{"id":9062,"date":"2023-01-26T13:00:49","date_gmt":"2023-01-26T13:00:49","guid":{"rendered":"https:\/\/eurodefense.pt\/?p=9062"},"modified":"2023-02-20T17:56:34","modified_gmt":"2023-02-20T17:56:34","slug":"veiculos-aereos-nao-tripulados-drones-conceito-historia-e-desafios","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/eurodefense.pt\/veiculos-aereos-nao-tripulados-drones-conceito-historia-e-desafios\/","title":{"rendered":"Ve\u00edculos a\u00e9reos n\u00e3o tripulados (drones): Conceito, hist\u00f3ria e desafios"},"content":{"rendered":"\n

O que s\u00e3o drones? Como surgiram? Que desafios existem no \u00e2mbito do contraterrorismo? Os terroristas t\u00eam interesse neste tipo de tecnologia? De forma sint\u00e9tica, este artigo aborda estas quest\u00f5es em quatro t\u00f3picos.<\/p>\n\n\n\n

1. Conceito de UAV<\/span><\/strong><\/p>\n\n\n\n

Os ve\u00edculos a\u00e9reos n\u00e3o tripulados (em ingl\u00eas, Unmanned Aerial Vehicles, <\/em>UAV), vulgarmente conhecidos por drones, s\u00e3o aeronaves que funcionam sem piloto a bordo. A sigla UAV – ou UAS<\/span><\/a> (Unmanned Aircraft Systems<\/em>) – \u00e9 genericamente utilizada para se referir a dois significados: um dispositivo que funciona autonomamente, sem interven\u00e7\u00e3o humana, ou que \u00e9 controlado remotamente.<\/p>\n\n\n\n

2. Breve hist\u00f3ria do desenvolvimento de UAV’s<\/span><\/strong><\/p>\n\n\n\n

De acordo com o Tenente-General Alfredo Cruz da For\u00e7a A\u00e9rea Portuguesa (2020<\/span><\/a>), \u201co desenvolvimento e o interesse dos militares em ve\u00edculos a\u00e9reos n\u00e3o tripulados ou remotamente tripulados come\u00e7aram paralelamente com o in\u00edcio da avia\u00e7\u00e3o\u201d. Os Estados Unidos da Am\u00e9rica (EUA) e o Reino Unido foram os pioneiros deste interesse, nomeadamente atrav\u00e9s de v\u00e1rias experi\u00eancias realizadas durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Segundo Cruz, em 1916 os EUA constru\u00edram o primeiro avi\u00e3o sem piloto a bordo e, de acordo com o Imperial War Museum<\/em> (IWM<\/span><\/a>), em 1917 os brit\u00e2nicos realizaram os primeiros testes com uma aeronave controlada atrav\u00e9s de ondas de r\u00e1dio, cujo voo ficou conhecido por \u201caerial target\u201d. Neste per\u00edodo, a Marinha norte-americana tamb\u00e9m iniciou o desenvolvimento<\/span><\/a> dos \u201ctorpedos a\u00e9reos\u201d, experimentados em 1918. Por\u00e9m, nenhum destes sistemas foi utilizado na guerra.<\/p>\n\n\n\n

Com o fim da Primeira Guerra, norte-americanos e brit\u00e2nicos continuaram o desenvolvimento de UAVs. Durante o per\u00edodo entre guerras (1919-1939), marcado pela polariza\u00e7\u00e3o pol\u00edtica, entre a reconstru\u00e7\u00e3o da Europa e o advento dos nacionalismos, o Reino Unido desenvolveu o modelo DH.82B Queen Bee (1935), que se julga ter inspirado a utiliza\u00e7\u00e3o da terminologia de \u201cdrone\u201d, designa\u00e7\u00e3o coloquial para \u201czang\u00e3o\u201d.<\/p>\n\n\n\n

O advento da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) despertou o interesse das for\u00e7as aliadas e do Eixo nesta nova tecnologia. Por exemplo, a Alemanha desenvolveu a \u201cbomba voadora guiada\u201d, designada por V-1, que foi lan\u00e7ada em 1944 contra as ilhas brit\u00e2nicas, dias depois do desembarque na Normandia (Dia D).<\/p>\n\n\n\n

Com o fim da Segunda Guerra e o subsequente in\u00edcio da Guerra Fria (1945-1989), o desenvolvimento e utiliza\u00e7\u00e3o de UAVs foi aprimorado, especialmente nas d\u00e9cadas de 1960 e 1970, durante a guerra do Vietname (1955-1975). Foi durante este conflito que foram utilizados os primeiros UAVs em larga escala, para miss\u00f5es de reconhecimento (embora com sucesso limitado). A partir de 1980, v\u00e1rios estados come\u00e7aram a desenvolver interesse na tecnologia n\u00e3o tripulada e desenvolveram-se modelos sofisticados que passaram a servir novas fun\u00e7\u00f5es, tais como o lan\u00e7amento de m\u00edsseis contra alvos fixos, ou a distribui\u00e7\u00e3o de panfletos para opera\u00e7\u00f5es psicol\u00f3gicas (psyops<\/em>). A d\u00e9cada de 1990 acentuou o interesse na utiliza\u00e7\u00e3o de drones: por exemplo, segundo Cruz, \u201ca opera\u00e7\u00e3o NATO \u201cAllied Force\u201d no Kosovo, em 1999, representou a primeira utiliza\u00e7\u00e3o na Europa dos UAV num conflito armado\u201d. Ap\u00f3s os atentados do 11 de setembro de 2001, esse interesse cresceu significativamente.<\/p>\n\n\n\n

Atualmente, os drones s\u00e3o utilizados tanto por civis como militares, sendo empregados para uma mir\u00edade de fun\u00e7\u00f5es<\/span><\/a>, pac\u00edficas, desde a monitoriza\u00e7\u00e3o de cat\u00e1strofes naturais passando pela agricultura, a emerg\u00eancia m\u00e9dica, a energia, a seguran\u00e7a p\u00fablica, at\u00e9 \u00e0 cinematografia. Por\u00e9m, \u00e9 o uso desta tecnologia como uma arma de guerra que suscita maior controv\u00e9rsia. Por um lado, no meio militar, com a sua utiliza\u00e7\u00e3o pelos estados num conflito armado, nomeadamente no \u00e2mbito do contraterrorismo, em miss\u00f5es de reconhecimento, vigil\u00e2ncia e targeted killings<\/em>. Por outro lado, no \u00e2mbito da designada guerra assim\u00e9trica, pela sua poss\u00edvel utiliza\u00e7\u00e3o por parte de grupos terroristas.<\/p>\n\n\n\n

3. Drones: uma tecnologia ao servi\u00e7o dos Estados (contraterrorismo)<\/span><\/strong><\/p>\n\n\n\n

\u201cThe armed drone is really one of the defining weapons of the post 9-11 period.\u201d (Imperial War Museum<\/span><\/a>)<\/p>\n\n\n\n

\u201cBrandon Bryant (drone operator): I joined the military to serve my country. (\u2026) Then they played a montage video of drone strikes. [The Sergeant says], “Your job is to kill people and break things. And I was just like, holy s*, what am I doing?!\u201d<\/p>\n\n\n\n

(\u2026) My first shot was in (\u2026) Afghanistan. I killed 3 people. Two of them were obliterated into pieces. And one of them, watched him bleed out.\u201d(National Geographic<\/span><\/a>)<\/p>\n\n\n\n

\u201cThe armed drones the CIA has been flying over Pakistan didn’t kill Osama bin Laden, but drones undoubtedly played a key role in finding him, preparing the way for the raid that got him, and conducting the raid itself.\u201d (Wilson Center<\/span><\/a>)<\/p>\n\n\n\n

Os ataques terroristas do 11 de setembro de 2001, e subsequente declara\u00e7\u00e3o da \u201cguerra global contra o terror\u201d (GWOT) pela administra\u00e7\u00e3o de George W. Bush (2001-2009) impulsionaram o uso de drones por parte dos Estados, especialmente os EUA que os utilizaram na guerra do Afeganist\u00e3o (2001). Segundo o IWM<\/span><\/a>, \u201cdrones became a key weapon in the fight because of where the fight took place, initially against al-Qaeda in Pakistan and Afghanistan (\u2026). These were remote and inaccessible places that militaries has generally not been able to reach before\u201d. Atualmente (2020<\/span><\/a>) s\u00e3o v\u00e1rios os Estados que possuem drones e que j\u00e1 os utilizaram em conflitos armados – como \u00e9 o caso de Israel, Reino Unido, Paquist\u00e3o, Iraque, Ir\u00e3o, Turquia – ou que est\u00e3o a desenvolver este tipo de capacidades. Al\u00e9m dos Estados, tamb\u00e9m a Organiza\u00e7\u00e3o das Na\u00e7\u00f5es Unidas j\u00e1 recorreu ao uso de drones em miss\u00f5es de peacekeeping<\/em>, tal como aconteceu em 2014<\/span><\/a>, na miss\u00e3o MONUSCO, na Rep\u00fablica Democr\u00e1tica do Congo, para monitorizar grupos rebeldes na fronteira com o Ruanda.<\/p>\n\n\n\n

Os EUA t\u00eam estado na mira das cr\u00edticas. Em 2017<\/span><\/a>, uma investiga\u00e7\u00e3o do The Bureau of Investigative Journalism <\/em>revelou que a administra\u00e7\u00e3o de Barack Obama realizou 10 vezes mais ataques de drones do que a antecessora. S\u00f3 no primeiro ano da presid\u00eancia de Obama, a administra\u00e7\u00e3o supervisionou mais ataques do que Bush durante todo o mandato. A utiliza\u00e7\u00e3o de drones em opera\u00e7\u00f5es de contraterrorismo foi justificada pelas administra\u00e7\u00f5es sob o argumento de constituir uma t\u00e9cnica \u201cmais precisa e cir\u00fargica\u201d, logo capaz de reduzir as baixas militares e evitar efeitos colaterais, protegendo \u201chomens, mulheres e crian\u00e7as inocentes\u201d. As estat\u00edsticas<\/span><\/a> do n\u00famero de ataques, as baixas e a literatura acad\u00e9mica demostram o contr\u00e1rio, verificando-se uma narrativa diferente do que a esperada: existem baixas e efeitos colaterais.<\/p>\n\n\n\n

Por norma, no \u00e2mbito do contraterrorismo, os drones s\u00e3o utilizados para levar a cabo os designados \u201ctargeted killings<\/span><\/a><\/em>\u201d, ou seja, o assassinato planeado de l\u00edderes de grupos terroristas. Por exemplo, Israel utiliza esta t\u00e9cnica desde a d\u00e9cada de 1950; uma op\u00e7\u00e3o pol\u00edtica que ficou especialmente conhecida com a Opera\u00e7\u00e3o C\u00f3lera de Deus<\/em>, a opera\u00e7\u00e3o secreta de Golda Meir para matar todos os participantes e apoiantes do ataque terrorista nos Jogos Ol\u00edmpicos de Munique em 1972. De acordo com Calhoun (2016<\/span><\/a>), os defensores argumentam que o uso de drones em um conflito armado \u00e9 importante porque \u201creduz os poss\u00edveis danos colaterais e previne as baixas militares\u201d. Os opositores consideram que \u00e9 um m\u00e9todo ineficaz n\u00e3o s\u00f3 porque existem efeitos colaterais, mas tamb\u00e9m porque t\u00eam um efeito limitado na erradica\u00e7\u00e3o de um grupo terrorista. O filme \u201cEye in the Sky<\/span><\/a>\u201d (2016), que retrata uma opera\u00e7\u00e3o contraterrorista no Qu\u00e9nia com recurso a drones (ficcional), questiona a \u201cmoralidade\u201d de uma opera\u00e7\u00e3o deste tipo, ilustrando a dualidade de argumentos.<\/p>\n\n\n\n

4. Drones: uma tecnologia apetec\u00edvel para os terroristas<\/span><\/strong><\/p>\n\n\n\n

\u201cDrones have become a trusted tool in the arsenal of non-state actors seeking to engage in asymmetric attacks against a more powerful adversary<\/strong>. Besides Hezbollah, a range of militant and terrorist groups deploy drones in their operations, including the so-called Islamic State, Palestinian Hamas, Boko Haram in Nigeria, and the Houthi rebels in Yemen.\u201d (Soufan Center<\/span><\/a>)<\/p>\n\n\n\n

\u201cEmerging technologies present terrorists and violent extremists with myriad options that terrorists in the past never had. Drones, 3-D printed weapons, virtual currencies, and end-to-end encryption offer lone actors sophisticated capabilities.\u201d (Colin P. Clarke<\/span><\/a>)<\/p>\n\n\n\n

Segundo as Na\u00e7\u00f5es Unidas (2019<\/span><\/a>), os grupos terroristas t\u00eam manifestado interesse em utilizar drones para a prossecu\u00e7\u00e3o das suas atividades, nomeadamente a perpetra\u00e7\u00e3o de ataques, vigil\u00e2ncia e propaganda. S\u00e3o v\u00e1rios os desafios, incluindo a poss\u00edvel aquisi\u00e7\u00e3o ou desenvolvimento de drones armados com agentes NRBQ (nucleares, radiol\u00f3gicos, biol\u00f3gicos e qu\u00edmicos); ou a utiliza\u00e7\u00e3o de drones para a realiza\u00e7\u00e3o de ciberataques. A Estrat\u00e9gia da UE para a Uni\u00e3o da Seguran\u00e7a (2020<\/span><\/a>) alerta: \u201cEstes dispositivos [drones] t\u00eam potencial para serem utilizados de forma abusiva por criminosos e terroristas, amea\u00e7ando particularmente os espa\u00e7os p\u00fablicos. Os alvos podem incluir pessoas (\u2026) infraestruturas cr\u00edticas, autoridades policiais, fronteiras ou espa\u00e7os p\u00fablicos\u201d.<\/p>\n\n\n\n

Registam-se diversas manifesta\u00e7\u00f5es de interesse e experi\u00eancias, das quais destacamos alguns exemplos. Em finais de 1993, o grupo Aum Shinrikyo – o respons\u00e1vel pelo ataque com sarin<\/em> em T\u00f3quio (1995) – foi o primeiro a manifestar interesse em usar drones. Em 2009, insurgentes iraquianos conseguiram intercetar\/hackear drones norte-americanos. Em 2015, um cidad\u00e3o conseguiu sobrevoar um drone com areia radioativa (radioactive sand<\/em>) sobre a resid\u00eancia oficial do Primeiro-Ministro Japon\u00eas Shinzo Abe. Em 2019, a Fran\u00e7a alertou para um poss\u00edvel ataque terrorista biol\u00f3gico num est\u00e1dio de futebol, com recurso a um drone (o que faz lembrar o enredo do filme \u201cUnlocked<\/span><\/a>\u201d). Al\u00e9m disso, j\u00e1 existem v\u00e1rios grupos terroristas com acesso a UAVs, como o Daesh<\/em>, que j\u00e1 disp\u00f5e de um programa<\/span><\/a> para a utiliza\u00e7\u00e3o de drones armados pelo menos desde 2017.<\/p>\n\n\n\n

Em uma recente publica\u00e7\u00e3o do CTED (United Nations Security Council Counter-Terrorism Committee Executive Directorate<\/em>) (2022<\/span><\/a>), as Na\u00e7\u00f5es Unidas esclarecem que o risco de aquisi\u00e7\u00e3o deste tipo de tecnologia por parte de grupos terroristas existe, sendo agravado por m\u00faltiplos fatores, incluindo a escassa regula\u00e7\u00e3o do mercado de drones, o acesso a explosivos ou a conhecimento t\u00e9cnico. No entanto, apesar da necess\u00e1ria vigil\u00e2ncia e preven\u00e7\u00e3o, reconhecida na Resolu\u00e7\u00e3o 2370<\/span><\/a> (2017) do Conselho de Seguran\u00e7a, a exist\u00eancia do risco n\u00e3o significa necessariamente que a utiliza\u00e7\u00e3o de drones para a realiza\u00e7\u00e3o de ataques terroristas seja considerada como um instrumento primordial. Ali\u00e1s, os relat\u00f3rios TE-SAT da Europol demonstram que tanto a al-Qaeda como o Daesh t\u00eam apelado a ataques menos sofisticados, com recurso a armas brancas.<\/p>\n\n\n\n


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26 de janeiro de 2023<\/p>\n\n\n\n

Joana Ara\u00fajo Lopes<\/strong> \u00e9 Doutoranda em \u201cHist\u00f3ria, Estudos de Seguran\u00e7a e Defesa\u201d no ISCTE. \u00c9 bolseira da FCT e trabalha numa tese sobre o contraterrorismo em Portugal e Espanha, no contexto da Uni\u00e3o Europeia (2004-2020). \u00c9 Mestre em Ci\u00eancia Pol\u00edtica e Rela\u00e7\u00f5es Internacionais pela Universidade NOVA de Lisboa (2017). Trabalhou como estagi\u00e1ria na Embaixada Americana em Lisboa (Assuntos Consulares), no Minist\u00e9rio dos Neg\u00f3cios Estrangeiros (MNE) (Dire\u00e7\u00e3o-Geral de Pol\u00edtica Externa) e no Instituto da Defesa Nacional (IDN). Os seus principais interesses de investiga\u00e7\u00e3o incidem sobre a seguran\u00e7a internacional, o terrorismo, o contraterrorismo, a radicaliza\u00e7\u00e3o, o extremismo violento e a diplomacia.<\/p>\n\n\n\n

https:\/\/ciencia.iscte-iul.pt\/authors\/joana-araujo-lopes\/cv<\/span><\/a><\/p>\n\n\n\n

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NOTA<\/strong>:<\/p>\n\n\n\n