da PESCO para resposta aos ciberataques, o sr. Major General considera fundamental que a UE desenvolva uma estrat\u00e9gia de comunica\u00e7\u00e3o aut\u00f3noma. O sr. Major-General Agostinho Costa termina a sua interven\u00e7\u00e3o com um apelo ao desenvolvimento de uma capacidade de seguran\u00e7a e defesa aut\u00f3noma da UE, de modo a que o bloco se constitua como uma entidade substantiva e relevante no seio da NATO e seja capaz de fazer valer os seus interesses no plano internacional em p\u00e9 de igualdade com outras grandes pot\u00eancias. Considera que a UE deve desenvolver uma pol\u00edtica externa centrada numa ideia estrat\u00e9gica da Uni\u00e3o, com a ambi\u00e7\u00e3o de ser uma pot\u00eancia global, al\u00e9m do soft power <\/em>e da economia. Para isto \u00e9 essencial que a UE defina uma ideia sobre a ordem internacional que v\u00e1 al\u00e9m de l\u00f3gicas de soma zero e que esclare\u00e7a a sua rela\u00e7\u00e3o com o seu vizinho a leste. Essencialmente, a UE tem que definir um rumo de futuro, atrav\u00e9s da liberdade de discuss\u00e3o de ideias que a democracia nos permite. Terminando com uma nota positiva, considera que estas considera\u00e7\u00f5es ser\u00e3o cada vez mais poss\u00edveis, tendo em conta o apego das novas gera\u00e7\u00f5es \u00e0 UE como espa\u00e7o de livre circula\u00e7\u00e3o, liberdade e elevado n\u00edvel de vida.<\/p>\n\n\n\n


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26 de janeiro de 2022<\/p>\n\n\n\n

Rita Costa<\/em><\/strong>
EuroDefense Jovem Portuga<\/em>l<\/p>\n\n\n\n


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Refer\u00eancias<\/strong><\/strong><\/strong><\/span><\/strong><\/p>\n\n\n\n

Andersson, J. J. & Tardy, T. (2015). Hybrid: what\u2019s in a name? <\/em>European Union Institute for Security Studies.<\/p>\n\n\n\n

Comiss\u00e3o Europeia. (2016). Comunica\u00e7\u00e3o Conjunta ao Parlamento Europeu e ao Conselho \u2013 Quadro comum em mat\u00e9ria de luta contra as amea\u00e7as h\u00edbridas: uma resposta da Uni\u00e3o Europeia.<\/em> https:\/\/eur-lex.europa.eu\/legal-content\/PT\/TXT\/PDF\/?uri=CELEX:52016JC0018&from=EN<\/span><\/a><\/p>\n\n\n\n

Comiss\u00e3o Europeia. (2018). Comunica\u00e7\u00e3o Conjunta ao Parlamento Europeu, ao Conselho Europeu e ao Conselho \u2013 Aumentar a resili\u00eancia e refor\u00e7ar a capacidade de enfrentar amea\u00e7as h\u00edbridas.<\/em> https:\/\/eur-lex.europa.eu\/legal-content\/PT\/TXT\/PDF\/?uri=CELEX:52018JC0016&from=PT<\/span><\/a><\/p>\n\n\n\n

Comiss\u00e3o Europeia. (2018b). Joint Communication to the European Parliament, the European Council, the Council, the European Economic and Social Committee and the Committee of the Regions \u2013 Action Plan against Disinformation.<\/em> https:\/\/eeas.europa.eu\/sites\/default\/files\/action_plan_against_disinformation.pdf<\/span><\/a><\/p>\n\n\n\n

Comiss\u00e3o Europeia. (2020a). Joint Communication to the European Parliament and the Council \u2013 The EU\u2019s Cybersecurity Strategy for the Digital Decade.<\/em> https:\/\/eur-lex.europa.eu\/legal-content\/EN\/TXT\/PDF\/?uri=CELEX:52020JC0018&from=EN<\/span><\/a><\/p>\n\n\n\n

Comiss\u00e3o Europeia. (2020b). Comunica\u00e7\u00e3o da Comiss\u00e3o ao Parlamento Europeu, ao Conselho Europeu, ao Conselho, ao Comit\u00e9 Econ\u00f3mico e Social e ao Comit\u00e9 das Regi\u00f5es sobre a Estrat\u00e9gia da UE para a Uni\u00e3o de Seguran\u00e7a.<\/em> https:\/\/eur-lex.europa.eu\/legal-content\/PT\/TXT\/PDF\/?uri=CELEX:52020DC0605&from=EN<\/span><\/a><\/p>\n\n\n\n

Conselho da Uni\u00e3o Europeia. (2020). Council conclusions on strengthening resilience and countering hybrid threats, including disinformation in the context fo the COVID-19 pandemic.<\/em> https:\/\/data.consilium.europa.eu\/doc\/document\/ST-14064-2020-INIT\/en\/pdf<\/span><\/a><\/p>\n\n\n\n

Costa, R. (2021). Hybrid Threats in the Context of European Security \u2013 Report of the international conference organized at the National Defence Institute (IDN) on 18 May 2021 under the framework of the Portuguese Presidency of the Council of the European Union.<\/em> Instituto da Defesa Nacional (IDN E-Briefing Papers).<\/p>\n\n\n\n

Hybrid CoE. (n.d.). Hybrid threats as a concept.<\/em> https:\/\/www.hybridcoe.fi\/hybrid-threats-as-a-phenomenon\/<\/span><\/a><\/p>\n\n\n\n

Presidente do Conselho Europeu, Presidente da Comiss\u00e3o Europeia e Secret\u00e1rio-Geral da Organiza\u00e7\u00e3o do Tratado do Atl\u00e2ntico Norte. (2016). Joint Declaration by the President of the European Council, the President of the European Commission, and the Secretary General of the North Atlantic Treaty Organization. <\/em>https:\/\/www.consilium.europa.eu\/media\/21481\/nato-eu-declaration-8-july-en-final.pdf<\/span><\/a><\/p>\n\n\n\n

PNUD. (1994) Human Development Report.<\/em> https:\/\/hdr.undp.org\/sites\/default\/files\/reports\/255\/hdr_1994_en_complete_nostats.pdf<\/span><\/a><\/p>\n\n\n\n

SHAPE. 2013. Allied Command Operations Comprehensive Operations Planning Directive<\/em>.<\/p>\n\n\n\n


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[1]<\/span><\/a> Tal como j\u00e1 mencionado anteriormente, esta tert\u00falia teve lugar a 26 de janeiro de 2022. Neste sentido, ocorreu antes da invas\u00e3o russa da Ucr\u00e2nia com in\u00edcio a 24 de fevereiro de 2022, apesar de num momento de elevadas tens\u00f5es com R\u00fassia, dado as suas for\u00e7as militares j\u00e1 se encontrarem nas fronteiras com a Ucr\u00e2nia. Esta considera\u00e7\u00e3o deve ser tida especialmente em conta ao longo da leitura desta subse\u00e7\u00e3o<\/p>\n\n\n\n

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