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Uma Europa além das urnas: o que está em jogo nas próximas eleições?

5ª “Edição Europa” das Tertúlias EDJ

Introdução

A nossa convidada de hoje é a professora Dina Sebastião. Professora Auxiliar de Estudos Europeus na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, é doutorada em Estudos Europeus e mestre em História Contemporânea: Economia, Sociedade e Relações Internacionais, com especialização em Portugal e na integração europeia.  Tem dedicado a sua investigação à europeização de Portugal, nomeadamente dos partidos políticos, e às políticas europeias, problematizando a governação e o sistema político da União Europeia. Foi galardoada com o Prémio Jacques Delors 2017 – Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal, pelo melhor estudo em temas comunitários. É atualmente diretora de 1º ciclo em Estudos Europeus. Bem-vinda, professora e obrigada por ter aceite o nosso convite!

As eleições europeias realizam-se entre 6 e 9 de junho. Esta é uma das formas do cidadão participar ativamente na política europeia através da escolha dos deputados que melhor representaram os seus interesses, uma vez que as decisões do Parlamento Europeu influenciam a sua vida. Estas eleições realizam-se de 5 em 5 anos, sendo o ano de 2024 particularmente importante devido aos desafios e oportunidades que lhes estão inerentes.

Em primeiro lugar, a abstenção tem sido um problema crescente nos últimos anos. Nas últimas eleições europeias, realizadas em 2019, a abstenção foi de 49,4%. Apesar de o Parlamento Europeu afirmar que houve “uma taxa de participação mais elevada desde as eleições de 1994”, se olharmos para o caso português a abstenção situou-se nos 68,6%. Ainda nesta matéria, o Parlamento salienta as disparidades de participação entre os Estados-Membros com variações de 88% na Bélgica e 23% na Eslováquia.

Segundo, assiste-se na Europa a uma vaga de crescimento da extrema-direita e da direita radical. Depois da vitória de Giorgia Meloni na Itália, observou-se mais recentemente o crescimento do partido CHEGA em Portugal.  Nas últimas eleições europeias, a bancada do Identidade e Democracia, conhecida pelas suas posições anti Europa e extremistas, conquistou 73 lugares, aumentando o número que já havia conquistado em 2019 (59). É importante mencionar ainda que este fenómeno vem muitas vezes associado a discurso anti Europa, pondo em causa a integridade europeia.

Outro desafio associado a estas eleições é a situação de guerra vivenciada em Israel e na Ucrânia. Ambos os países fazem parte da vizinhança europeia, estabelecendo relações com a União Europeia. A instabilidade nestes territórios coloca a segurança europeia em alerta, destacando a necessidade de cooperação de todos os Estados-Membros.

Apesar de todos estes desafios, existe uma oportunidade importante destacada pelo primeiro-ministro da Grécia, Kyriakos Mitsotakis: a realização de um balanço sobre os êxitos da União Europeia nos últimos 5 anos dos quais destaca o NextGenerationEU, o combate à Covid-19 e a ajuda à Ucrânia. Este balanço poderá permitir uma sensibilização do cidadão para a importância e o impacto da União Europeia.

Para terminar, estas eleições têm sido colocadas em segundo plano não só pelos cidadãos, mas também pelos decisores políticos. Com este episódio pretendemos apelar à participação cidadã e também alertar para a importância da mesma.

Este tema foi debatido na segunda Tertúlia desta 5ª Edição das TertúliasEDJ, dedicada à União Europeia. Esta “Edição Europa” prosseguiu com o tema “Eleições Europeias 2024: desafios e oportunidades” e contou com a presença da nossa convidada – a professora Dina Sebastião, Professora Auxiliar de Estudos Europeus na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.

A entrevista

1. As expectativas que irão dominar o debate político?

O panorama europeu está marcado por temas persistentes que dominam o debate global, e estes irão acompanhar o processo legislativo europeu ao longo do próximo mandato do Parlamento Europeu e da nova Comissão Europeia. Entre eles, destacam-se as mudanças no Sistema Internacional, a prolongada Guerra na Ucrânia e o conflito Israelo-Palestiniano. Estes temas não são novos, mas continuam a evoluir e a influenciar as dinâmicas geopolíticas mundiais.

No contexto de um sistema internacional mais fragmentado, surge o debate sobre a continuidade do apoio à Ucrânia. A União Europeia (UE) enfrenta o desafio de equilibrar a necessidade de aumentar a sua capacidade militar com os investimentos necessários para tal. Esta questão é delicada, pois pode polarizar os Estados-membros da UE e os seus partidos políticos, especialmente quando consideramos as outras necessidades sociais que a UE deve atender.

A relação entre a UE e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) é outra questão crítica, particularmente à luz das próximas eleições europeias. As implicações destas eleições podem redefinir a colaboração em segurança e defesa entre a UE e a NATO.

A Autonomia Estratégica da UE, que vai além da Segurança e Defesa, é uma preocupação crescente. A dependência energética da UE de fontes externas, bem como a necessidade de componentes e matérias-primas, cujos fluxos podem ser interrompidos por conflitos ou pandemias, coloca em evidência a importância da autonomia económica.

A transnacionalização da Política Agrícola Comum, o Green Deal e o Novo Pacto das Migrações são problemas que se entrelaçam no cenário político atual. A política migratória da UE, que parece inclinar-se para uma abordagem mais securitária, provavelmente mobiliza as forças políticas de esquerda e direita para debater e propor alterações significativas a este programa.

2. As disparidades na taxa de participação eleitoral dos países europeus: que soluções?

De acordo com diversos estudos no campo dos estudos eleitorais da União Europeia, as eleições europeias são frequentemente classificadas como eleições de segunda ordem. Isto significa que, na percepção dos cidadãos, estas eleições não têm uma importância direta. Em vez disso, são vistas como eleições secundárias. Os cidadãos tendem a considerar as eleições nacionais como as mais importantes e decisivas, pois são estas que determinam as políticas que afetam o seu dia-a-dia. Assim, são as instituições nacionais que, na opinião dos cidadãos, têm o poder de influenciar e afetar as suas vidas.

Embora o conceito de eleições de segunda ordem seja antigo e sugira que as eleições europeias têm menos impacto direto para os cidadãos, este tem sido questionado recentemente. A União Europeia tem cada vez mais competências e influência nas políticas públicas, inclusive em relação aos Estados Unidos. Além disso, a politização dos assuntos europeus e eventos recentes, como a crise da dívida na zona euro, o Brexit, a pandemia e a guerra na Ucrânia, realçaram a importância dos assuntos europeus no espaço nacional. Portanto, a relevância das eleições europeias está a ser reavaliada.

A política agrícola comum é um exemplo de como a União Europeia tem impacto nas políticas nacionais, com agricultores a articularem-se a nível transnacional. Apesar das várias crises dos últimos dez anos, há efeitos positivos, como a evidência da importância da integração europeia.

A guerra na Ucrânia e a Covid-19 reforçaram a importância da União Europeia (UE) e da sua integração política. Apesar das diferenças iniciais, os Estados-membros uniram-se para combater a pandemia. As características nacionais e estruturais dos Estados-membros, como a história, cultura, economia e posição em relação às políticas europeias, influenciam o seu envolvimento na UE. Questões como a migração e a economia geram conflitos em alguns Estados, enquanto outros beneficiam dessas políticas. A politização da UE, o crescimento da direita radical e a polarização dos debates são fatores que também afetam a participação dos Estados-membros na UE.

3. O problema da abstenção. Como aumentar a participação?

A educação para a cidadania política é um fator estruturante que pode mobilizar os eleitores europeus. Esta educação não produz efeitos imediatos, mas sim a médio e longo prazo. Portanto, é importante integrar a importância da União Europeia (UE) no currículo escolar obrigatório. Isso pode ser feito através de várias disciplinas, como História e Geografia, e também através da educação para a cidadania política. Os alunos devem aprender sobre o sistema político da UE, como ele interage com os sistemas nacionais, e como a UE afeta as políticas públicas nacionais. Além disso, eles devem entender as ideologias políticas, as principais famílias políticas na Europa, e as bases ideológicas de escolha dos partidos.

A curto prazo, os vários atores envolvidos nas relações europeias têm um papel importante a desempenhar. A UE deve fornecer informações claras sobre o que está em jogo nas eleições europeias. Os partidos políticos devem ser ideologicamente e intelectualmente honestos, e devem fazer das eleições europeias um fórum de debate sobre questões europeias, em vez de desviar a atenção para temas nacionais. Eles devem contribuir para o debate público e esclarecer os eleitores sobre as questões europeias.

A comunicação social também tem um papel crucial a desempenhar. Em vez de se concentrar em assuntos secundários, como quem é o cabeça de lista de um partido, os meios de comunicação devem discutir questões europeias. Além disso, os jornalistas devem ser formados em assuntos europeus para poderem ir ao cerne das questões europeias e fazer as perguntas certas aos candidatos às eleições europeias.

Em suma, para aumentar a participação dos eleitores nas eleições europeias, é necessário um esforço conjunto de várias partes, incluindo a UE, os partidos políticos, a comunicação social e o sistema educativo. A educação para a cidadania política, a informação clara sobre as questões europeias, e um debate público esclarecedor são todos elementos chave para alcançar este objetivo.

4. As tendências políticas emergentes das eleições

As mudanças políticas serão impulsionadas pela nova configuração do Parlamento Europeu. Nas eleições de 2019, já se previa o crescimento da direita radical, que foi equilibrado pelo aumento de partidos europeístas, como os Verdes. As projeções atuais indicam que a presença da direita radical será mais significativa, fragmentando o Parlamento e dificultando a tradicional coligação entre direita e centro-esquerda.

O Parlamento Europeu, que é colegislador em muitos assuntos da União Europeia, tinha até agora o PPE com cerca de 76 lugares, os sociais democratas com 144 e o Renew Europe, um grupo pró-europeu que fazia alianças com o PPE ou os sociais democratas.

Segundo uma sondagem de abril de 2024, o PPE continuará a ter a maioria dos votos com 155 assentos, seguido pelos sociais democratas com 169. O Grupo da Identidade e Democracia, que inclui vários partidos de direita radical, terá 87 assentos, seguido pela União e Europa com 80. Em quinto lugar, com 76 assentos, ficará o grupo dos conservadores e reformistas, um grupo eurocético que acredita na integração europeia como um projeto de mercado. Este grupo, que incluía o antigo Partido Conservador Britânico, tem desafiado alguns princípios do Estado de Direito na União Europeia.

A preocupação reside na possibilidade de os princípios da direita radical, que rejeitam vários mecanismos do Estado de Direito e a União Europeia como um projeto supranacional, se refletirem no Parlamento Europeu. Isso poderia representar um retrocesso nos valores fundamentais constitucionais da integração europeia.

Embora a União Europeia seja delimitada por tratados e mecanismos legais, esses princípios podem se manifestar em certas tendências. Por exemplo, a Presidente da Comissão Europeia, Ursula Von Der Leyen, que se candidatou para ser reeleita, deixou aberta a possibilidade de alianças com grupos como os conservadores e reformistas no Partido Popular Europeu.

Além disso, nas zonas rurais da União Europeia, onde há resistência a uma política agrícola mais verde e ambientalista, os partidos de direita radical estão a ganhar apoio entre os agricultores e a população rural. As implicações do crescimento potencial da direita radical na política europeia são algo que devemos considerar neste momento.

5. Os impactos dos resultados eleitorais nas posições, a nível de Política Internacional da União Europeia

Observando a linguagem errática dos partidos radicais, podemos prever algumas tendências. Por um lado, a postura pró-Rússia de alguns desses partidos poderia levar a uma abordagem mais relaxada em relação às sanções e penalidades à Rússia devido à guerra na Ucrânia. No entanto, após a guerra na Ucrânia, esses partidos têm demonstrado uma abordagem errática e oportunista em relação a várias questões europeias e nacionais.

Vimos uma retração no discurso de apoio à Rússia por parte desses partidos, e até tentativas de ocultar apoios financeiros e logísticos da Rússia. Considerando isso, e o fato de que a política externa da União Europeia é principalmente uma política de âmbito nacional, a União Europeia tem mecanismos de coordenação e operacionais na política externa de segurança comum, mas não tem poderes reais nessa área. Este domínio é uma reserva soberana dos Estados membros.

Resumindo, não veremos grandes mudanças, pois a política continuará a ser decidida principalmente no contexto intergovernamental da União Europeia. Embora possamos ver diferentes posições e decisões do Parlamento Europeu, não espero grandes alterações. No entanto, a política ambiental da União Europeia pode sofrer alterações, já que esses partidos tendem a negar as mudanças climáticas e a dar menos importância às questões ambientais.

6. Não só desafios, mas também as oportunidades que as eleições podem oferecer

As reformas em curso na União Europeia, incluindo o aumento do orçamento e a implementação de competências fiscais, continuam apesar das divergências ideológicas. O Partido de Direita Radical, embora favorável a uma economia liberal, enfrenta dificuldades em recusar o aumento do orçamento europeu, que beneficia Portugal.

A revisão das políticas ambientais e da PAC oferece uma janela de oportunidade, apesar da resistência de alguns partidos. As coligações entre os Partidos Ex-Democratas, o PPE, os verdes e a esquerda eurocética podem beneficiar estas políticas redistributivas e ambientais.

A autonomia estratégica da União Europeia, o aumento da capacidade de segurança e defesa e o fomento das relações com a NATO são áreas de potencial consenso. A dimensão social da União Europeia, embora adiada, é uma área que pode continuar a ser reforçada, apesar da resistência de alguns partidos de direita radical.

A política migratória, recentemente reformada, pode continuar a seguir a tendência de reforço de fronteiras e de uma dimensão mais securitária da política europeia.


21 de maio de 2024

Janine Simão e Vitaliy Venislavskyy
EuroDefense Jovem Portugal


A Tertúlia

Aceder à gravação no Spotify: https://open.spotify.com/episode/4JfdkLLF4n6pqQ1xojxZqb?si=12855ecd87204c25

Referências

Carmona , F., Trapouzanlis , C., & Jongberg, K. (2023, October). Política europeia de vizinhança | Fichas temáticas sobre a União Europeia | Parlamento Europeu. Retrieved from www.europarl.europa.eu website: https://www.europarl.europa.eu/factsheets/pt/sheet/170/politica-europeia-de-vizinhanca

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Parlamento Europeu. (n.d.-c). Será que as eleições europeias ganharam uma nova dimensão? Retrieved from Será que as eleições europeias ganharam uma nova dimensão? website: https://www.europarl.europa.eu/at-your-service/pt/be-heard/eurobarometer/2019-european-elections-entered-a-new-dimension


NOTA:

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