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1. Introdução


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No dia 24 de fevereiro de 2022, as Forças Armadas Russas transpuseram a fronteira da Ucrânia e iniciaram uma invasão armada. O seu objetivo era o de tornar impossível a integração ucraniana na NATO, principalmente.

No dia 9 de março, a EuroDefense Jovem organizou uma Tertúlia, intitulada “Ucrânia, a resposta da UE”, contando com o Major-General do Exército Português, Carlos Branco, como orador, para dar a compreender de que forma reagiu o Ocidente a esta guerra e qual a melhor perspetiva para este conflito ser observado, em termos geopolíticos internacionais.

2. Contexto político de uma guerra que todos temiam

A 24 de fevereiro, tal como já foi afirmado anteriormente, “as Forças Armadas Russas entravam na Ucrânia, por ar, terra e mar, depois de ensaiada a justificação de provocações contra as regiões separatistas [de Donbass, por parte das Forças Ucranianas], convertidas em Estados que pediam intervenção militar.” (Marcelo Rebelo de Sousa, 2022).

Obviamente que as razões para este conflito começam no imediato pós-Guerra Fria e com o desmantelamento do Pacto de Varsóvia, cuja maioria de países aderiu, posteriormente à NATO. Ora, neste panorama, o fator central está na ideia de que o pressuposto fulcral para o desmantelamento do Pacto de Varsóvia e a reunificação da Alemanha nunca seria acompanhado pela expansão da NATO para leste. Porém, a NATO expandiu. E é importante referir que apesar desse pressuposto nunca ter sido dado por combinado entre os EUA e a Rússia, este se tornou no momento central da viragem russa, que de parceira da Aliança Atlântica, se tornou na sua principal desafiadora, a nível estratégico.

Outro ponto fulcral, é saber onde acaba essa expansão, sobretudo à importante posição estratégica da Ucrânia na história russa e na vontade da primeira em aderir à Organização de Defesa Comunitária e à União Europeia.

Obviamente, as sucessivas tentativas russas de juntar as antigas Repúblicas soviéticas e reinventar o “espaço e a preponderância perdidos” com a desintegração da União Soviética, levam a entender a posição russa face à adesão compulsiva à NATO e explicam sucintamente as causas da Anexação à Crimeia (que de um ponto de vista estratégico, é um espaço vital para a defesa do Heartland russo) e a tentativa de anexar o espaço do Donbass, no Leste da Ucrânia (que serviria de linha de comunicação terrestre à Crimeia).

Em 2014, criou-se o pretexto para o início destas operações militares da Rússia, quando, resultando de uma revolução em Kiev, o governo pró-russo de Yanukovich é deposto e a Ucrânia decide a viragem total para a UE e para a NATO. Desta forma, desde 2015, a Rússia financia uma guerra civil no Leste da Ucrânia, criando um quadro de problemas internos que evitem a entrada da Ucrânia no quadro institucional Atlântico e Europeu.

No entanto, com a eleição de Volodymyr Zelenskiy, a Ucrânia teve um reforço na sua militarização e da cooperação global, onde se consumou uma derradeira aproximação à UE e à NATO, visando a entrada definitiva da Ucrânia. Obviamente que este desenvolvimento político na Ucrânia não passou ignorado pela Rússia e Moscovo iniciou uma pressão militar, com a mobilização militar nas fronteiras com a Ucrânia, criando pressão política sobre Zelenskiy, que este ia ignorando e continuava a sua política de rearmamento e aproximação com a UE e NATO.

No seguimento desta posição de Kiev, Moscovo foi aumentando a sua pressão sobre a Ucrânia, onde a possibilidade de guerra já se tornava numa realidade cada vez mais próxima e as tensões entre as duas partes chegaram ao pico aquando do discurso de Zelenskiy na Conferência de Munique, de que a Ucrânia ir-se-ia voltar para um programa nuclear interno, que visava a rejeição do Memorando de Budapeste, à luz do desrespeito deste, por parte dos que garantiram a defesa da integridade territorial da Ucrânia. Este discurso levou Putin a declarar o reconhecimento da independência das Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk, e dois dias depois, deu-se início da invasão russa, cujas Forças Armadas transpuseram a fronteira ucraniana nas regiões já ocupadas de Donbass, da Crimeia e pelo norte, através da Bielorrússia (Zelenskiy, 2022).

3. Contributo de Major-General Carlos Branco

No dia 9 de março, a EuroDefense Jovem organizou uma Tertúlia denominada “Ucrânia, a resposta da UE”, onde o Major-General Carlos Branco honrou os membros e os participantes da iniciativa com a sua visão sobre as consequências desta guerra nos assuntos de segurança e defesa na União Europeia.

3.1.  Colocação do plano de debate

Quando se analisa o conflito na Ucrânia, deve se procurar a perceção vindoura da produção de vários documentos programáticos, por parte dos vários Estados e Atores, desta forma, focando na Great Power Geopolitics, onde se definem os Pivôs Geoestratégicos e os Atores Geoestratégicos, onde os segundos embatem-se entre si e os primeiros se tornam nos campos de batalha entre os Atores.

Ora, nesse caso, a Ucrânia não é mais do que um Pivô, na qual os Estados Unidos, enquanto Ator, se tornaram muito mais ativos na Ucrânia, a partir de 2004, e em 2008, define uma linha de adesão ucraniana e georgiana à NATO, no Summit da NATO em Bucareste, o que levou a Ucrânia a manter-se numa posição de “distinguished partnership”.

3.2. Catalisadores do conflito

O ponto mais fulcral, enquanto catalisador do conflito, são os Acordos de Minsk, através dos quais, a Ucrânia deveria:

  • reescrever a sua Constituição;
  • dar um estatuto de autonomia às regiões de Donbass;
  • transformar a Ucrânia numa federação, sem capacidade centralizada em matéria de Negócios Estrangeiros.

No entanto, em 2022, a Rússia apercebe-se que a Ucrânia poderá estar a preparar uma operação militar ofensiva, nas regiões de Leste, visando atacar a população russófona, o que levou Moscovo a tirar proveito de exercícios militares em grande escala para criar pressão sobre Washington e Bruxelas. E a viragem acontece quando Zelenskiy discursa na Conferência Internacional de Segurança, de Munique.

3.3. O objetivo russo de renovar o status quo entre Moscovo e a Aliança Atlântica e o possível falhanço em segurar uma supremacia militar rápida

Provavelmente, é muito cedo para analisar, em termos militares, se o avanço russo foi bem ou mal sucedido. Em primeiro lugar, nunca se ouviu nenhum comandante ou representante das Forças Armadas Russas vir a público dizer que a Ucrânia seria conquistada em poucos dias. É óbvio, para os russos, principalmente, que a Ucrânia, pela sua população e tamanho, não pode ser conquistada rapidamente, e seria um absurdo pensar/planear isso.

Apesar de procurar objetivos políticos e diplomáticos geoestratégicos com esta guerra, a Rússia não procura um embate com algum país da NATO, porque sabe perfeitamente que uma invasão de um país da NATO, significa, para a Rússia, ter grandes problemas com os quais lidar. E, nesse sentido, a sua intervenção na Ucrânia prova exatamente esse argumento, a Rússia procura evitar a entrada da Ucrânia na NATO, por isso é que intervém antes da possibilidade desta se juntar à NATO.

Desta forma, entende-se o clima de medo que paira sobre os Países Bálticos e sobre a Polónia, no entanto, e porque estes últimos são membros da Aliança, esse mesmo medo pode ser um pouco irracional.

3.4. A anulação do estatuto de neutralidade da Suécia e da Finlândia e a possibilidade de entrarem na NATO, pode ser uma forma da Aliança se estar a reviver de um prolongado momento em “morte cerebral”?

Quer a Suécia, quer a Finlândia, não fazem parte da NATO, porém ambas englobam a Parceria para a Paz, da NATO, através da qual estreitam a sua relação com a Aliança Atlântica.

Obviamente, ambos os países tentam manter a sua política de neutralidade, mantendo a sua longa tradição e a entrada na NATO não é equacionada (pelo menos não o é na presente conjuntura internacional).

Neste sentido, é preciso dar uma análise do papel dos meios de comunicação, que procuram explorar esse tópico, não entendo que ao invés de tomar uma posição tranquilizadora, que deveriam estar a fazer, transmitem alguma irracionalidade.

Por outro lado, no que toca à NATO, em termos institucionais, não pode ser discutida, só com base no seu posicionamento conjunto, somente nesta situação, e o desafio da modelação das futuras relações da UE com a China terão um impacto muito maior para a Aliança Atlântica.

3.5. A enorme ajuda europeia à Ucrânia, a maior incidência da NATO e a integração europeia em matéria de Segurança e Defesa.

A incidência institucional da NATO vai depender muito do fim desta guerra. No entanto, já se pode falar da sua preponderância nas origens desta guerra, mais propriamente na força política e legal do artigo 5º do Tratado do Atlântico Norte.

Sem dúvida que depois desta guerra, haverá uma nova arquitetura, onde a Europa não vai aumentar a sua autonomia defensiva face aos Estados Unidos, mas haverá um novo papel da Rússia e da Ucrânia nesta arquitetura.

Consequentemente, as ambições de autonomia em matéria de Segurança e Defesa europeia terão de diminuir, mas os gastos militares irão, sem dúvida, aumentar, e os recentes comentários do Chanceler Alemão já definiram o tom a essa tendência.

3.6. A possibilidade da dualidade no eixo franco-alemão.

Este é um caso importante, no entanto, bastante incerto. Em primeiro lugar, é preciso ter a certeza de que a assertividade alemã, no que toca à sua posição internacional, é duradoura e Berlim irá mesmo assumir o protagonismo nesta matéria. Se tal se verificar, será muito difícil Paris se tornar simplesmente conformista com esta posição e neste ponto o desafio é o de observar a forma como essa coexistência se irá manifestar.

3.7. A “armadilha de Tucídides” e qual o seu impacto na aplicação da força militar russa na Ucrânia.

Apesar de ser um conceito de Geopolítica, a “armadilha de Tucídides” aplicada principalmente na relação conflituosa entre os EUA e a China, não pode ter essa aplicação na Guerra da Ucrânia, porque a Rússia, na visão de Moscovo, apenas reagiu. Por outras palavras, Moscovo sentiu-se pressionada e teve de reagir no momento. Se não fosse nesse momento, mais tarde a Ucrânia ir-se-ia rearmar e até poderia ter uma capacidade militar ainda mais forte.

3.8. Será a UE capaz de financiar a sua indústria de defesa e adquirir sistemas para uso comunitário?

Apesar de uma capacidade já existente, em termos financeiros, a União Europeia não será capaz de garantir a sua segurança de forma autónoma e a compra de equipamentos será feita no outro lado do Oceano, reforçando a dependência nas indústrias de defesa na União Europeia.


09 de março de 2022

Vitaliy Venislavskyy
EuroDefense Jovem Portugal


4. Bibliografia

Zelenskiy, V. (2022, 22 de fevereiro) Zelensky’s full speech at Munich Security Conference. Kyiv Independent. https://kyivindependent.com/national/zelenskys-full-speech-at-munich-security-conference/

De Sousa, M. R. (2022, 30 de março) Discurso de Tomada de Posse do XXIII Governo Constitucional. YouTube. https://www.youtube.com/watch?v=-2ZS5rmDquA

Tertúlias EDJ #10 – Ucrânia: A resposta da União Europeia

NOTA:

  • As opiniões livremente expressas nas publicações da EuroDefense-Portugal vinculam apenas os seus autores, não podendo ser vistas como refletindo uma posição oficial do Centro de Estudos EuroDefense-Portugal.
  • Os elementos de audiovisual são meramente ilustrativos, podendo não existir ligação direta com o texto.
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