{"id":9426,"date":"2023-05-26T14:04:03","date_gmt":"2023-05-26T14:04:03","guid":{"rendered":"https:\/\/eurodefense.pt\/?p=9426"},"modified":"2023-05-26T14:04:19","modified_gmt":"2023-05-26T14:04:19","slug":"a-importancia-da-crimeia-para-a-contraofensiva-ucraniana","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/eurodefense.pt\/a-importancia-da-crimeia-para-a-contraofensiva-ucraniana\/","title":{"rendered":"A import\u00e2ncia da Crimeia para a contraofensiva ucraniana"},"content":{"rendered":"\n
No ano passado, o mundo esperava com apreens\u00e3o as palavras de Vladimir Putin, nas anuais celebra\u00e7\u00f5es do Dia da Vit\u00f3ria, a 9 de maio. A celebra\u00e7\u00e3o da vit\u00f3ria sovi\u00e9tica sobre as for\u00e7as do Eixo havia, desde os tempos de Brezhnev, sido transformada numa afirma\u00e7\u00e3o do excecionalismo russo. Eis aqui o esplendor das for\u00e7as da M\u00e3e R\u00fassia, sempre inocente e imaculada. O que se seguiria, ent\u00e3o? Uma declara\u00e7\u00e3o formal de guerra? Mobiliza\u00e7\u00e3o em massa? Em vez disso, o discurso incidiu sobre a mudan\u00e7a de foco para a frente no Leste da Ucr\u00e2nia, nomeadamente o Donbas, assim como a \u201cprote\u00e7\u00e3o\u201d que as for\u00e7as russas ofereciam \u00e0 popula\u00e7\u00e3o russ\u00f3fila da regi\u00e3o. Os pr\u00f3ximos doze meses s\u00f3 serviram para expor de forma mais crua as brechas na fachada apresentada pelo Kremlin, dos avan\u00e7os ucranianos em Kherson e Kharkiv, ao refor\u00e7o do apoio ocidental a Kyiv e \u00e0 falta de vit\u00f3rias significativas da contraofensiva russa. A 20 de maio, o l\u00edder do grupo mercen\u00e1rio Wagner \u2013 Yevgeny Prigozhin \u2013 declarou vit\u00f3ria sobre a cidade de Bakhmut, em Donetsk. Assumindo que seja verdade, a tomada da 56\u00aa maior cidade ucraniana, depois de 10 meses e cerca de 100 mil mortos e feridos no campo russo \u00e9 uma vit\u00f3ria meramente simb\u00f3lica que em nada altera as esperan\u00e7as da R\u00fassia no conflito, segundo o Institute for the Study of War.<\/p>\n\n\n\n
O dia 9 de maio deste ano n\u00e3o se viu um desfile a\u00e9reo em Moscovo. O \u201cRegimento Imortal\u201d, com as fotografias dos soldados ca\u00eddos na II Guerra, n\u00e3o marcou presen\u00e7a. A parada contou apenas com uma fra\u00e7\u00e3o do equipamento e for\u00e7as militares habituais. Mas o retrato mais claro da fraqueza da R\u00fassia enquanto pot\u00eancia militar foi o tanque que desfilou na Pra\u00e7a Vermelha. O tanque. O \u00fanico tanque, um T-34-85 produzido na era estalinista. 11 dias depois, os Estados Unidos anunciaram o seu consentimento ao envio, pelos seus aliados, de jatos F-16 para a Ucr\u00e2nia. Mais uma linha vermelha atravessada e mais um exemplo de que o mundo j\u00e1 n\u00e3o teme as amea\u00e7as vazias do Kremlin. Pelo contr\u00e1rio, a paranoia reinante nos c\u00edrculos militares russos aumenta a cada dia que passa, \u00e0 medida que se aproxima a muito badalada contraofensiva ucraniana. Relata o Wall Street Journal que 20 novas brigadas, com cerca de 3 a 5 mil homens cada, t\u00eam sido treinadas com meios ocidentais. Estas encontram-se longe dos combates ativos, \u00e0 espera da luz verde para avan\u00e7arem sobre o que resta das posi\u00e7\u00f5es russas.<\/p>\n\n\n\n
O que esperar da contraofensiva? Analistas como Mike Martin, investigador visitante s\u00e9nior no departamento de Estudos de Guerra da King\u2019s College em Londres, afirmam que as \u00faltimas semanas t\u00eam sido marcadas por \u201copera\u00e7\u00f5es de moldagem\u201d (shaping operations), ou seja, ataques precisos em alvos log\u00edsticos como dep\u00f3sitos de muni\u00e7\u00f5es, centros de comando, etc. Isto, em termos muito simples, visa preparar as condi\u00e7\u00f5es para um futuro avan\u00e7o ucraniano e, ao mesmo tempo, criar incerteza e paranoia no inimigo sobre de onde em concreto esse avan\u00e7o partir\u00e1. Observando as posi\u00e7\u00f5es atuais no mapa, Martin demonstra que os ucranianos podem movimentar muito mais facilmente as suas for\u00e7as comparado com os russos. Com isto em mente, projeta tr\u00eas cen\u00e1rios nos quais os primeiros podem \u201ctestar\u201d a resist\u00eancia dos \u00faltimos: atravessar o rio Dnipro no oblast de Kherson; avan\u00e7ar sobre o Norte de Luhansk, pr\u00f3ximo das cidades de Svatove e Kreminna; tentar cercar os exaustos soldados em Bakhmut.<\/p>\n\n\n\n
O alvo mais apetec\u00edvel da contraofensiva, muito provavelmente, ser\u00e1 o oblast de Zaporizhzhia, no qual para al\u00e9m da capital regional hom\u00f3nima se situam as cidades de Melitopol, Mariupol e Berdyansk. A liberta\u00e7\u00e3o desta regi\u00e3o cortaria em duas a faixa litoral ocupada desde o in\u00edcio da invas\u00e3o. Outro cen\u00e1rio poss\u00edvel seria o j\u00e1 mencionado oblast de Kherson, apesar dos desafios que implica o atravessar da barreira natural que \u00e9 o rio Dnipro. Por enquanto, n\u00e3o h\u00e1 muito mais a fazer sen\u00e3o esperar. Esperar e especular. Centremo-nos ent\u00e3o n\u00e3o em apontar a rota que a Ucr\u00e2nia precisa de seguir para libertar o m\u00e1ximo do seu territ\u00f3rio, mas sim no grande pr\u00e9mio. Na fortaleza a partir da qual a R\u00fassia projeta o seu controlo do Mar Negro e amea\u00e7a todos os portos ucranianos. Na Crimeia, o pano de fundo final da guerra.<\/p>\n\n\n\n
Tal como o \u201cculto da vit\u00f3ria\u201d celebrado anualmente a 9 de maio, a posse russa da Crimeia \u00e9 uma das principais bandeiras da am\u00e1lgama ideol\u00f3gica que pode ser descrita como \u201cputinismo\u201d. Quem conferir alguma credibilidade \u00e0s palavras do l\u00edder russo afirmar\u00e1 que a Crimeia foi historicamente sempre russa e que a anexa\u00e7\u00e3o ilegal de 2014 foi nada mais que a retifica\u00e7\u00e3o de uma inj\u00faria hist\u00f3rica. A sua singularidade levou a que grandes vultos da autoproclamada \u201cescola realista\u201d das rela\u00e7\u00f5es internacionais, como o ex-Secret\u00e1rio de Estado norte-americano Henry Kissinger, propusessem que Kyiv renunciasse a esse territ\u00f3rio, pela \u201cpaz\u201d. At\u00e9 elementos da administra\u00e7\u00e3o Biden, admitindo que a Ucr\u00e2nia possui as capacidades para recuperar a pen\u00ednsula, exprimiram receios sobre o eternamente adiado uso de armas nucleares por parte da R\u00fassia de Putin. Com tudo isto em mente, mergulhemos numa breve contextualiza\u00e7\u00e3o hist\u00f3rica da Crimeia at\u00e9 aos nossos dias, no imenso valor estrat\u00e9gico e geopol\u00edtico da pen\u00ednsula para ambos pa\u00edses e o que a sua liberta\u00e7\u00e3o significaria para o desfecho da guerra russo-ucraniana.<\/p>\n\n\n\n
A Crimeia \u00e9 a chave para a tentativa multissecular da R\u00fassia se apresentar como a leg\u00edtima sucessora do Imp\u00e9rio Romano e, por conseguinte, da tradi\u00e7\u00e3o cl\u00e1ssica greco-romana. Os primeiros registos hist\u00f3ricos da Crimeia surgem no s\u00e9culo IX antes de Cristo. Durante um mil\u00e9nio, a pen\u00ednsula (sobretudo o litoral) foi alvo de coloniza\u00e7\u00e3o grega, passando por m\u00e3os romanas e genovesas. A fragmenta\u00e7\u00e3o do Imp\u00e9rio Mongol no s\u00e9culo XIII deu origem a quatro canatos, entre os quais o Canato da Horda Dourada, cujo dom\u00ednio se estendia da Europa Oriental \u00e0s estepes da Eur\u00e1sia, englobando o norte do C\u00e1ucaso, o atual Cazaquist\u00e3o e boa parte da R\u00fassia europeia e da Ucr\u00e2nia, inclusive a Crimeia. Por sua vez, a sua decad\u00eancia teve in\u00edcio no s\u00e9culo seguinte, salientando-se a tomada de Kyiv pela Litu\u00e2nia em 1322 e a derrota na batalha de Kulikovo em 1380, que simbolizou o fim do dom\u00ednio mongol sobre a R\u00fassia e a ascens\u00e3o do principado de Moscovo. Em 1441, separatistas encabe\u00e7ados por Hac\u0131 I Giray estabeleceram o Canato da Crimeia na pen\u00ednsula e leste litoral da Ucr\u00e2nia. Tr\u00eas d\u00e9cadas depois, este novo potentado mu\u00e7ulmano tornou-se um protetorado do emergente Imp\u00e9rio Otomano, situa\u00e7\u00e3o essa que perdurou at\u00e9 ao s\u00e9culo XVIII. A Guerra Russo-Turca terminou em 1774 com a assinatura do Tratado de K\u00fc\u00e7\u00fck Kaynarca. Neste, o canato voltou a ser independente, contudo em 1783 a R\u00fassia de Catarina a Grande invadiu e anexou o territ\u00f3rio sem resist\u00eancia da popula\u00e7\u00e3o local. Durante o seu reinado, o pr\u00edncipe Potemkin lan\u00e7ou o \u201cPlano Grego\u201d, no \u00e2mbito do qual foram fundadas cidades com nomes gregos \u2013 Sevastopol, Tiraspol, Mariupol, Odessa, Kherson, etc. \u2013 na Crimeia e ao longo da \u201cNova R\u00fassia\u201d, a faixa litoral no sul da Ucr\u00e2nia. A culmina\u00e7\u00e3o do plano seria uma nova ofensiva contra o Imp\u00e9rio Otomano, que resultaria na liberta\u00e7\u00e3o de Constantinopla e dos Balc\u00e3s e na restaura\u00e7\u00e3o do Imp\u00e9rio Romano Oriental. Esta fase, que contaria com apoio austr\u00edaco, nunca se materializou.<\/p>\n\n\n\n
N\u00e3o obstante, o alegado batismo do pr\u00edncipe Vladimir do Rus de Kyiv no antigo porto grego de Chersonesos e a sua integra\u00e7\u00e3o pac\u00edfica no Imp\u00e9rio Russo contribu\u00edram para a eleva\u00e7\u00e3o da Crimeia a um papel de relevo na legitima\u00e7\u00e3o do projeto imperial muscovita. Em 1954, Nikita Khrushchev transferiu o oblast aut\u00f3nomo da Crimeia da rep\u00fablica sovi\u00e9tica da R\u00fassia para a Ucr\u00e2nia, citando motivos econ\u00f3micos e a proximidade cultural entre ambas regi\u00f5es. Depois da implos\u00e3o da Uni\u00e3o Sovi\u00e9tica, em 1991, a Crimeia votou a favor do referendo da independ\u00eancia ucraniana, com 54%. Dado o seu estatuto enquanto porto principal da Frota do Mar Negro, a cidade de Sevastopol dispunha de autonomia face o resto da pen\u00ednsula, votando 57% a favor. \u00c9 importante real\u00e7ar que em ambos os casos, menos de 40% do eleitorado participou no referendo de 1991. Mesmo assim, at\u00e9 \u00e0 sua anexa\u00e7\u00e3o ilegal em 2014, ambos territ\u00f3rios desfrutavam de um estatuto de autonomia na Ucr\u00e2nia. Apesar de ter reconhecido a independ\u00eancia e integridade territorial deste pa\u00eds, a R\u00fassia de Putin lan\u00e7ou uma opera\u00e7\u00e3o militar para tomar a Crimeia e legitimar a sua anexa\u00e7\u00e3o via um referendo fraudulento. Esta contou com o apoio esmagador da popula\u00e7\u00e3o russa e uma resposta acanhada da comunidade ocidental, passando assim a ser considerada a pi\u00e8ce de r\u00e9sistance da reafirma\u00e7\u00e3o imperial russa e do legado pessoal de Vladimir Putin. N\u00e3o \u00e9 de espantar que a falta de oposi\u00e7\u00e3o interna e externa tenha motivado o ditador russo a modificar a sua can\u00e7\u00e3o para corresponder a toda a Ucr\u00e2nia, conduzindo isto \u00e0 situa\u00e7\u00e3o atual. Claro que toda esta mitifica\u00e7\u00e3o da Crimeia ignora a presen\u00e7a multissecular dos t\u00e1rtaros mu\u00e7ulmanos na regi\u00e3o. Alvos de sucessivas campanhas de \u201crussifica\u00e7\u00e3o\u201d, real\u00e7ando a deporta\u00e7\u00e3o de cerca de 200 mil t\u00e1rtaros em 1994, decretada por Stalin e resultando na morte de aproximadamente 20 a 48% destes. O censo ucraniano de 2001 subdividia a Crimeia em 60% etnicamente russa, 24% ucraniana e 10% t\u00e1rtara. A partir de 2014, a repress\u00e3o dos t\u00e1rtaros voltou em for\u00e7a, com organiza\u00e7\u00f5es de direitos humanos a registar casos de deten\u00e7\u00f5es, raptos e tortura, assim como a supress\u00e3o de associa\u00e7\u00f5es culturais\/religiosas, \u00f3rg\u00e3os governamentais e da pr\u00f3pria linguagem. Com a invas\u00e3o em larga escala de 2022, a repress\u00e3o aos t\u00e1rtaros da Crimeia estendeu-se aos que se refugiaram nos territ\u00f3rios ucranianos presentemente ocupados. Real\u00e7a-se o apertar da legisla\u00e7\u00e3o contra a oposi\u00e7\u00e3o \u00e0 guerra e a tentativa de mobiliza\u00e7\u00e3o for\u00e7ada dos t\u00e1rtaros da Crimeia no ex\u00e9rcito russo, considerado um crime de guerra \u00e0 luz do Direito internacional e da Quarta Conven\u00e7\u00e3o de Genebra.<\/p>\n\n\n\n
A pen\u00ednsula da Crimeia faz fronteira a leste em Kerch com o krai de Krasnodar, na R\u00fassia, estando ligada a esta regi\u00e3o por duas pontes paralelas, constru\u00eddas em 2018 e atacadas em 2022. A norte, o istmo de Perekop e o conjunto de lagos salgados conhecido como \u201cMar Podre\u201d ou Sivash formam uma barreira natural a ter em considera\u00e7\u00e3o quando se discute ofensivas futuras. Dos cossacos de Zaporizhzhia no s\u00e9culo XVII, aos independentistas ucranianos durante a Guerra Civil Russa e \u00e0s for\u00e7as nazis comandadas por Erich von Manstein em 1941, todos estes constituem exemplos do uso bem-sucedido das particularidades naturais e artificiais do nordeste da Crimeia. Um dos problemas cr\u00f3nicos da regi\u00e3o \u00e9 o seu clima \u00e1rido que fez com que 70-80% da \u00e1gua utilizada pela popula\u00e7\u00e3o advenha de um canal constru\u00eddo na d\u00e9cada de 70, partindo de Nova Kakhovka em Kherson. Em 2014, a Ucr\u00e2nia cortou o acesso de \u00e1gua via uma barragem, destru\u00edda em 2022 por for\u00e7as russas. Logo, \u00e9 seguro dizer que um hipot\u00e9tico sucesso ucraniano a sul reabriria esta problem\u00e1tica para os ocupantes. Mas sem d\u00favida o fator mais importante, a n\u00edvel geoestrat\u00e9gico, diz respeito ao porto de Sevastopol. O \u00fanico porto de \u00e1guas profundas capaz de receber a Frota do Mar Negro, \u00e9 imprescind\u00edvel n\u00e3o s\u00f3 para a proje\u00e7\u00e3o de poder da marinha russa no mesmo \u2013 afetando toda a circula\u00e7\u00e3o naval ucraniana \u2013 mas tamb\u00e9m no Mediterr\u00e2neo e, principalmente, na S\u00edria. Assuma-se ent\u00e3o uma vit\u00f3ria do ex\u00e9rcito ucraniano a sul, que apesar de vantagens a n\u00edvel de apoios ocidentais e moral n\u00e3o \u00e9 garantida, dada a falta do elemento surpresa presente no ano passado. E agora? Eventuais retiradas para o Donbas e a Crimeia podem ser condicionadas atrav\u00e9s de um novo ataque \u00e0 ponte de Kerch, aprisionando os ocupantes na pen\u00ednsula e sujeitando-os ao fogo de m\u00edsseis e drones. A d\u00favida ent\u00e3o surgir\u00e1 se a Ucr\u00e2nia de Zelensky estar\u00e1 pronta a sujeitar-se a baixas pesadas ao avan\u00e7ar sobre a fronteira a norte, ou se optar\u00e1 por um modelo de desgaste prolongado do ex\u00e9rcito russo. Esta \u00e9 a op\u00e7\u00e3o escolhida pelo general reformado Ben Hodges, devendo os ucranianos neutralizar as bases navais, a\u00e9reas e log\u00edsticas russas com recurso a for\u00e7as blindadas e armas de precis\u00e3o de longo alcance, como sistemas de m\u00edsseis MGM-140 ATACMS e GLSDB. Independentemente da estrat\u00e9gia tomada, \u00e9 crucial tomar em conta que a eventual reconquista da Crimeia implicar\u00e1 uma opera\u00e7\u00e3o em grande escala, envolvendo boa parte do poderio militar de Kyiv em terra, mar e ar, assim como grandes esfor\u00e7os nos campos da informa\u00e7\u00e3o e diplomacia. Novamente cito Mick Ryan, que argumenta que o sucesso de tal empresa est\u00e1 dependente de quatro fatores: o aumento do envio, pelo Ocidente, de muni\u00e7\u00f5es, blindados, helic\u00f3pteros, avi\u00f5es e artilharia; a posse ucraniana dos repetidamente mencionados oblasts de Kherson e Zaporizhzhia; o assegurar \u00e0 popula\u00e7\u00e3o da Crimeia de que n\u00e3o haver\u00e1 repres\u00e1lias coletivas; o continuar da paci\u00eancia estrat\u00e9gica demonstrada pelos aliados ocidentais da Ucr\u00e2nia. Por sua vez, a pr\u00f3pria NATO pode desempenhar um papel ativo, aceitando as propostas da Rom\u00e9nia para estabelecer uma presen\u00e7a permanente no Mar Negro e colocar termo ao dom\u00ednio naval russo tanto neste como no Mar de Azov. Ao mesmo tempo, tal investimento poderia assegurar a continua\u00e7\u00e3o do acordo de cereais e contribuir para a manuten\u00e7\u00e3o da seguran\u00e7a alimentar global.<\/p>\n\n\n\n
Atrevamo-nos a imaginar que a batalha \u00e9 um sucesso e que a Crimeia est\u00e1, pela primeira vez em quase uma d\u00e9cada, em m\u00e3os ucranianas. Devemos temer uma resposta nuclear? Essa quest\u00e3o deve estar sempre presente, mesmo \u00e0 medida que o recurso a bombas nucleares se torne cada vez mais a \u00faltima amea\u00e7a do Kremlin capaz de fazer algum eco. A import\u00e2ncia que o imperialismo russo d\u00e1 \u00e0 Crimeia pode levar a crer que, se alguma vez essa carta for jogada, ser\u00e1 com a perda desse territ\u00f3rio. Mas consideremos o seguinte: nenhum dos quatro oblasts anexados por Putin no ano passado est\u00e3o inteiramente na sua posse. Nem ent\u00e3o, nem agora. Se tomarmos como v\u00e1lida a palavra do regime russo, ent\u00e3o a linha vermelha j\u00e1 teria sido ultrapassada. Se dermos credibilidade alguma \u00e0s reivindica\u00e7\u00f5es russas sobre a Crimeia, estaremos a ressuscitar o direito \u00e0 conquista, assim como a negar d\u00e9cadas de Direito internacional, nomeadamente os acordos de Belovezha de 1991 e o memorando de Budapeste de 1994, nos quais a integridade territorial da Ucr\u00e2nia era reconhecida pela R\u00fassia.<\/p>\n\n\n\n
Por outro lado, argumenta Pawel Kowal, a retirada russa da Crimeia e de Sevastopol significaria o verdadeiro fim das ilus\u00f5es imperiais russas sobre os seus vizinhos. Caso existam negocia\u00e7\u00f5es, o regresso da autoridade ucraniana \u00e0 pen\u00ednsula provavelmente implicar\u00e1 a sua tempor\u00e1ria desmilitariza\u00e7\u00e3o, bem como a concess\u00e3o de maior autonomia \u00e0 popula\u00e7\u00e3o t\u00e1rtara. A expuls\u00e3o da R\u00fassia da Crimeia seria uma punhalada mortal no seu projeto imperial. Simbolizaria o fim do Mar Negro enquanto \u201clago russo\u201d. Como escreve Michael Allen, o sacrif\u00edcio do povo ucraniano na defesa do seu territ\u00f3rio e de futuras ofensivas russas na Europa deu-lhes o direito de, pelo menos, tentar lutar pela Crimeia. E, ao mesmo tempo, o esfor\u00e7o empreendido pelos Estados Unidos, o Reino Unido, a Uni\u00e3o Europeia e outros no apoio econ\u00f3mico e militar a Kyiv pode revelar-se um desperd\u00edcio, se for permitido a Putin congelar o conflito e eventualmente reinvadir a Ucr\u00e2nia, usando a Crimeia de novo como rampa. Concluo estas observa\u00e7\u00f5es com uma cita\u00e7\u00e3o da monumental Hist\u00f3ria de Roma, de Tito L\u00edvio \u2013 \u201cIustum enim est bellum quibus necessarium, et pia arma ubi nulla nisi in armis spes est\u201d (Pois a guerra \u00e9 justa para aqueles a quem ela \u00e9 necess\u00e1ria, e as armas s\u00e3o piedosas onde n\u00e3o h\u00e1 esperan\u00e7a exceto nas armas).<\/p>\n\n\n\n
26 de maio de 2023<\/p>\n\n\n\n
Alexandre Almeida<\/strong> WEBGRAFIA USADA:<\/span><\/strong><\/p>\n\n\n\n Russian Offensive Campaign Assessment, May 20, 2023 (Institute for the Study of War)<\/p>\n\n\n\n Putin\u2019s Victory Day Brings Evidence of Defeat (Leonid Bershidsky, The Washington Post)<\/p>\n\n\n\n Zelenskiy Signals Bakhmut Falling, Russian Casualties High (Jordan Fabian, Jenny Leonard, Bloomberg)<\/p>\n\n\n\n U.S.: Russia has suffered 100K casualties in Bakhmut since December (Ryan Chatelain, Spectrum News NY1)<\/p>\n\n\n\n Putin\u2019s \u2018one-tank\u2019 military parade was an embarrassment for Russia, analysts say (Holly Ellyatt, CNBC)<\/p>\n\n\n\n F-16 fighter jets: Biden to let allies supply warplanes in major boost for Kyiv (Jonathan Beale, James Gregory, BBC)<\/p>\n\n\n\n Ukraine Races to Forge New Army Ahead of Offensive (Ian Lovett, Nikita Nikolaienko, The Wall Street Journal)<\/p>\n\n\n\n Ukraine\u2019s counter-offensive: The options for attack \u2013 and which is best (Mike Martin, Telegraph)<\/p>\n\n\n\n Kissinger\u2019s outdated remedy for the Ukraine war (Imran Khalid, Daily Sabah)<\/p>\n\n\n\n A Biden admin official recently told members of Congress that Ukraine has the military capability to take back Crimea (Carol E. Lee, Courtney Kube, Dan De Luce, NBC News)<\/p>\n\n\n\n Russia’s Most Amazingly Absurd Imperial Myth (Vlad Vexler, YouTube)<\/p>\n\n\n\n Putin\u2019s Crimea Mythmaking (Anya Free, Wilson Center)<\/p>\n\n\n\n Myths and misconceptions in the debate on Russia: Myth 12 \u2013 \u201cCrimea Was Always Russian\u201d (Duncan Allan, Annette Bohr, et al., Chatham House)<\/p>\n\n\n\n What Started in Crimea Should End in Crimea (Elena Davlikanova, Maria Kurinna, Center for European Policy Analysis)<\/p>\n\n\n\n The Discrimination and Persecution of Crimean Tatars in 2014-2022 (Anti-Discrimination Centre \u201cMemorial\u201d)<\/p>\n\n\n\n The Sivash: A Key Strategic Point in the Retaking of Crimea (Ihor Kabanenko, Jamestown)<\/p>\n\n\n\n Why Crimea is the key to the Ukraine war (Peter Rutland, Responsible Statecraft)<\/p>\n\n\n\n Crimea\u2019s past, and its postwar future (Pawel Korwal, GIS Reports)<\/p>\n\n\n\n Ukraine Is Serious About Taking Back Crimea (Anchal Vora, Foreign Policy)<\/p>\n\n\n\n Russia\u2019s Lake: How to Liberate the Black Sea (Olya Korbut, Center for European Policy Analysis)<\/p>\n\n\n\n Russia\u2019s last red line: Will the West help Ukraine liberate Crimea? (Dennis Soltys, Atlantic Council)<\/p>\n\n\n\n All Roads Lead to Crimea (Mick Ryan, Substack)<\/p>\n\n\n\n Ukraine should\u2014and, properly supported, can\u2014seize Crimea, argues Ben Hodges (The Economist)<\/p>\n\n\n\n Why Crimea is Not a Bridge Too Far (Michael Allen, Foreign Policy)<\/p>\n\n\n\n NOTA<\/strong>:<\/mark><\/p>\n\n\n\n No ano passado, o mundo esperava com apreens\u00e3o as palavras de Vladimir Putin, nas anuais celebra\u00e7\u00f5es do Dia da Vit\u00f3ria, a 9 de maio. A celebra\u00e7\u00e3o da vit\u00f3ria sovi\u00e9tica sobre as for\u00e7as do Eixo havia, desde os tempos de Brezhnev, sido transformada numa afirma\u00e7\u00e3o do excecionalismo russo. Eis aqui o esplendor das for\u00e7as da M\u00e3e… Ler mais »A import\u00e2ncia da Crimeia para a contraofensiva ucraniana<\/span><\/a><\/p>\n","protected":false},"author":1,"featured_media":9427,"comment_status":"open","ping_status":"open","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"neve_meta_sidebar":"","neve_meta_container":"","neve_meta_enable_content_width":"","neve_meta_content_width":0,"neve_meta_title_alignment":"","neve_meta_author_avatar":"","neve_post_elements_order":"","neve_meta_disable_header":"","neve_meta_disable_footer":"","neve_meta_disable_title":""},"categories":[25],"tags":[],"_links":{"self":[{"href":"https:\/\/eurodefense.pt\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/9426"}],"collection":[{"href":"https:\/\/eurodefense.pt\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/eurodefense.pt\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/eurodefense.pt\/wp-json\/wp\/v2\/users\/1"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/eurodefense.pt\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=9426"}],"version-history":[{"count":1,"href":"https:\/\/eurodefense.pt\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/9426\/revisions"}],"predecessor-version":[{"id":9428,"href":"https:\/\/eurodefense.pt\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/9426\/revisions\/9428"}],"wp:featuredmedia":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/eurodefense.pt\/wp-json\/wp\/v2\/media\/9427"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/eurodefense.pt\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=9426"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/eurodefense.pt\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=9426"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/eurodefense.pt\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=9426"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}
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