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Veículos aéreos não tripulados (drones): Conceito, história e desafios

O que são drones? Como surgiram? Que desafios existem no âmbito do contraterrorismo? Os terroristas têm interesse neste tipo de tecnologia? De forma sintética, este artigo aborda estas questões em quatro tópicos.

1. Conceito de UAV

Os veículos aéreos não tripulados (em inglês, Unmanned Aerial Vehicles, UAV), vulgarmente conhecidos por drones, são aeronaves que funcionam sem piloto a bordo. A sigla UAV – ou UAS (Unmanned Aircraft Systems) – é genericamente utilizada para se referir a dois significados: um dispositivo que funciona autonomamente, sem intervenção humana, ou que é controlado remotamente.

2. Breve história do desenvolvimento de UAV’s

De acordo com o Tenente-General Alfredo Cruz da Força Aérea Portuguesa (2020), “o desenvolvimento e o interesse dos militares em veículos aéreos não tripulados ou remotamente tripulados começaram paralelamente com o início da aviação”. Os Estados Unidos da América (EUA) e o Reino Unido foram os pioneiros deste interesse, nomeadamente através de várias experiências realizadas durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Segundo Cruz, em 1916 os EUA construíram o primeiro avião sem piloto a bordo e, de acordo com o Imperial War Museum (IWM), em 1917 os britânicos realizaram os primeiros testes com uma aeronave controlada através de ondas de rádio, cujo voo ficou conhecido por “aerial target”. Neste período, a Marinha norte-americana também iniciou o desenvolvimento dos “torpedos aéreos”, experimentados em 1918. Porém, nenhum destes sistemas foi utilizado na guerra.

Com o fim da Primeira Guerra, norte-americanos e britânicos continuaram o desenvolvimento de UAVs. Durante o período entre guerras (1919-1939), marcado pela polarização política, entre a reconstrução da Europa e o advento dos nacionalismos, o Reino Unido desenvolveu o modelo DH.82B Queen Bee (1935), que se julga ter inspirado a utilização da terminologia de “drone”, designação coloquial para “zangão”.

O advento da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) despertou o interesse das forças aliadas e do Eixo nesta nova tecnologia. Por exemplo, a Alemanha desenvolveu a “bomba voadora guiada”, designada por V-1, que foi lançada em 1944 contra as ilhas britânicas, dias depois do desembarque na Normandia (Dia D).

Com o fim da Segunda Guerra e o subsequente início da Guerra Fria (1945-1989), o desenvolvimento e utilização de UAVs foi aprimorado, especialmente nas décadas de 1960 e 1970, durante a guerra do Vietname (1955-1975). Foi durante este conflito que foram utilizados os primeiros UAVs em larga escala, para missões de reconhecimento (embora com sucesso limitado). A partir de 1980, vários estados começaram a desenvolver interesse na tecnologia não tripulada e desenvolveram-se modelos sofisticados que passaram a servir novas funções, tais como o lançamento de mísseis contra alvos fixos, ou a distribuição de panfletos para operações psicológicas (psyops). A década de 1990 acentuou o interesse na utilização de drones: por exemplo, segundo Cruz, “a operação NATO “Allied Force” no Kosovo, em 1999, representou a primeira utilização na Europa dos UAV num conflito armado”. Após os atentados do 11 de setembro de 2001, esse interesse cresceu significativamente.

Atualmente, os drones são utilizados tanto por civis como militares, sendo empregados para uma miríade de funções, pacíficas, desde a monitorização de catástrofes naturais passando pela agricultura, a emergência médica, a energia, a segurança pública, até à cinematografia. Porém, é o uso desta tecnologia como uma arma de guerra que suscita maior controvérsia. Por um lado, no meio militar, com a sua utilização pelos estados num conflito armado, nomeadamente no âmbito do contraterrorismo, em missões de reconhecimento, vigilância e targeted killings. Por outro lado, no âmbito da designada guerra assimétrica, pela sua possível utilização por parte de grupos terroristas.

3. Drones: uma tecnologia ao serviço dos Estados (contraterrorismo)

“The armed drone is really one of the defining weapons of the post 9-11 period.” (Imperial War Museum)

“Brandon Bryant (drone operator): I joined the military to serve my country. (…) Then they played a montage video of drone strikes. [The Sergeant says], “Your job is to kill people and break things. And I was just like, holy s*, what am I doing?!”

(…) My first shot was in (…) Afghanistan. I killed 3 people. Two of them were obliterated into pieces. And one of them, watched him bleed out.”(National Geographic)

“The armed drones the CIA has been flying over Pakistan didn’t kill Osama bin Laden, but drones undoubtedly played a key role in finding him, preparing the way for the raid that got him, and conducting the raid itself.” (Wilson Center)

Os ataques terroristas do 11 de setembro de 2001, e subsequente declaração da “guerra global contra o terror” (GWOT) pela administração de George W. Bush (2001-2009) impulsionaram o uso de drones por parte dos Estados, especialmente os EUA que os utilizaram na guerra do Afeganistão (2001). Segundo o IWM, “drones became a key weapon in the fight because of where the fight took place, initially against al-Qaeda in Pakistan and Afghanistan (…). These were remote and inaccessible places that militaries has generally not been able to reach before”. Atualmente (2020) são vários os Estados que possuem drones e que já os utilizaram em conflitos armados – como é o caso de Israel, Reino Unido, Paquistão, Iraque, Irão, Turquia – ou que estão a desenvolver este tipo de capacidades. Além dos Estados, também a Organização das Nações Unidas já recorreu ao uso de drones em missões de peacekeeping, tal como aconteceu em 2014, na missão MONUSCO, na República Democrática do Congo, para monitorizar grupos rebeldes na fronteira com o Ruanda.

Os EUA têm estado na mira das críticas. Em 2017, uma investigação do The Bureau of Investigative Journalism revelou que a administração de Barack Obama realizou 10 vezes mais ataques de drones do que a antecessora. Só no primeiro ano da presidência de Obama, a administração supervisionou mais ataques do que Bush durante todo o mandato. A utilização de drones em operações de contraterrorismo foi justificada pelas administrações sob o argumento de constituir uma técnica “mais precisa e cirúrgica”, logo capaz de reduzir as baixas militares e evitar efeitos colaterais, protegendo “homens, mulheres e crianças inocentes”. As estatísticas do número de ataques, as baixas e a literatura académica demostram o contrário, verificando-se uma narrativa diferente do que a esperada: existem baixas e efeitos colaterais.

Por norma, no âmbito do contraterrorismo, os drones são utilizados para levar a cabo os designados “targeted killings”, ou seja, o assassinato planeado de líderes de grupos terroristas. Por exemplo, Israel utiliza esta técnica desde a década de 1950; uma opção política que ficou especialmente conhecida com a Operação Cólera de Deus, a operação secreta de Golda Meir para matar todos os participantes e apoiantes do ataque terrorista nos Jogos Olímpicos de Munique em 1972. De acordo com Calhoun (2016), os defensores argumentam que o uso de drones em um conflito armado é importante porque “reduz os possíveis danos colaterais e previne as baixas militares”. Os opositores consideram que é um método ineficaz não só porque existem efeitos colaterais, mas também porque têm um efeito limitado na erradicação de um grupo terrorista. O filme “Eye in the Sky” (2016), que retrata uma operação contraterrorista no Quénia com recurso a drones (ficcional), questiona a “moralidade” de uma operação deste tipo, ilustrando a dualidade de argumentos.

4. Drones: uma tecnologia apetecível para os terroristas

Drones have become a trusted tool in the arsenal of non-state actors seeking to engage in asymmetric attacks against a more powerful adversary. Besides Hezbollah, a range of militant and terrorist groups deploy drones in their operations, including the so-called Islamic State, Palestinian Hamas, Boko Haram in Nigeria, and the Houthi rebels in Yemen.” (Soufan Center)

“Emerging technologies present terrorists and violent extremists with myriad options that terrorists in the past never had. Drones, 3-D printed weapons, virtual currencies, and end-to-end encryption offer lone actors sophisticated capabilities.” (Colin P. Clarke)

Segundo as Nações Unidas (2019), os grupos terroristas têm manifestado interesse em utilizar drones para a prossecução das suas atividades, nomeadamente a perpetração de ataques, vigilância e propaganda. São vários os desafios, incluindo a possível aquisição ou desenvolvimento de drones armados com agentes NRBQ (nucleares, radiológicos, biológicos e químicos); ou a utilização de drones para a realização de ciberataques. A Estratégia da UE para a União da Segurança (2020) alerta: “Estes dispositivos [drones] têm potencial para serem utilizados de forma abusiva por criminosos e terroristas, ameaçando particularmente os espaços públicos. Os alvos podem incluir pessoas (…) infraestruturas críticas, autoridades policiais, fronteiras ou espaços públicos”.

Registam-se diversas manifestações de interesse e experiências, das quais destacamos alguns exemplos. Em finais de 1993, o grupo Aum Shinrikyo – o responsável pelo ataque com sarin em Tóquio (1995) – foi o primeiro a manifestar interesse em usar drones. Em 2009, insurgentes iraquianos conseguiram intercetar/hackear drones norte-americanos. Em 2015, um cidadão conseguiu sobrevoar um drone com areia radioativa (radioactive sand) sobre a residência oficial do Primeiro-Ministro Japonês Shinzo Abe. Em 2019, a França alertou para um possível ataque terrorista biológico num estádio de futebol, com recurso a um drone (o que faz lembrar o enredo do filme “Unlocked”). Além disso, já existem vários grupos terroristas com acesso a UAVs, como o Daesh, que já dispõe de um programa para a utilização de drones armados pelo menos desde 2017.

Em uma recente publicação do CTED (United Nations Security Council Counter-Terrorism Committee Executive Directorate) (2022), as Nações Unidas esclarecem que o risco de aquisição deste tipo de tecnologia por parte de grupos terroristas existe, sendo agravado por múltiplos fatores, incluindo a escassa regulação do mercado de drones, o acesso a explosivos ou a conhecimento técnico. No entanto, apesar da necessária vigilância e prevenção, reconhecida na Resolução 2370 (2017) do Conselho de Segurança, a existência do risco não significa necessariamente que a utilização de drones para a realização de ataques terroristas seja considerada como um instrumento primordial. Aliás, os relatórios TE-SAT da Europol demonstram que tanto a al-Qaeda como o Daesh têm apelado a ataques menos sofisticados, com recurso a armas brancas.


26 de janeiro de 2023

Joana Araújo Lopes é Doutoranda em “História, Estudos de Segurança e Defesa” no ISCTE. É bolseira da FCT e trabalha numa tese sobre o contraterrorismo em Portugal e Espanha, no contexto da União Europeia (2004-2020). É Mestre em Ciência Política e Relações Internacionais pela Universidade NOVA de Lisboa (2017). Trabalhou como estagiária na Embaixada Americana em Lisboa (Assuntos Consulares), no Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) (Direção-Geral de Política Externa) e no Instituto da Defesa Nacional (IDN). Os seus principais interesses de investigação incidem sobre a segurança internacional, o terrorismo, o contraterrorismo, a radicalização, o extremismo violento e a diplomacia.

https://ciencia.iscte-iul.pt/authors/joana-araujo-lopes/cv

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NOTA:

  • O texto e as suas ideias são da inteira responsabilidade do seu autor, não vinculando a opinião do Centro de Estudos EuroDefense-Portugal.
  • Os elementos de audiovisual são meramente ilustrativos, podendo não existir ligação direta com o texto.
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