Em uma operação de contraterrorismo da INTERPOL, um jovem é detido pela posse de uma grande quantidade de produtos químicos, incluindo acetona, água oxigenada e lixívia, bem como instrumentos de cozinha e instruções para a construção de bombas. Uma agente daquela Organização sintetiza o caso: “What was he doing? A homemade explosive device (HME). Where did he get the materials? He got them from the same places that we buy our bread and milk for our children. There are people out there shopping for explosives to kill in the name of extremism”.
Esta operação não aconteceu, mas poderia ter acontecido. Retratada em uma curta-metragem da INTERPOL – vencedora da medalha de ouro da nona edição do Festival Cannes Corporate Media & TV Awards em 2018 – constitui uma representação fictícia de um potencial caso real. O filme faz parte do projeto Litmus, uma iniciativa da INTERPOL que visa preparar as autoridades para detetar, investigar e perseguir todos aqueles envolvidos no planeamento e preparação de um ataque terrorista com químicos ou explosivos. Em 2021, as autoridades da Dinamarca e Noruega detiveram diversos suspeitos, ligados à extrema-direita e ao jihadismo, em casos semelhantes.
De forma introdutória, este texto visa explorar um dos métodos mais utilizados para a perpetração de ataques terroristas: o uso de engenhos explosivos improvisados, também conhecidos por “IED” na terminologia inglesa (Improvised Explosive Device). Este texto divide-se em três partes – conceito; evolução histórica e resposta.
1. Conceito
Os grupos terroristas utilizam uma variedade de táticas, métodos e procedimentos para perpetrarem violência, cuja utilização varia consoante os objetivos do grupo, os recursos disponíveis, ambiente operacional, entre outros fatores. Identificadas na literatura como “terrorist tactics, techniques and procedures” (TTP), as mais comuns incluem a utilização de ataques à bomba; bombistas-suicidas; assassinatos; armas de fogo; sequestros e engenhos explosivos improvisados (IED). De acordo com o Global Terrorism Index (2023), a nível global o recurso aos ataques com explosivos é o método mais utilizado, seguido do uso de armas de fogo.
Os engenhos explosivos improvisados (IED) são dispositivos fabricados com recurso a produtos letais, nocivos, químicos, pirotécnicos ou incendiários que têm como objetivo destruir ou incapacitar um determinado alvo, civil ou militar. Dito de outro modo, por norma referem-se a bombas caseiras que são frequentemente utilizadas por terroristas, criminosos, insurgentes, ou outros atores não-estatais, geralmente contra uma força militar.
Não obstante, os IEDs também são utilizados por Estados em conflitos armados, tal como se tem verificado no caso da guerra na Ucrânia, quer por parte das forças ucranianas (ex. uso de drones com explosivos), quer russas (ex. utilização de veículos blindados carregados com IEDs). Em 2022, a intelligence britânica alertou para o uso intensivo de IEDs por parte da Rússia contra civis. A utilização de IEDs em conflitos armados é legal, mas está sujeita às regras do Direito Internacional Humanitário, sendo estritamente proibido atingir civis ou usá-los de forma indiscriminada.
Os IED podem ser fabricados com material militar, mas são sobretudo concebidos através de materiais comerciais, de fácil acesso. Neste último caso, são designados por “homemade explosives” (HME). Se os IED forem construídos com o propósito de difundir substâncias NRBQ (nucleares, radiológicas, biológicas ou químicas) tomam a designação de “dirty bombs” (um caso exemplificado em uma outra curta-metragem da INTERPOL). Os IED podem assumir múltiplas formas, desde uma pequena bomba ou um cocktail molotov, a um dispositivo explosivo de maior complexidade (ver figura 1). Em resultado da sua configuração variada, os IED podem ser transportados ou escondidos de diversas maneiras, seja em um veículo, indivíduo (colete-suicida) ou animal, entre outros.
Figura 1: Exemplos de Engenhos Explosivos Improvisados (IED)
(da esquerda para a direita): Bomba caseira (pipe bomb); Carro-bomba (fertilizer truck bomb); Cocktail Molotov.
Fonte: Exemplos referidos pelo United Nations Office on Drugs and Crime (UNODC).
2. Evolução histórica
Historicamente o conceito de “engenho explosivo improvisado” (IED) surgiu apenas na década de 1970, tendo sido cunhado pelo Exército Britânico em resultado das ações do IRA na Irlanda do Norte. O conceito foi posteriormente popularizado com a guerra no Iraque em 2003.
Segundo a ONU, é a utilização ilegal de IEDs por parte de atores não-estais, tais como terroristas, insurgentes ou atores solitários (incluindo “rogue individuals”), que suscita especial preocupação e alarme, sendo uma “ameaça em crescimento”. O aumento da procura e do seu uso deve-se à conjugação de diversos fatores: (1) simplicidade na construção (facilitada pelas informações disponíveis online); (2) acessibilidade e baixo custo dos componentes; (3) método alternativo ou complementar às armas ligeiras em países com fortes regulamentações nesse âmbito; (4) possibilidade de destruição significativa com poucos recursos.
Existem diversos exemplos da utilização de IEDs por parte deste tipo de atores. Um dos casos mais citados é o ataque do Hezbollah contra o quartel do Corpo de Fuzileiros Navais norte-americano em Beirute, em 1983. O ataque, que em 2023 assinala o 40º aniversário, vitimou 220 fuzileiros bem como 58 paraquedistas franceses, em resultado de um bombista-suicida que se fez explodir junto de um outro edifício militar. Destacam-se outros casos relevantes como o ataque bombista em Oklahoma (1995) ou os ataques terroristas em Madrid (2004) e Londres (2005). No âmbito da União Europeia os relatórios da EUROPOL sobre as tendências do terrorismo neste espaço regional (TE-SAT) evidenciam que a utilização de engenhos explosivos improvisados (HME, sobretudo) são o método preferido dos terroristas de matriz islamista, embora também sejam utilizados por grupos afetos à extrema-direita.
Para a ONU, os ataques com IEDs são uma “ameaça global”, tendo-se tornado a arma preferencial de grupos armados não estatais em vários conflitos: anualmente, “matam e ferem mais pessoas do que qualquer outro tipo de arma, exceto armas de fogo”. De acordo com a NATO, são também “uma das principais causas de baixas militares em conflitos armados”. Note-se que utilização de IEDs foram um dos principais métodos utilizados nas guerras no Iraque e Afeganistão: só no ano de 2015 os ataques com IED foram a segunda maior causa de baixas civis no Afeganistão. As estimativas globais revelam um impacto significativo dos ataques com IEDs, destacando-se os danos infligidos em civis, forças militares e as consequências negativas nos processos políticos e de ajuda humanitária.
3. Resposta
Prevenir e combater a utilização de engenhos explosivos improvisados é uma prioridade tanto para as Nações Unidas como para a NATO.
No âmbito da ONU, a United Nations Mine Action Service (UNMAS) desempenha um papel fulcral desde 1997 na inativação e eliminação de IEDs, minas, e outros dispositivos explosivos em conflitos armados.
No âmbito da NATO, destaca-se o Plano de Ação de combate a esta ameaça (2013) e a C-IED Doctrine (2018), que estipula os fundamentos nesta área, incluindo orientações estratégicas e políticas. Atualmente, a inativação de IEDs em conflitos armados ainda é uma atividade manual, por norma realizada por equipas designadas “EOD” – Explosive Ordnance Disposal. Em Portugal, a PSP e a GNR bem como todos os ramos das Forças Armadas – Marinha, Exército e Força Aérea – dispõem de elementos especializados na inativação de explosivos. Recentemente, tal como pode ser visto neste vídeo, um grupo de cientistas e especialistas da NATO desenvolveu um mecanismo tecnológico, com recurso a drones, para ajudar os militares nesta tarefa, o que tem permitido alargar a área de atuação bem como salvar vidas.
A Aliança Atlântica dispõe também de um Centro dedicado ao combate de IEDs – Counter-Improvised Explosive Devices Centre of Excellence (C-IED COE). Inaugurado em 2010 e localizado em Espanha, na cidade de Madrid, o C-IED COE tem-se centrado em produzir um conjunto de conhecimentos especializados a fim de proteger as forças aliadas e reduzir os riscos inerentes em um teatro de operações. O Centro conta com mais de 40 especialistas e 12 estados-membros, do qual Portugal faz parte.
Conclusão
Os engenhos explosivos improvisados (IED) são dispositivos utilizados por atores estatais e não estatais. É a sua utilização por parte de grupos terroristas e outros que tem suscitado maior preocupação por parte de autoridades e organizações internacionais, pois continuam a ser instrumentos atrativos para a perpetração de violência. A prevenção e combate é uma prioridade, na qual a sociedade civil pode ter um papel importante a desempenhar, nomeadamente na identificação de determinados indícios.
20 de dezembro de 2023
Joana Araújo Lopes possui um Doutoramento em “História, Estudos de Segurança e Defesa” pelo Instituto Universitário de Lisboa e Academia Militar. Em 2023 defendeu uma tese com financiamento da FCT sobre contraterrorismo em Portugal e Espanha no contexto da União Europeia (2004-2020). É Mestre em Ciência Política e Relações Internacionais pela Universidade NOVA de Lisboa (2017). Os seus principais interesses de investigação incidem sobre a segurança internacional, o terrorismo, o contraterrorismo, a radicalização, o extremismo violento e a diplomacia.
https://ciencia.iscte-iul.pt/authors/joana-araujo-lopes/cv
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