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As vulnerabilidades europeias em matéria de defesa – o que mudou com a guerra na Ucrânia

O debate não é de agora e, seguramente, não ficará por aqui. As preocupações em relação à defesa na Europa foram, a espaços, marcando a agenda, mas nunca como agora, nunca como depois do deflagrar da Guerra na Ucrânia. De facto, este conflito acordou preocupações antigas, fez surgir outras novas e, sobretudo, levou a que o tema se tornasse não apenas um alvo de discussão, mas principalmente um problema que necessita de uma resposta urgente e o mais consensual possível.

Podemos argumentar que as ameaças à segurança na Europa não se limitam a Putin ou à Rússia. Efetivamente, a crescente militarização da China, o Irão enquanto potência nuclear e o terrorismo constituem riscos sérios. No entanto, a situação na Ucrânia, pela sua proximidade geográfica e por todos os impactos de diferente natureza que causou na população europeia, implementou na opinião pública uma nova perspetiva em torno da segurança e da defesa na Europa. As fragilidades e as ameaças, que agora, mais do que nunca, se encontram expostas devem ter uma solução que assegure a continuidade do funcionamento da NATO e que admita de forma realista a criação de uma nova estratégia conjunta entre os países-membros.

A respeito da NATO, a aliança continua a ser um pilar importante em matéria de defesa. É precisamente no setor da defesa que esta deve ter um papel preponderante, algo que não tem sucedido por um conjunto de fatores que vão desde a falta de investimento até às divergências em torno de interesses e prioridades no seio dos estados-membros. Somente um comprometimento real entre os agora 32 países que compõem a aliança pode resultar num fortalecimento significativo da capacidade defensiva coletiva e na garantia da segurança dos seus elementos.

Embora a NATO se mantenha uma mais-valia a preservar, é fundamental que a Europa avalie uma nova estratégia comum que permita assegurar uma espécie de autossuficiência em termos da sua defesa. As vulnerabilidades que os países europeus enfrentam neste contexto encontram-se, inevitavelmente, associadas a um problema que não é único da defesa: uma preocupante dependência face ao exterior e, neste caso concreto, face ao poder militar do mais poderoso membro da NATO, os Estados Unidos da América. Neste sentido, analisamos novamente um episódio em que a Europa não se apresenta capaz de ser autónoma perante uma catástrofe, já depois da lição retirada de uma Pandemia em que escassearam medicamentos e material médico primário num continente que deslocalizou a sua produção industrial com base numa ideia de estabilidade e paz irreversível.

Os primeiros sinais de uma estratégia comum para a defesa surgiram muito recentemente e são prova clara de uma mudança de visão perante uma guerra à porta que não tem fim à vista. A primeira estratégia industrial europeia funda um novo capítulo de integração europeia no domínio da defesa e constitui um primeiro passo naquilo que poderá ser uma política de defesa comum, robusta e capaz de corresponder aos desafios que existem e que surgirão. Notar que esta iniciativa tem na indústria militar o seu principal foco, fator muito relevante se for tido em conta as deficiências já referidas. Esta estratégia conta assim com objetivos fundamentais que vão de encontro às necessidades identificadas: definindo uma meta para 2030, os países da UE deverão “adquirir, no mínimo, 40 % do seu equipamento de defesa num regime de colaboração”, numa ideia clara de solução defensiva comum e com responsabilidades partilhadas; deverão ainda “despender pelo menos metade do seu orçamento para os contratos públicos no setor da defesa adquirindo produtos fabricados na Europa” e “realizar transações comerciais de, pelo menos, 35 % dos bens de defesa entre os países da UE e não com outros países”, sendo que estes dois objetivos visam, justamente, incentivar e fortalecer a indústria bélica europeia.

Ainda que este primeiro passo represente o atender de uma urgência e um sinal claro de apelo à unidade entre países da UE, o caminho não poderá ficar por aqui. Uma estratégia de continuidade e de aprofundamento nesta matéria avizinha-se imprescindível, até porque os valores já anunciados a propósito da estratégia apresentada são insuficientes e incapazes de resolver qualquer problema. Neste aspeto, é sabido que a UE e os seus países encontrarão dificuldades. O investimento nas forças armadas e em armamento tende a ser impopular entre os cidadãos europeus e, talvez por isso, se justifique o silêncio entre a maioria dos líderes de países europeus, não só quando o assunto consiste na ajuda militar à Ucrânia, através do fornecimento de equipamento, mas também quando se debate a necessidade de um cumprimento com a meta de investimento da NATO ou mesmo de um compromisso comum no seio da União. O pedido de coragem de Macron não será inocente neste sentido tendo em conta o entendimento da inevitabilidade de uma tomada de posição clara e firme por parte destes líderes, de forma a impedir um eventual desenrolar negativo da situação na Ucrânia e as consequências que daí poderão emergir.

O conflito em solo ucraniano alterou o paradigma com que se olha para a defesa e segurança da Europa, sendo responsável por expor fragilidades e por demonstrar que a paz no continente europeu não é um dado adquirido, como já vários responsáveis europeus afirmaram. Esta situação veio, por outro lado, acelerar um debate evitado sobre as debilidades que a Europa enfrenta em matéria de defesa, seja pela dependência existente face aos EUA, seja pela incapacidade e demora na tomada de uma posição evidente, que resulte numa ação concertada face aos diferentes contextos que surgem no panorama internacional, com a agravante de, neste caso, a hostilidade encontrar-se em pleno continente europeu. A instabilidade surge em vários domínios, bastando lembrar que os EUA se encontram em contagem decrescente para umas eleições incertas que poderão alterar algumas circunstâncias no seio da aliança transatlântica. A inevitabilidade de um exército europeu ganha força enquanto necessidade, sendo certo que haverá obstáculos, divisões e cedências a fazer para que tal seja cumprido. A urgência em defender a Europa é também uma urgência na defesa dos valores que a constituem e, por isso, será preciso agir, mobilizar e unir.


12 de março de 2024

Guilherme de Sousa Taxa
EuroDefense Jovem-Portugal


Bibliografia

Primeira estratégia industrial europeia de defesa para reforçar a preparação e a segurança da Europa. Comissão Europeia. [Consultado em 8 de março de 2024]. Disponível em: https://commission.europa.eu/news/first-ever-european-defence-industrial-strategy-enhance-europes-readiness-and-security-2024-03-05_pt

Macron pede “coragem” aos aliados da Ucrânia (2024). Diário de Notícias. [Consultado em 9 de março de 2024]. Disponível em: https://www.dn.pt/1771278230/macron-pede-coragem-aos-aliados-da-ucrania/


NOTA:

  • As opiniões livremente expressas nas publicações da EuroDefense-Portugal vinculam apenas os seus autores, não podendo ser vistas como refletindo uma posição oficial do Centro de Estudos EuroDefense-Portugal.
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