{"id":9160,"date":"2023-02-24T10:27:13","date_gmt":"2023-02-24T10:27:13","guid":{"rendered":"https:\/\/eurodefense.pt\/?p=9160"},"modified":"2023-03-01T14:27:36","modified_gmt":"2023-03-01T14:27:36","slug":"as-licoes-que-a-guerra-nos-deixou-que-futuro-para-a-defesa-europeia","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/eurodefense.pt\/as-licoes-que-a-guerra-nos-deixou-que-futuro-para-a-defesa-europeia\/","title":{"rendered":"As li\u00e7\u00f5es que a guerra nos Deixou: que futuro para a Defesa Europeia?"},"content":{"rendered":"\n

N\u00e3o houve quem dormisse bem na noite entre 23 e 24 de fevereiro de 2022. Todos fic\u00e1mos colados ao ecr\u00e3 mais pr\u00f3ximo, a assistir \u00e0 chuva de imagens ao vivo da invas\u00e3o em massa da Ucr\u00e2nia pela Federa\u00e7\u00e3o Russa, que serviu como cl\u00edmax n\u00e3o s\u00f3 \u00e0 ocupa\u00e7\u00e3o de quase uma d\u00e9cada da Crimeia e de partes de Donetsk e Luhansk, mas tamb\u00e9m a s\u00e9culos de supremacia imperial e colonial de Moscovo face a este pa\u00eds e povo. A opera\u00e7\u00e3o especial de tr\u00eas dias durou tr\u00eas dias, tr\u00eas semanas, tr\u00eas meses, seis, nove, doze. Mais chocante que o falhan\u00e7o da terceira pot\u00eancia militar mundial em engolir um dos seus vizinhos \u00e9, possivelmente, a coes\u00e3o demonstrada pelo Ocidente no seu apoio \u00e0 Ucr\u00e2nia. Ao contr\u00e1rio do que se viu em interven\u00e7\u00f5es anteriores (Iraque, L\u00edbia, S\u00edria), a NATO tem-se revelado, na maior parte, resoluta e unida em assegurar a derrota da R\u00fassia de Putin (Walsh, 2023). Tirando uma revers\u00e3o quase total do apoio a Kyiv, esse cen\u00e1rio torna-se cada vez mais plaus\u00edvel, dados os sucessos da contraofensiva do ver\u00e3o passado.<\/p>\n\n\n\n

Reconhecer a incapacidade russa em atingir os objetivos que mant\u00e9m desde o ano passado \u2013 a ocupa\u00e7\u00e3o total da Ucr\u00e2nia e a liquida\u00e7\u00e3o do governo de Zelensky \u2013 n\u00e3o tem de ser visto como triunfalismo cego, mas sim como uma lembran\u00e7a constante da viabilidade dos objetivos ocidentais. Os mais recentes relat\u00f3rios di\u00e1rios do Institute for the Study of War divulgam que o ex\u00e9rcito russo continua a n\u00e3o possuir meios para renovar o seu avan\u00e7o, exceto ganhos estrategicamente ex\u00edguos no Donbass e o uso do seu limitado stock<\/em> de m\u00edsseis em bombardeamentos indiscriminados (ISW, 2023). O regresso da guerra em grande escala ao continente europeu serviu para desenterrar o j\u00e1 prolongado debate sobre o futuro da defesa no seio da UE. Pretende-se, deste modo, responder a tr\u00eas quest\u00f5es: O que foi feito desde fevereiro do ano passado? Qu\u00e3o perto estamos da desejada autonomia estrat\u00e9gica europeia? Estaremos, finalmente, prontos para conceptualizar um ex\u00e9rcito comum europeu?<\/p>\n\n\n\n

AVAN\u00c7OS E HESITA\u00c7\u00d5ES EM DIRE\u00c7\u00c3O A UMA DEFESA COMUM:<\/span><\/strong><\/p>\n\n\n\n

A d\u00e9cada de 90 come\u00e7ou com o fim da Guerra Fria e terminou com a reuni\u00e3o do Conselho Europeu, em Col\u00f3nia, a qual deu origem \u00e0 Pol\u00edtica Comum de Seguran\u00e7a e Defesa. Desde ent\u00e3o, o foco da Uni\u00e3o Europeia tem incidido maioritariamente em opera\u00e7\u00f5es de gest\u00e3o de crise, contraterrorismo e contrainsurg\u00eancias. Estas s\u00e3o, na sua maioria, fora do continente, de natureza civil e baixa intensidade, uma vez que a \u00fanica entidade europeia capaz de estar em paridade com o Ocidente havia implodido um dia depois do Natal de 1991 (Bergmann, et al., 2022). Apenas seis dos 27 Estados-membros da Uni\u00e3o Europeia n\u00e3o integram a NATO. Logo, o peso das responsabilidades de defesa coletiva e dissuas\u00e3o tem reca\u00eddo nos ombros desta \u00faltima. Foi sob a bandeira da alian\u00e7a atl\u00e2ntica que se realizaram miss\u00f5es na ex-Jugosl\u00e1via, Turquia e L\u00edbia. As suas mais-valias, como uma estrutura de comando e controlo multinacional e processos de planeamento de defesa e for\u00e7a, tornam clara a reconhecida primazia da NATO na defesa do continente (Sim\u00f3n, 2023). Embora esta permane\u00e7a um fator, os \u00faltimos anos reabriram os olhos dos aliados europeus para a possibilidade de um ataque russo ao seu territ\u00f3rio. Ao mesmo tempo, a presid\u00eancia de Donald Trump e a sa\u00edda do Reino Unido da UE redobraram as \u00e2nsias sobre as capacidades europeias de sobreviver fora da al\u00e7ada de Washington, que tem direcionado os seus interesses estrat\u00e9gicos cada vez mais para o Pac\u00edfico e o Sudeste Asi\u00e1tico.<\/p>\n\n\n\n

Entre as iniciativas desenvolvidas no seio da PCSD, destacam-se o Mecanismo Europeu de Apoio \u00e0 Paz, o Fundo de Defesa Europeu, a Coopera\u00e7\u00e3o Estruturada Permanente e, mais recentemente, o refor\u00e7o da ind\u00fastria europeia de defesa via procura\u00e7\u00e3o conjunta (Regulamento EDIRPA). Tem-se assistido, desde fevereiro, ao aumento dos or\u00e7amentos de defesa de v\u00e1rios pa\u00edses europeus, nomeadamente a It\u00e1lia, Finl\u00e2ndia, Fran\u00e7a, Gr\u00e9cia e Eslov\u00e9nia (European Defense Agency, 2022). O primado hist\u00f3rico da intergovernamentalidade neste tema levou a esfor\u00e7os por parte da Uni\u00e3o em coordenar as iniciativas de defesa dos Estados-membros via incentivos financeiros. As lacunas, contudo, persistem. O EDIRPA conta apenas com 500 milh\u00f5es de euros, enquanto sucessivos cortes no financiamento da inova\u00e7\u00e3o em mat\u00e9ria de defesa e seguran\u00e7a t\u00eam manietado qualquer avan\u00e7o significativo (Besch, 2022). Sophia Besch identifica a incapacidade franco-alem\u00e3 em desenhar um projeto coerente de rearmamento europeu, \u00e0 medida que Berlim alerta para a necessidade de recorrer a ind\u00fastrias estrangeiras, nomeadamente a dos EUA, de modo a abastecer de forma r\u00e1pida os arsenais. Em resposta ao aperto provocado pela agress\u00e3o de Moscovo, Juraj Majcin argumenta a favor de priorizar a moderniza\u00e7\u00e3o e rearmamento dos ex\u00e9rcitos da Europa com recurso a capacidades norte-americanas, tomando como exemplos a compra de ca\u00e7as F-35 por pa\u00edses como a Alemanha e os objetivos modestos estipulados pela B\u00fassola Estrat\u00e9gica. Por sua vez, Xavier Bento salienta que a Uni\u00e3o Europeia j\u00e1 possui os meios para assegurar a interoperabilidade e coopera\u00e7\u00e3o entre as for\u00e7as armadas dos seus Estados-membros sem aumentar a depend\u00eancia de armas e sistemas estrangeiros, s\u00f3 necessitando de capital pol\u00edtico para materializar os seus fins (Majcin, Bento, 2022).<\/p>\n\n\n\n

Apesar da oscilante intensidade destes debates, \u00e9 um facto que a resposta \u00e0 invas\u00e3o russa da Ucr\u00e2nia tem sido encabe\u00e7ada pelos Estados Unidos, que contribu\u00edram com cerca de 20 mil milh\u00f5es de euros em apoio militar a Kyiv (Bushnell, Frank, et al., 2022). A recente pol\u00e9mica sobre o envio de tanques Leopard provocou um dano reputacional tremendo para a Alemanha, a n\u00edvel externo e interno (Marsh, Rinke, 2023). Ao mesmo tempo, frisou a indispensabilidade norte-americana para o panorama de seguran\u00e7a da Europa, sobretudo para os seus aliados na Europa Central e de Leste, cuja confian\u00e7a no eixo franco-alem\u00e3o j\u00e1 havia sido minada pelos coment\u00e1rios do presidente franc\u00eas Emmanuel Macron, que havia proposto uma \u201cnova ordem securit\u00e1ria\u201d na Europa que incluiria a R\u00fassia e evitaria a \u201chumilha\u00e7\u00e3o\u201d de Vladimir Putin. Tanto Macron como Scholz, afirma Steven Erlanger, contribu\u00edram para aumentar, n\u00e3o reduzir, a depend\u00eancia militar europeia em rela\u00e7\u00e3o a Washington, ao agravar a crise de confian\u00e7a entre os seus pa\u00edses e Estados como a Pol\u00f3nia, a Ch\u00e9quia ou os Estados B\u00e1lticos (Erlanger, 2023).<\/p>\n\n\n\n

A AUTONOMIA ESTRAT\u00c9GICA EUROPEIA, DEPOIS DE FEVEREIRO DE 2022:<\/span><\/strong><\/p>\n\n\n\n

Mais dif\u00edcil que tecer previs\u00f5es relativas \u00e0 autonomia estrat\u00e9gica europeia ser\u00e1, em primeiro lugar, defini-la. Ela foi inicialmente entendida como a emancipa\u00e7\u00e3o europeia dos intentos militares de Washington. Nos dias de hoje este conceito tornou-se mais vago, n\u00e3o deixando de ser ir\u00f3nico como qualquer passo dado nesta dire\u00e7\u00e3o v\u00ea-se limitado a \u00e1reas em que os Estados-membros j\u00e1 demonstraram estar dispostos a abdicar de parte da sua soberania. Neste sentido, Erwin van Veen e Rex Langenberg definem-na como \u201ca partilha mais estreita de soberania entre os membros da UE para perseguir um conjunto de objetivos estrat\u00e9gicos que, uma vez realizados, reduz as influ\u00eancias externas negativas sobre a delibera\u00e7\u00e3o e tomada de decis\u00e3o da UE na sua forma atual\u201d (van Veen, Lengeberg, 2022). A Uni\u00e3o Europeia orgulha-se de sempre tomar em considera\u00e7\u00e3o as diversas formas de heterogeneidade dos pa\u00edses que a integram. Lan\u00e7ar a mais pequena quest\u00e3o sobre essa m\u00e1xima pode parecer querer acrescentar cantos a uma esfera ou, no limite, colocar em causa toda a estrutura justificativa do projeto europeu. Continua a ser pertinente sublinhar que, em mat\u00e9ria de defesa, o orgulho nacional dos Estados contribui para a fragmenta\u00e7\u00e3o militar, tanto a n\u00edvel estrat\u00e9gico como armamentista (Kwiatkowska, 2022). Que solu\u00e7\u00f5es existem? Para o l\u00edder da Unidade de Seguran\u00e7a do think tank<\/em> holand\u00eas Clingendael, Dick Zandee, \u00e9 crucial uma coopera\u00e7\u00e3o entre os Estados-membros que olhe al\u00e9m dos seus pr\u00f3prios interesses. O fim desta converg\u00eancia multinacional de interesses ser\u00e1 a estandardiza\u00e7\u00e3o e a interoperabilidade das for\u00e7as europeias, abrangendo tamb\u00e9m quest\u00f5es de planeamento, or\u00e7amento e tomada de decis\u00f5es. Igualmente importante ser\u00e1 o aprofundamento da procura\u00e7\u00e3o comum de equipamento de defesa, nomeadamente sistemas de informa\u00e7\u00e3o e comunica\u00e7\u00e3o (Zandee, 2022).<\/p>\n\n\n\n

J\u00e1 n\u00e3o estamos no Kansas. O status quo<\/em> pr\u00e9-fevereiro desapareceu. A R\u00fassia est\u00e1 a perder a guerra, mas a sua rela\u00e7\u00e3o com a Europa alterou-se profunda e definitivamente. Os aliados de Leste, nomeadamente a Est\u00f3nia, Let\u00f3nia e Litu\u00e2nia, n\u00e3o esqueceram as suas experi\u00eancias sob jugo russo e prometem n\u00e3o serem os pr\u00f3ximos na lista. Na Let\u00f3nia, por exemplo, os planos passam pelo aumento do peso da defesa para 3% do PIB e pela reintrodu\u00e7\u00e3o do servi\u00e7o militar obrigat\u00f3rio, visando recrutar at\u00e9 6 mil efetivos at\u00e9 2028. Est\u00e1 tamb\u00e9m prevista a expans\u00e3o das infraestruturas existentes para acomodar novos exerc\u00edcios militares no \u00e2mbito da alian\u00e7a atl\u00e2ntica (Gramer, 2022). Novamente, \u00e9 manifesta a primazia da NATO. N\u00e3o sendo, num futuro pr\u00f3ximo, poss\u00edvel conceber um cen\u00e1rio alternativo, torna-se necess\u00e1rio trabalhar em seu redor. Por um lado, a opera\u00e7\u00e3o Althea na B\u00f3snia-Herzegovina pode ser entendida como um exemplo bem-sucedido da passagem do testemunho para Bruxelas. Por outro, Olivier Rittimann pergunta: para qu\u00ea arranjar o que n\u00e3o est\u00e1 partido? Porque n\u00e3o desenvolver a defesa coletiva europeia em torno do que j\u00e1 domina, nomeadamente a gest\u00e3o de crises, e deixar a resposta a um ataque h\u00edbrido ou nuclear nas m\u00e3os da \u00fanica institui\u00e7\u00e3o capaz de a gerir, isto \u00e9, a NATO? Seria v\u00e1lido sugerir, assim, que os Estados Unidos se tornariam mais livres em salvaguardar a sua hegemonia no Pac\u00edfico se a Europa direcionasse o seu foco para o continente africano. Isto traduzir-se-ia em contribuir para o intensivo desenvolvimento das capacidades pol\u00edticas, sociais e econ\u00f3micas dos Estados africanos e apresentar um modelo mais apelativo que as armadilhas de d\u00edvida chinesa e a rapacidade dos mercen\u00e1rios russos (Rittimann, 2022). Repartir as \u00e1reas de a\u00e7\u00e3o conforme os interesses estrat\u00e9gicos dos aliados contribuiria para consolidar uma parceria de iguais entre ambos polos do Atl\u00e2ntico e, segundo Rittimann, colocar um ponto final nos receios sobre a duplica\u00e7\u00e3o de tarefas entre estes.<\/p>\n\n\n\n

A ETERNA PROMESSA DO EX\u00c9RCITO EUROPEU:<\/span><\/strong><\/p>\n\n\n\n

Assistiu-se no in\u00edcio deste m\u00eas \u00e0 proposta de integra\u00e7\u00e3o da 13\u00aa Brigada Ligeira holandesa na 10\u00aa Divis\u00e3o Panzer alem\u00e3, compondo uma unidade de infantaria de 50 mil efetivos no \u00e2mbito de um acordo confidencial entre ambos pa\u00edses, a Vis\u00e3o Comum do Ex\u00e9rcito (Dutch News, 2023). Este n\u00e3o \u00e9 o \u00fanico passo na dire\u00e7\u00e3o da integra\u00e7\u00e3o militar entre Estados europeus, muito menos entre estes dois: o Batalh\u00e3o Panzer 414 foi formado em 2016 (Benhold, 2019) e insere-se no refor\u00e7o do contingente permanente da NATO na Litu\u00e2nia, desde julho do ano passado. Em mar\u00e7o deste ano, o Conselho da UE aprovou a B\u00fassola Estrat\u00e9gica, que nas palavras de Josep Borrell define \u201cuma via a seguir ambiciosa para a nossa pol\u00edtica de seguran\u00e7a e defesa ao longo da pr\u00f3xima d\u00e9cada e ajudar-nos-\u00e1 a assumir as nossas responsabilidades em mat\u00e9ria de seguran\u00e7a perante os nossos cidad\u00e3os e o resto do mundo\u201d (Conselho da Uni\u00e3o Europeia, 2022). O alto representante europeu para os Neg\u00f3cios Estrangeiros e a Pol\u00edtica de Seguran\u00e7a n\u00e3o deixou de referir que este plano, embora conduza \u00e0 cria\u00e7\u00e3o de uma for\u00e7a de proje\u00e7\u00e3o r\u00e1pida de at\u00e9 5 mil militares \u2013 independente da NATO \u2013 n\u00e3o corresponde a um ex\u00e9rcito europeu. (Borrell, 2022).<\/p>\n\n\n\n

Quatro anos antes, no centen\u00e1rio do armist\u00edcio da I Guerra Mundial, Emmanuel Macron afirmou a imperatividade de um ex\u00e9rcito europeu independente dos Estados Unidos, juntamente com um di\u00e1logo securit\u00e1rio com a R\u00fassia (BBC, 2018). Depois de for\u00e7as russas irromperem pela fronteira ucraniana, Macron lan\u00e7ou novas sementes de desconfian\u00e7a entre Paris e aliados como o Reino Unido ou a Pol\u00f3nia, ao defender um projeto de paz que n\u00e3o \u201chumilhe\u201d o regime de Putin. O revitalizar da alian\u00e7a atl\u00e2ntica e o apoio quase un\u00e2nime desta \u00e0 Ucr\u00e2nia demonstrou que o seu diagn\u00f3stico de \u201cmorte cerebral\u201d foi claramente prematuro (Taylor, 2022). Por\u00e9m, tem sido a Fran\u00e7a o \u00fanico pa\u00eds com os meios e a vontade pol\u00edtica de planificar uma no\u00e7\u00e3o de Europa militarmente aut\u00f3noma, mesmo que se limitasse a incrementar \u00e0 escala europeia os des\u00edgnios gaullistas de autonomia estrat\u00e9gica francesa (Drent, 2018). Como os pedidos de ades\u00e3o da Su\u00e9cia e Finl\u00e2ndia \u00e0 NATO demonstram, pertencer \u00e0 Uni\u00e3o Europeia n\u00e3o chega para dissuadir qualquer agress\u00e3o vinda do Kremlin.<\/p>\n\n\n\n

Nos dias de hoje, parece ter ficado esquecido que a depend\u00eancia militar europeia de Washington n\u00e3o foi um acidente. Segundo Claire Berlinski, o processo de constru\u00e7\u00e3o europeia surge como uma iniciativa dos Estados Unidos, de modo a eliminar a Europa imperialista e exportadora de viol\u00eancia \u00e0 escala global (via a reconcilia\u00e7\u00e3o franco-alem\u00e3 e a elimina\u00e7\u00e3o da competi\u00e7\u00e3o securit\u00e1ria continental) e em seu lugar florescer uma Europa democr\u00e1tica, pac\u00edfica, cuja seguran\u00e7a estaria garantida em perpetuidade pelo ex\u00e9rcito norte-americano (Berlinski, 2018). Contudo, como reafirmam Vincent-Immanuel Kerr e Martin Speer (e tantos outros) o gritante desd\u00e9m de Donald Trump pela NATO serve como alerta para a Europa: enquanto o ex-presidente (ou um indiv\u00edduo ideologicamente semelhante) controlar os destinos do Partido Republicano, os destinos da alian\u00e7a e dessa Europa livre e democr\u00e1tica est\u00e3o ref\u00e9ns dos caprichos do eleitorado dos EUA (Kerr, Speer, 2023). Os autores argumentam que, \u00e0 medida que Washington desloca o seu foco para o Indo-Pac\u00edfico e a China, uma Europa capaz de reunir mais de um milh\u00e3o de efetivos, assim como um or\u00e7amento conjunto de cerca de 210 mil milh\u00f5es de euros, seria uma componente vital para garantir que a NATO consegue responder de forma eficaz aos desafios impostos n\u00e3o s\u00f3 no continente europeu, mas tamb\u00e9m em \u00c1frica e no M\u00e9dio Oriente. Estes sentimentos s\u00e3o ecoados pelo antigo primeiro-ministro eslovaco Mikul\u00e1\u0161 Dzurinda. A diplomacia ter\u00e1 certamente o seu lugar e, se o Ocidente cumprir as suas promessas, Volodymyr Zelensky e os ucranianos decidir\u00e3o quando e como Kyiv entrar\u00e1 em negocia\u00e7\u00f5es com o invasor. Putin j\u00e1 demonstrou in\u00fameras vezes que \u00e9 forte quando o seu inimigo \u00e9 fraco e vice-versa, e para Dzurinda por detr\u00e1s da diplomacia deve estar uma for\u00e7a que assegure que qualquer acordo de paz valha o papel em que \u00e9 assinado. Deste modo, a altura para caminhar em dire\u00e7\u00e3o a um ex\u00e9rcito comum \u00e9 agora (Dzurinda, 2022).<\/p>\n\n\n\n

Uma sondagem da YouGov de abril do ano passado revelou que, tirando a Rom\u00e9nia, a Gr\u00e9cia e a Hungria, o apoio a um ex\u00e9rcito europeu em v\u00e1rios pa\u00edses europeus aumentou depois dos eventos de fevereiro (Smith, 2022), tendo esta ideia mais apoiantes em Espanha, na Litu\u00e2nia e nos Pa\u00edses Baixos (64%, 62% e 61%, respetivamente). Mas ser\u00e1 isto suficiente? Para o ex-eurodeputado conservador brit\u00e2nico Geoffrey Van Orden, uma estrutura militar europeia n\u00e3o seria um complemento \u00e0 NATO, mas sim um empecilho, uma imita\u00e7\u00e3o com uma fra\u00e7\u00e3o do or\u00e7amento, poderio e unidade. Embora a integra\u00e7\u00e3o europeia ter transcendido a vertente econ\u00f3mica, a mat\u00e9ria de defesa e seguran\u00e7a manteve-se historicamente nas m\u00e3os dos Estados. Para al\u00e9m do pesado sacrif\u00edcio que um ex\u00e9rcito europeu lhes exigiria, poderia tamb\u00e9m servir como meio de exclus\u00e3o de Estados europeus no seio da NATO que n\u00e3o integram a UE, como o Reino Unido, a Turquia ou a Noruega (Van Orden, 2022). Para al\u00e9m da tremenda vontade pol\u00edtica necess\u00e1ria, o principal problema relaciona-se com a interoperabilidade das capacidades militares europeias. Numa entrevista para a Foreign Policy, o general italiano Claudio Graziano serviu-se em mar\u00e7o de 2022 do exemplo dos tanques de batalha principais. Os EUA e a R\u00fassia possuem os seus pr\u00f3prios modelos. A Europa tem 18. Graziano, atual l\u00edder do Comit\u00e9 Militar da UE, considera que a depend\u00eancia securit\u00e1ria dos EUA fez com que o continente europeu estivesse sete d\u00e9cadas atrasado nesta mat\u00e9ria, sendo urgente caminhar em dire\u00e7\u00e3o a algo capaz de ser descrito como um ex\u00e9rcito europeu (Braw, 2022).<\/p>\n\n\n\n

OBSERVA\u00c7\u00d5ES FINAIS:<\/span><\/strong><\/p>\n\n\n\n

Qualquer uma das m\u00e9tricas a nosso dispor, seja o PIB, o investimento na defesa ou a inova\u00e7\u00e3o tecnol\u00f3gica, revelam uma R\u00fassia completamente eclipsada pelo poderio conjunto dos Estados-membros da Uni\u00e3o Europeia. Falta-lhe, sim, a vontade pol\u00edtica para canalizar os recursos que j\u00e1 disp\u00f5e. Em paralelo, na \u00f3tica de Rajan Menon e Daniel DePetris, cabe tanto a Bruxelas como a Washington reconhecer que a rela\u00e7\u00e3o transatl\u00e2ntica como a conheciam at\u00e9 agora \u2013 em que os EUA admitem a hip\u00f3tese de uma Europa que lhes alivie a responsabilidade de protetores do continente, desde que se mantenha subserviente aos interesses norte-americanos \u2013 j\u00e1 n\u00e3o \u00e9 sustent\u00e1vel (Menon, DePetris, 2023). N\u00e3o deixando de valorizar os progressos j\u00e1 mencionados, se a UE pretende atingir numa data pr\u00f3xima as suas ambi\u00e7\u00f5es de autonomia e consolidar-se como ator geopol\u00edtico, \u00e9 imperativo que n\u00e3o descure o seu potencial militar.<\/p>\n\n\n\n

Um ex\u00e9rcito comum \u00e9 desej\u00e1vel, mas ainda continua distante. A sua exist\u00eancia muito provavelmente implica o aprofundar da uni\u00e3o pol\u00edtica a um n\u00edvel n\u00e3o t\u00e3o consensual, podendo isto ser um sonho ou um pesadelo conforme descrito por um federalista aguerrido ou um euroc\u00e9tico convicto.<\/p>\n\n\n\n


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24 de fevereiro de 2023<\/p>\n\n\n\n

Alexandre Almeida<\/strong>
EuroDefense Jovem Portuga<\/em>l<\/p>\n\n\n\n


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REFER\u00caNCIAS:<\/span><\/strong><\/p>\n\n\n\n

Walsh, N. P. (2023). Europe\u2019s big question: What a diminished Russia will do next<\/em>. CNN. https:\/\/edition.cnn.com\/2023\/01\/01\/europe\/putin-ukraine-war-shift-europe-security-intl-cmd\/index.html<\/span><\/a><\/p>\n\n\n\n

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NOTA<\/strong>:<\/mark><\/p>\n\n\n\n