Os jogos de guerra (wargames) têm uma longa tradição enquanto instrumentos de treino e planeamento militar. Desde o Kriegsspiel prussiano do século XIX até às sofisticadas simulações digitais de hoje, estamos a falar de laboratórios estratégicos cuja tarefa é a de entender os limites e das decisões e tornar os processos da sua tomada mais rápido e eficientes, em ambientes de incerteza. No entanto, a realidade contemporânea, marcada pelo conjunto de ameaças híbridas, levanta uma questão incontornável: até que ponto o wargaming deve ultrapassar os limites da esfera militar e incluir a dimensão civil como parte da construção da resiliência nacional?
A guerra do século XXI já não é travada apenas nos campos de batalha convencionais. Mesmo esses, exigem um termo de atuação multidimensional cada vez mais complexa, sobretudo em matéria de cooperação entre o Homem e a Máquina (Human-Machine Teaming). No entanto, as ameaças híbridas, as campanhas de desinformação, os ataques cibernéticos ou as crises energéticas induzidas têm impacto direto sobre as sociedades e exigem respostas coordenadas entre Forças Armadas, autoridades civis e cidadãos. Neste contexto, podemos começar a vislumbrar nos jogos de guerra uma oportunidade excecional para se estabelecerem como um instrumento privilegiado não só para testar planos operacionais, mas também para simular a reação de uma sociedade em crise.
Exemplos recentes mostram a relevância desta abordagem. Nos Estados Unidos e em alguns países nórdicos, wargames têm incluído atores civis, desde empresas de energia até organizações de proteção civil, cujo papel servia para avaliar a capacidade de resposta perante um apagão elétrico de larga escala ou uma campanha de manipulação informacional. Estas experiências revelam fragilidades, mas também fortalecem a consciência coletiva sobre a importância da resiliência. Em Portugal, o exercício anual organizado pela Marinha Portuguesa, estou a falar do REPMUS, conta com a crescente participação de organizações e instituições civis.
A problemática, ainda assim, reside no equilíbrio entre a natureza militar dos wargames e a sua abertura a uma lógica societal mais ampla. Se, por um lado, o excesso de participação civil pode diluir a especificidade técnica dos exercícios militares, por outro, a sua ausência deixa de fora uma parte essencial da equação da segurança contemporânea: a cooperação civil-militar. Ou seja, torna-se fundamental, através dos wargames, compreender a forma como a sociedade civil, num geral, iria responder, em massa, a uma situação de emergência. Porque essa reação, quanto mais caótica, dificultaria, proporcionalmente, a capacidade de reação das autoridades competentes.
No quadro da NATO e da União Europeia, esta discussão ganha atualidade. A “resiliência social” é hoje considerada um pilar de defesa coletiva, e a integração de cidadãos, empresas e instituições civis em simulações estratégicas pode ser a chave para enfrentar crises complexas. Devemos explorar, por isso mesmo, se estamos preparados para usar os jogos de guerra não apenas como ensaio da guerra, mas também como ensaio da paz e da sobrevivência coletiva.
Esta dimensão obrigar-nos-á a percecionar os wargames não apenas como exercícios de Estado-Maior, mas como sendo plataformas de diálogo e cooperação que cruzam o militar e o civil, fortalecendo a capacidade de adaptação nacional. Num tempo em que a guerra e a paz se confundem em zonas cinzentas, o futuro dos jogos de guerra dependerá certamente da sua capacidade de incluir toda a sociedade na preparação para o inesperado.
Lisboa, 1 de outubro de 2025
Vitaliy Venislavskyy
EuroDefense-Jovem Portugal
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