A realização, no próximo dia 10 de abril, de uma Conferência Internacional no âmbito das atividades desenvolvidas pelo Centro de Estudos EuroDefense-Portugal, alicerçada na temática do «DESENVOLVIMENTO COOPERATIVO DE CAPACIDADES DE DEFESA – NOVOS HORIZONTES PARA A INDÚSTRIA NACIONAL», constituí motivo de sobejo realce no atual panorama do debate nacional sobre matérias de segurança e defesa europeia.
Numa altura em que o Sistema Internacional se vê envolvido na disputa comercial entre os EUA e a China, com repercussões no crescimento da economia mundial e no investimento industrial, a que acrescemos fatores geopolíticos de instabilidade causados por uma Rússia à procura de um maior espaço interventivo, nomeadamente na Europa de Leste e no Médio Oriente, a renovada discussão de uma política de Segurança e Defesa Europeia, projeta-se como um elemento essencial no debate das instituições europeias e dos seus Estados-membros.
Por seu lado, novos desafios e ameaças internas, específicas da própria União e decorrentes do seu modelo de construção político, ou resultantes da evolução internacional e «dos novos tempos», convocam a União Europeia a adotar políticas de afirmação interna e externa, condizentes com a sua responsabilidade como espaço de democracia, liberdade e desenvolvimento no Mundo em que vivemos. Afastada do primeiro plano do debate internacional e geopolítico, remetida em demasia na gestão das suas políticas económicas e financeiras, ambientais e de natureza funcional interna e, com pouca relevância nos fóruns mundiais, tem agora a oportunidade de avançar para um modelo europeu mais integrador. Modelo que garanta o imperativo da segurança e defesa e projete em simultâneo, um vetor de confiança e de prosperidade, face às incertezas e ameaças existentes no quadro mais geral da geopolítica mundial.
No seguimento da aprovação da Estratégia Global da UE em junho de 2016, inserida numa conjuntura internacional muito especial,como têm sido as posições da atual Administração dos EUA, a questão do Brexit e a Anexação da Crimeia, estão agora em desenvolvimento,a criação de mecanismos, ações e novas estruturas no espaço vital da Segurança e Defesa. Estão alicerçadas condições que permitem uma base estrutural e um modelo credível e eficaz, em que o conjunto dos Estados-membros participem, cooperem e se sintam identificados com o projeto de uma Europa verdadeiramente recentrada nos novos desafios no mundo em que vivemos e, a par das restantes grandes potências mundiais. Como referia recentemente Jacques Rupnik, «…se a Europa escolher sair da História, acabará dominada por um mundo onde contam a China, os EUA e outras grandes potências como a Rússia ou a índia. Acabará irrelevante».[1]
Este é já um debate transversal a todos os Estados-membros, envolvendo instituições comunitárias, desde logo a Comissão Europeia e o Parlamento, órgãos especializados, como a EDA (EuropeanDefenceAgency), as instituiçõese governos nacionais, as áreas de Defesa e dos Negócios Estrangeiros e outros Ministérios envolvidos, os Centros de Estudos Estratégicos e de investigação universitária e outros centros de pensamento, as Forças Armadas e Forças de Segurança e naturalmente as indústrias de defesa e a economia de defesa em geral.Com a concretização do Fundo Europeu de Defesa,emergem novas possibilidades permitindo que,como refere Daniel Fiott, o «…Capability Development Plan now balances capability shortfalls that need adressing in short term with longer-term future technology and industrial needs. Balancing military requirements and industrial preferences is a challenge».[2]A capacidade de gerar soluções de participação na economia de defesa, de forma partilhada e cooperativa, em projetos de interesse da EU, é um desafio direto ao lançamento de estratégias de acompanhamento, inovação e participação dos Estados-membros.
Nesta sequência destes desenvolvimentos, também na vizinha Espanha, o debate decorre nas instituições de referência, como é o caso do Real Instituto Elcano – Royal Instituto, em conjunto com o Centro para el Desarrollo Tecnológico Industrial (CDTI), com a realização de uma conferência em 17/1/2019, sob o lema «O Fundo Europeu de Defesa e o futuro da Indústria espanhola».
Foram vastas as perceções e a importância que os intervenientes na mesma pretenderam transmitir, reconhecendo o pressuposto há muito evidenciado de uma clara e continuada fragmentação da base tecnológica e industrial de defesa na Europa no passado próximo. Situação acrescida com múltiplas desconfianças existentes e indefinições entre os Estados-membros, com obstáculos vários de âmbito político, das diferentes visões sobre o papel da NATO em todo o processo. Neste patamar de diálogo, foram revisitadas naturalmente as áreas relativas aos exigentes processos de geração de forças, das carências na disponibilização de forças, do debate sobre os patamares de comando e controlo e, dos compromissos necessários a protagonizar para um caminho efetivamente sustentado. Espaço esse, que possa garantir à Europa uma vertente de segurança autónoma e mobilizadora. A segurança europeia é não só uma segurança geral, num modelo de intervenção geopolítico mais geral, mas de segurança regional, decorrente das especificidades históricas e geográficas dos seus Estados-membros.
Com o surgimento de uma capacidade financeira colocada à disposição dos Estados-Membros e do seu tecido industrial, está gerada uma nova e importante oportunidade. A própria formação de um modelo que será parcialmente reembolsável,irá lançar o desafio para a criação e «incorporação de novas empresas» neste processo. De sublinhar nesta dinâmica, e ainda reportando ao caso espanhol, a relevância de uma plataforma como o Centro para el Dessarrollo Tecnológico Industrial (CDTI), que como entidade pública empresarial para a I+D, já financiou mais de 13.000 empresas, num valor global de mais de 25M de euros, nos quais 15,5M em financiamento direto e cerca de 9,7M em programas internacionais, conforme foi referido no respetivo seminário. Dos diferentes apoios ressaltam programas com muita visibilidade como o ATLANTE (avião não tripulado); o ORUS (radar aerotransportado) e o CPI radar 3D móvel, para além dos vários programas do setor espacial. O destaque maior irá para o SPAINSAT, futuro sistema de comunicação militar por satélite.A formulação de modelos de participação mais eficientes, que possam ir ao encontro do tecido empresarial a envolver, levou mesmo o CDTI a autonomizar uma área exclusiva para a apresentação de projetos e programas duais (civil-militar), com possibilidade de duplo uso.
O desafio coloca-se necessariamente também em Portugal. Pela importância de que se reveste o atual momento, «A organização desta Conferencia, sob a coordenação da EuroDefense-Portugal e contando com os bons auspícios do Ministro da Defesa Nacional e a indispensável colaboração dos parceiros envolvidos, marcará sem dúvida um dos pontos mais relevantes das atividades da EuroDefense em 2019», como refere o Dr. Figueiredo Lopes.
Num longo caminho já trilhado pela União Europeia e com o lançamento da PeSCo (PermanentStructuredCooperation) em finais de 2017, apresenta-se agora um «ambitious, bindingand inclusive legal framework» no campo do desenvolvimento das capacidades de defesa e das operações ([3], que terá necessariamente de obrigar a um esforço de planeamento objetivo, direcionado e ambicioso (podemos dizer, estratégico a curto e médio prazo) entre todas as partes envolvidas, que proporcione à indústria e à defesa nacional, e ao país em geral, um espaço de oportunidade e progresso nas áreas essenciais da Segurança e da Defesa. É também esta a ambição da EuroDefense – Portugal.
Eduardo Caetano de Sousa
Vogal da Direção
[1] Entrevista ao Jornal Público de 20 de janeiro de 2019.
[2] Daniel Fiott «EU defencecapability, development Plans, priorities, projects. EUISSjune 2018.
[3] Daniel Fiott, Antonio Missiroli e Therry Tardy – Permanent Structured: What´s in a name?, ISSUE, Chaillot Paper nº142 –November 2017