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O Ártico é uma região constituída pelos Estados da Dinamarca (através da região autónoma da Gronelândia), Rússia, Canadá, Estados Unidos da América (EUA) (através do Estado do Alasca), Islândia, Finlândia, Noruega e Suécia; e pelo Oceano Ártico, cuja maior parte da área se encontra coberta de gelo durante todo o ano (Libório & Guedes, 2020). Todavia, com a subida da temperatura média da região, em cerca de 2ºC, devido ao aquecimento global, tem-se assistido a um decréscimo da extensão do gelo, registando-se um desaparecimento de 40%, em 2007 (Jacinto, 2016). Por conseguinte, nos últimos anos, o Ártico tem sofrido grandes alterações a nível ambiental, económico, político e social, como por exemplo a possibilidade de navegação por novas rotas marítimas e novas oportunidades de exploração de recursos naturais (Bülow, 2018).

Figura 1: A região do Ártico e as suas percentagens de gelo.
Retirado de: https://nsidc.org/cryosphere/frozenground/whereis_fg.html

Assim, no que respeita a novas rotas marítimas temos: o Trajeto Marítimo do Norte (NSR – Northern Sea Route), que diminui a distância entre o Este Asiático e a Europa Ocidental de 21 mil km, usando o canal do Suez, para 12,8 mil km; o Trajeto Noroeste (NWP – Northwest Passage), que encurta a distância entre o Este Asiático e a Europa Ocidental de 24 mil km, através do Canal do Panamá, para 13,6 mil km; e, finalmente, o Trajeto Transpolar Marítimo (TSR – Transpolar Sea Route) que, caso se torne navegável, converter-se-á no trajeto mais curto entre o Oceano Pacifico e o Oceano Atlântico e retirará relevância ao NSR e ao NWP, pois embora estes sejam de menor distância, o TSR não tem quaisquer obstáculos que se possam revelar como fatores de risco à sua navegação, tais como ilhas, canais ou estreitos (Libório & Guedes, 2020).

Figura 2: Novas rotas marítimas.
Retirado de: https://dailybrief.oxan.com/Analysis/DB238508/Polar-Silk-Road-will-reshape-trade-and-geopolitics

Posto isto, assiste-se a uma reorientação dos interesses dos Estados no sentido da utilização destas novas rotas marítimas, uma vez que estas oferecem tempos de viagem mais curtos, o que representa preços mais reduzidos de navegação, mas também vantagens em possíveis atividades militares, desenvolvimento da atividade piscatória e promoção de atividades turísticas na região, e a possibilidade de navegação regional (Gricius, 2021).

Por outro lado, no que toca às novas oportunidades de exploração de recursos naturais, denota-se um aumento progressivo da descoberta e da acessibilidade aos mesmos, estimando-se que as reservas de petróleo e gás natural da região representem 13% do petróleo e 30% do gás de todo o mundo (Libório & Guedes, 2020). Ademais, o Ártico é também rico em minerais como o cobre, o níquel, o urânio – muito usado na manufatura de armamento nuclear – e outros tipos de minerais raros utilizados na manufatura de novas tecnologias (Libório & Guedes, 2020; Volpe, 2020). Desta feita, muitos Estados têm-se visto interessados na exploração destes recursos, já que a amenização das condições ambientais resulta numa diminuição dos custos de exploração e na criação de lucro face ao preço da extração (Dubois & Gagaridis, 2018).

Figura 3: Presença de petróleo e gás natural.
Retirado de: https://nordregio.org/maps/resources-in-the-arctic-2019/

No entanto, apesar de os Estados se mostrarem confiantes quanto à exploração desta região, esta pode não ser exequível, já que apesar de se conjeturar uma tendência de degelo no Ártico, é difícil prever as suas variações anuais. Desta maneira, se o impacto das alterações climáticas não for expressivo, os preços da exploração de recursos permanecerão demasiado altos e as rotas marítimas ficarão fechadas durante o inverno, abrindo apenas durante cerca de 30 dias no verão. Tal sazonalidade impossibilitará o fornecimento de um serviço constante por parte das transportadoras marítimas e diminuirá o potencial económico da região (Libório & Guedes, 2020). Para mais, a falta de infraestruturas desenvolvidas torna o desenvolvimento robusto destas atividades bastante imprevisível (Gricius, 2021).

Contudo, a imprevisibilidade das alterações climáticas não tem impedido diversos atores de verem o potencial económico da região como uma oportunidade para expandirem a sua relevância internacional e aumentarem o seu território (Guedes, 2015). Deste modo, ao longo dos últimos anos, os Estados Árticos têm procurado reivindicar os seus direitos de soberania e acesso a determinados territórios, e têm realizado pedidos de alargamento das suas plataformas continentais, de maneira a acederem a determinados recursos e a controlarem pontos chave das possíveis novas rotas marítimas (Jacinto, 2016; Libório e Guedes, 2020). Ademais, outros Estados que não se encontram geograficamente presentes no Ártico têm demonstrado interesse na região, como é o caso da China. Posto isto, o Ártico tem visto a sua importância estratégica a aumentar sincronicamente com o seu potencial económico(Bülow, 2018).

Neste sentido, embora a atual arquitetura de segurança do Ártico seja marcada pela cooperação, devido à presença de instrumentos como a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), a Declaração de Ilulissat, e de fóruns como o Conselho do Ártico, que incitam ao diálogo pacífico entre os Estado Árticos, a região tem sido palco de várias disputas territoriais e conflitos de interesse que podem vir a pôr em causa a sua estabilidade (Guedes, 2015; Dubois & Gagaridis, 2018; Gricius, 2021).

Um primeiro exemplo é o da submissão, por parte da Rússia, de um pedido de extensão da sua plataforma continental, em 2001, à Comissão sobre os Limites da Plataforma Continental (CLPC), no qual alega que a Lomonosov Ridge se trata de um prolongamento do seu território continental, de modo a ter jurisdição sobre os recursos existentes na mesma. Neste sentido, também o Canadá e a Dinamarca submeteram pedidos da mesma natureza, em 2009 e 2014 respetivamente, o que se mostra preocupante, uma vez que tais extensões das plataformas continentais coincidem numa mesma parte parcial ou total do território (Jacinto, 2016; Libório & Guedes, 2020). Assim, a Lomonosov Ridge, poderá vir a tornar-se numa shatterbelt, isto é, poderá vir a ser fragmentada e dividida pelas diversas potências consoante os seus interesses geopolíticos e geoestratégicos. Posto isto, esta situação preocupa, ainda, outros Estados com interesse na região, pois se estas reivindicações forem aceites, 88% do Ártico ficará sujeito à soberania dos Estados reivindicativos (Libório & Guedes, 2020).

Também a presença chinesa na região veio aumentar a tensão, com a China a olhar para o Ártico como uma oportunidade de diversificar os seus fornecedores energéticos e de expandir a Rota Marítima da Seda (Dubois & Gagaridis, 2018). Assim, de modo a concretizar os seus interesses, a China tem procurado construir uma identidade ártica – embora não exista uma proximidade geográfica –, estabelecendo relações diplomáticas multilaterais e bilaterais com os Estados Árticos. Existe, deste modo, uma procura de legitimar a sua presença na região e criar uma perceção de si como um país cooperativo e pacífico (Volpe, 2020). Ainda assim, a sua presença é vista com desconfiança por parte de alguns Estados Árticos, como os EUA (Dubois & Gagaridis, 2018). O desejo chinês de um papel ativo na região é visto como o esforço de uma potência emergente de exportar o seu poder e influência. Estas perceções têm por base a frequente conexão com as intenções chinesas no Mar do Sul da China e o historial chinês de desenvolvimento da sua capacidade de projeção de poder para o exterior, de modo a proteger os seus bens, o que leva ao receio de que tais padrões se repitam no Ártico. Assim, o Ártico está a emergir como um novo palco para a rivalidade entre a China e os EUA (Sun, 2020).

Por sua vez, a possível emergência de novas rotas marítimas, como o NSR e o NWP, tem contribuído para o aumento da instabilidade no Ártico. No que toca ao NSR, persiste a incerteza sobre quem detém o controlo da mesma, uma vez que a Rússia a reivindica como parte das suas águas territoriais, pois tal oferece-lhe direitos exclusivos à realização de atividades na mesma, enquanto os EUA insistem que esta se encontra em águas internacionais. Além disso, o facto de a China estar a cooperar com a Rússia para o desenvolvimento desta rota é também uma fonte de tensão, pois possibilita um aumento da influência chinesa na região e representa a união de dois Estados com os quais os EUA mantêm relações conturbadas. Neste sentido, não deve descurar-se a possibilidade dos EUA, como resposta, aumentarem o seu poder militar no Ártico, ainda que tal possa culminar num aprofundar das tensões. À semelhança do NSR, também não existe uma definição clara sobre quem detém a soberania do NWP, visto que o Canadá a reivindica como estando localizada em águas canadianas e os EUA e a Europa defendem-na como sendo internacional (Gricius, 2021).

Deste modo, compreende-se que a falta de clarificação sobre quem detém o controlo destas rotas marítimas é uma fonte de tensão para os Estados envolvidos. No entanto, é relevante perceber que o aumento da circulação nas mesmas também traz consigo outras implicações. Um aumento do tráfego pressupõe um aumento de monitorização de forma a impedir o desenvolvimento de fenómenos como o crime transnacional organizado, o que, por sua vez, pode significar que países como a Rússia e o Canadá necessitarão de aumentar o seu poder militar na região, para protegerem as suas fronteiras. Como já demonstrado, o aumento da presença militar de um Estado traz consigo um potencial de criação ou aprofundamento de tensões com outros Estados (Gricius, 2021). 

Neste sentido, nos últimos anos tem-se assistido a uma crescente militarização do Ártico, a qual se pode traduzir na realização de exercícios militares por parte da Rússia, como os Vostok, em 2018, e os Tsentr, em 2019, e por parte da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), que realizou os Trident Juncture, em 2018. Neste sentido, importa ter em mente que dos oito Estados Árticos, cinco pertencem à OTAN – Canadá, Dinamarca, EUA, Islândia e Noruega – e que tanto os EUA como a Rússia fazem parte dos países que mais dinheiro investiram em defesa em 2018. Assim, pelo tipo de exercícios empreendidos e pelo tipo de países envolvidos nos mesmos, é possível perceber que o Ártico começa a adquirir uma nova importância enquanto possível teatro de operações militares (Libório & Guedes, 2020).

Em suma, entende-se que, por consequência do aquecimento global, o Ártico encontra-se num extenso processo de transformação, apresentando novas potencialidades ao nível da exploração de recursos naturais e da navegação por rotas marítimas mais curtas, que vieram desencadear nos Estados Árticos – e outros – um desejo de expansão do seu poder e influência na região (Jacinto 2016; Libório & Guedes, 2020). Por conseguinte, mesmo uma leitura superficial da situação salienta o surgimento de tensões e conflitos inerentes a este aumento da centralidade do Ártico, estando a região apenas dependente de instrumentos legais como a CNUDM, a Declaração de Ilulissat ou o Conselho do Ártico para manter a cooperação pacifica entre os diversos Estado Árticos e Estados não Árticos com interesse na região (Guedes, 2015).


Figura 4: Mapa de disputas da região.
Retirado de: https://upnorth.eu/moscow-again-makes-expansive-claims-to-large-parts-of-arctic-ocean/


30 de setembro de 2021

Leonor Sustelo
EuroDefense Jovem-Portugal


Madalena Matoso
Orbis


Bibliografia:

Arctic Council. (2021). Arctic States. Obtido de Arctic Council: https://arcticcouncil.org/about/states/

Bülow, C. G. (2018). Friend or Foe: The Chinese Interest in Greenland and How it Impacts the Relationship Between Greenland and Denmark. 7-17; 51-71.

Dubois, K., & Gagaridis, A. (2018). The Security Implications of China-Greenland Relations. The Polar Connection: http://polarconnection.org/security-china-greenland-relations/

Gricius, G. (2021). Geopolitical Implications of New Arctic Shipping Lanes. The Arctic Institute: https://www.thearcticinstitute.org/geopolitical-implications-arctic-shipping-lanes/

Guedes, A. M. (2015). Conselho do Ártico. Janus: Universidade Autónoma de Lisboa. https://repositorio.ual.pt/bitstream/11144/2982/1/3.30_ArmandoMGuedes_ConselhoArtico.pdf

Jacinto, C. S. (2016). A questão territorial no Ártico: uma questão de desordem mundial? Revista Portuguesa de Ciência Política, 53-70. http://www.observatoriopolitico.pt/wp-content/uploads/2018/02/RPCP6.pdf

Libório, O. F., & Guedes, T. (2020). O Estreito de Bering e os Dois Trajetos Árticos (NSR e NWP. Em M. Guedes, & M. Cruz, A Geopolítica dos Chokepoints e dos Shatterbelts (Vol. 1, pp. 63-100). Cadernos do IUM.

https://www.ium.pt/s/wp-content/uploads/CIDIUM/Cadernos%20do%20IESM-IUM/Cadernos%20do%20IUM%20N.o45%20-%20A%20Geopol%C3%ADtica%20dos%20Chokepoints%20e%20dos%20Shatterbelts%20(Volume%20I).pdf

National Snow and Ice Data Center. (2020). What is the Arctic? Obtido de National Snow and Ice Data Center: National Snow and Ice Data Center. https://nsidc.org/cryosphere/arctic-meteorology/arctic.html

NATO. (s.d.). What is NATO? Obtido de NATO: https://www.nato.int/nato-welcome/index.html

Sun, Y. (2020). Defining the Chinese Threat in the Arctic. The Arctic Institute: https://www.thearcticinstitute.org/defining-the-chinese-threat-in-the-arctic/

Volpe, M. (2020). The tortuous path of China’s win-win strategy in Greenland. The Arctic Institute: https://www.thearcticinstitute.org/tortuous-path-china-win-win-strategy-greenland/

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