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Análise das Cartas-Missão aos Alto Representante da UE para as Relações Externas e de Segurança e Vice-Presidente da Comissão (que passaremos a designar por Alto Representante/Vice-Presidente) e ao Comissário para o Mercado Interno

A nova Comissão

A Comissão Europeia é o órgão executivo da União Europeia que defende os seus interesses gerais e, claro, o dos seus cidadãos, tomando para tal as iniciativas adequadas. É uma Instituição politicamente independente, ocupando-se da elaboração de propostas de novos atos legislativos europeus e da execução das decisões do Parlamento Europeu e do Conselho da UE. Tem a incumbência de propor a programação anual e plurianual da União, de executar o orçamento aprovado e de gerir os respetivos programas. Além disso, a Comissão assegura a representação Externa da UE, com a exceção da área da política externa e de segurança comum que compete ao Conselho e é conduzida pelo Alto Representante/Vice-Presidente.
Em termos de composição, a Comissão é formada por uma equipa de Comissários escolhidos pelo(a) Presidente designado(a), e tem um Mandato de cinco anos.
Ora, este é um ano marcante para a União Europeia, uma vez que o mandato da atual Comissão, presidida por Jean-Claude Juncker termina a 31 de outubro de 2019, dando então o lugar a uma nova presidente. Quem é esta nova líder?
Ursula von der Leyen, ex-ministra da Defesa da Alemanha no governo de Ângela Merkel, é a presidente indigitada para este tão relevante cargo da UE. Após ser eleita, a nova presidente propõe o seu Colégio de Comissários, cada um dos quais tem de receber a aprovação por parte do Parlamento Europeu.
No âmbito da área de segurança e defesa, podemos destacar dois Comissários com funções particularmente relevantes: o espanhol Josep Borrell, Alto Representante/Vice-Presidente, e o Comissário responsável pelo Mercado Interno e pela nova Direção-Geral da Indústria da Defesa e do Espaço, que é atualmente o francês Thierry Breton, após a rejeição pelo Parlamento Europeu de Sylvie Goulard.
Após ser eleita e escolher a sua equipa, Von der Leyen encarregou-se de escrever, como é habitual, “cartas-missão” aos seus Comissários, cartas essas que expõem as diretrizes específicas que deverão orientar a sua ação.
Posto isto, o nosso objetivo é fazer uma análise das orientações que constam nesses documentos, que determinam objetivos para a nova Comissão 2019-2024. Embora a nomeação de Goulard tenha sido rejeitada pelo Parlamento, basear-nos-emos, ainda assim, no conteúdo da carta, que continua a ser pertinente e não foi substituída. Ainda que ocupem cargos distintos, as cartas da presidente aos Comissários de cada país apresentam um conteúdo semelhante a nível de orientações gerais. No entanto, cada comissário recebe uma missão específica no que diz respeito à sua área de atuação.

Quais são, então, as diretrizes políticas gerais?
1. Uma forma de trabalhar aberta e inclusiva

Neste aspeto, Von der Leyen reforça a importância de trabalhar em conjunto, de forma aberta e inclusiva; para isso, considera necessário que os Comissários “falem e se ouçam mais uns aos outros”, algo que é muito importante frisar, uma vez que existem áreas que se complementam ou que têm implicações mútuas, como veremos. Além disto, explicita o funcionamento da sua equipa, que, através do princípio da colegialidade, será constituída por oito vice-presidentes que terão o poder de coordenar grupos de comissários temáticos em cada uma das prioridades da comissão. Desses oito, três executivos liderarão os grupos, apoiados por um secretário-geral, e gerirão uma policy area, sendo que para essa tarefa serão apoiados por uma Direção Geral. Ademais, o Alto-Representante/Vice-presidente ajudará a coordenar a dimensão externa do trabalho dos Comissários, que será sistematicamente discutida pelo Colégio numa “Comissão Geopolítica”, que não terá como principal objetivo gerir crises (competência do Conselho Europeu), mas sim analisar e dar coerência à multiplicidade de medidas e ações da UE com impacto no seu relacionamento externo, desde vão desde as relativas ao comércio, apoio ao desenvolvimento, até à ajuda humanitária. Em face da particular relevância dada ao papel das Nações Unidas e seus objetivos, cada comissário deverá entregar um relatório United Nations Sustainable Development Goals dentro da sua área que explicite a participação da UE no apoio à consecução deste tão importante programa das NU.

2. Relações Interinstitucionais e melhor elaboração de políticas

Neste aspeto, é realçada a importância de fortalecer as relações entre a Comissão e as outras Instituições da UE, nomeadamente o Parlamento Europeu (juntamente com o Conselho), que deve ser informado com antecedência de eventos importantes e momentos-chave de negociações internacionais.
Por outro lado, a nível de políticas, pretende-se que o consenso seja criado mais rapidamente, através de uma abordagem mais aberta e cooperativa, para criar propostas e posteriormente normas que façam diferença na vida das pessoas e nos negócios – algo que, a propósito, pode ser feito através da estratégia One in, one out, isto é, uma regulação alvo em que se se cria um encargo numa área, põe-se fim a outro já existente. Finalmente, havendo um foco na aplicação do Direito da União Europeia, pelo que todas as propostas devem ser feitas sob os princípios da proporcionalidade e da subsidiariedade – pensando no que pode ser simplificado – com coerência e evidência. Estes dois princípios desempenham um papel essencial em relação à perceção que os Estados devem ter da sua própria atuação. Segundo o princípio da subsidiariedade, a UE só deverá assumir responsabilidades em questões dos seus Estados-membros se estes não tiverem capacidade para o fazer. Neste caso, a sua ação deverá ser mais eficaz do que uma ação a nível meramente nacional.

3. Trazer a Europa para perto de “casa” e aproveitar o máximo do potencial da UE

Um dos objetivos mais importantes desta Comissão é aproximar os cidadãos das instituições, fortalecendo os links entre as pessoas e as instituições. Neste ponto, interessa referir que a procura desse potencial pleno da União passa pela priorização dada à geografia (para que não haja áreas excluídas), à experiência (para que não se percam as boas práticas e o conhecimento, a par da inovação e da criatividade) e o género (para que não haja setores excluídos ou inadequadamente representados no esforço coletivo). Para “trazer a Europa para perto de casa”, é nomeadamente considerado necessário que o Alto-Representante visite todos os estados-membros na primeira metade do mandato, que se encontre regularmente com os parlamentos nacionais e que faça parte do Diálogo de Cidadãos Europeus, como parte da Conferência sobre o Futuro da Europa.

Qual a missão específica de Josep Borrell?

Josep Borrell ocupa um dos cargos mais importantes dentro da Comissão, enquanto Alto Representante/Vice-Presidente, nomeadamente pelo seu papel de ligação entre o Conselho e a Comissão.
De facto, nos termos do artigo 18º do Tratado de Lisboa, o Alto Representante “conduz a política externa e de segurança comum da União”, “contribui, com as suas propostas, para a definição dessa política, executando-a enquanto mandatário do Conselho” e, para isso, preside ao Conselho dos Negócios Estrangeiros da UE. Enquanto Vice-Presidente da Comissão não só aporta ao debate nesta instituição do circunstancialismo da política externa e de segurança da União definidas pelo Conselho, como se pode aperceber das ações em curso na área externa por parte da Comissão e identificar precocemente as possibilidades de juntar valências e de desconflituar possíveis incongruências.
Continuando um modo de funcionamento que se tinha iniciado na Comissão Juncker, é, pois, significativo e parece adequado que, na Missão ao Alto Representante/Vice Presidente, se refira que este deve apoiar a Presidente da Comissão “na coordenação da dimensão externa da atividade de todos os Comissários”. E que para assegurar uma ação externa “mais estratégica e mais coerente, esta será discutida sistematicamente pelo Colégio de Comissários”. Para isso todos os serviços e gabinetes deverão apresentar os aspetos externos nas respetivas áreas numa base semanal para apoiar as reuniões do Colégio de Comissários.
Sobre a sua Missão propriamente dita parecem de referir, antes de mais, os dois pré-requisitos iniciais. O primeiro a favor do multilateralismo e da necessidade de cooperação e de atuação com os outros, perante um mundo mais complexo e instável; e o segundo, o da necessidade da maior liderança internacional da União Europeia, devendo para isso ser usado o nosso potencial diplomático e económico para apoiar a estabilidade e prosperidade global, assim como para nos tornarmos mais competitivos e mais capazes de exportar os nossos valores e standards.
Para isso, a Presidente da Comissão propõe uma Europa mais atuante no cenário internacional, pela atividade de uma “Comissão Geopolítica” assente em várias ações de que destacam as seguintes:

  • A formulação de uma União Europeia mais estratégica, mais assertiva com maior capacidade de atuar autonomamente;
  • Com mais capacidade para decidir com rapidez e eficiência, ultrapassando os constrangimentos que limitam a nossa política externa, nomeadamente tirando partido das cláusulas que permitem decidir por maioria qualificada;
  • Pela constituição do “Grupo de Comissários para uma Europa mais Forte no Mundo” que analisará a ação de todos os Comissários com ações externas e será dirigido pelo Alto Representante/Vice-Presidente;
  • Pela adoção de medidas vigorosas em direção a um genuína União Europeia da Defesa
E o do Comissário responsável pelo Mercado Interno e Direção-Geral da Indústria da Defesa e do Espaço?

A missão que tem de ser levada a cabo por Thierry Breton é dividida em vários âmbitos. No da economia e da sociedade digital é considerado essencial aprimorar a soberania tecnológica europeia, estando este ponto intimamente ligado com a área da defesa. Outro objetivo será a criação de um mercado único de cibersegurança: joint cyber unit, área onde a UE tem tomado medidas significativas. Para além disso, a missão foca a necessidade de se traçar um plano de ação e educação digital, pois de outra maneira dificilmente irão ser cumpridos os primeiros dois objetivos.
No âmbito da indústria europeia, a este Comissário são pedidas várias colaborações nomeadamente no estabelecimento do plano de longo prazo para a estratégia industrial europeia; na realização do objetivo de uma economia climaticamente neutra em 2050; e na elaboração da nova estratégia para ajudar as PME a crescer e a expandirem-se, pelo acesso melhorado ao financiamento necessário. A este Comissário é atribuída a responsabilidade específica de velar pelo funcionamento regular do mercado único e de remover as barreiras restantes no que se refere a bens e serviços, de estabelecer condições equitativas em todo o mercado único e de contribuir para fazer face aos efeitos dos subsídios estrangeiros na distorção do mercado, em particular no que se refere aos contratos públicos.
Na área da indústria de defesa e do espaço que nos interessa particularmente neste estudo, a abordagem é semelhante à da anterior Comissão, e parte do reconhecimento do significado para a europa da indústria da defesa e do espaço. Assim é salientado que esta é responsável por uma faturação de €100 biliões por ano e salientada a importância da política do espaço considerada um dos ativos mais valiosos e estratégicos da UE. É, pois, com este fundamento que atribui a este Comissário as seguintes responsabilidades principais:

  • De responsável pela implementação e supervisão do Fundo de Defesa criado na Comissão Juncker, em relação ao qual determina que sejam encorajados os projetos colaborativos com a maior participação possível, nomeadamente de PME:
  • De promotor de um mercado europeu de defesa aberto e competitivo, mas em que se implementem, no procurement, as regras da UE;
  • De líder na implementação do Plano de Ação de Mobilidade Militar, em cooperação com o Comissário dos transportes;
  • De promotor de uma indústria do espaço inovativa, mantendo a acesso ao espaço da UE de forma autónoma, segura e custo-efetiva, devendo implementar os programas futuros europeus abrangendo o Galileo, EGNOS, Cpernicus e o Programa de observação da Terra.

Para apoiar a sua ação nesta área, é prevista a criação de uma nova Direção na Comissão Europeia: a Direção Geral para a Indústria de Defesa e Espaço.
Consideramos que outros comissários poderão também ter um papel ativo relativamente à segurança e à defesa, ou pelo menos poderão trabalhar em conjunto, no sentido de se complementarem. Identificámos, então, o Comissário da Economia Paolo Gentiloni, de Itália, e a Comissária da Inovação e Juventude Mariya Gabriel, da Bulgária. Estas são, efetivamente, áreas que se podem relacionar mais estreitamente com a área da defesa e segurança: do lado económico, porque para a indústria da defesa crescer, é necessário que haja um maior investimento e, para isso, capital; do lado da inovação, esta é essencial para o desenvolvimento de novas tecnologias, estratégias e equipamentos, atualmente indispensáveis para que seja possível à Base Industrial e Tecnológica de Defesa Europeia superar os desafios atuais. Na missão de Thierry Breton, a transição para uma Europa digital é também muito vincada, a que mostra a importância dada à tecnologia considerada uma prioridade da Comissão que tomará posse brevemente. Aqui, voltamos a reforçar a importância de os Comissários trabalharem em conjunto, falando e ouvindo-se mais uns aos outros.

Conclusões

Em conclusão, na área da segurança e defesa, Von Der Leyen procura continuar as iniciativas introduzidas por Juncker, criando condições estruturais na Comissão Europeia para dar mais consistência ao desenvolvimento estruturado destas questões. Para isso está prevista a constituição de uma Direção-Geral para a Indústria de Defesa e Espaço a quem competirá: a) implementar o Fundo de Defesa Europeu; b) desenvolver um mercado europeu de defesa aberto e competitivo, mas implementando as regras europeia na área do procurement; c) implementar o Plano de Ação para a Mobilidade Militar em coordenação com a DG de Transportes e; c) estimular uma indústria do espaço inovadora na UE. O que, apesar de tudo, pode levantar outras questões internas, nomeadamente no relacionamento com a Agência Europeia de Defesa em quem repousa o equacionamento das questões de natureza técnica e funcionais na área de defesa.
Além disso, esta Comissão propõe-se impulsionar uma maior liderança internacional da União Europeia. Para isso concebe-se como uma “Comissão Geopolítica” que procurará contribuir para uma União Europeia mais estratégica, mais assertiva, com maior capacidade de atuar autonomamente e com mais capacidade de decidir com oportunidade e eficácia. Constituirá assim, o “Grupo de Comissários para uma Europa mais Forte no Mundo” dirigido pelo Alto Representante/Vice-Presidente que irá coordenar a dimensão externa da atividade de todos os Comissários e assim garantir maior coerência externa da UE.
De notar, finalmente, a determinação expressa pela Presidente da Comissão de adotar medidas vigorosas em direção a um genuína União Europeia da Defesa, que falta ainda explicitar, mas que se considera um objetivo que poderá ser marcante, nesta época de instabilidade, dúvida e incerteza.

Em conclusão, Von Der Leyen tentou incumbir os seus comissários a melhorar certas áreas ou a introduzir áreas novas nas prioridades da UE para estes cinco anos que se avizinham. O futuro ainda é incerto, mas se cumprirem as missões propostas nas suas cartas, a Comissão tenderá a funcionar melhorar, e consequentemente a melhorar a UE. Em tempos de Brexit, terrorismo e outras complicações na Europa, é preciso fazer ver aos Europeus que esta é a sua casa e que os seus interesses e que os da comunidade serão sempre defendidos em prol de um presente e futuro melhor para todos.

Trabalho realizado por:

Sara Canedo e Guilherme Echeverri

António Fontes Ramos
Vice-Presidente da Mesa do Conselho Geral

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