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Introdução

A Guerra Híbrida russa é a aplicação de meios militares e não militares combinados e utilizados em simultâneo, os objetivos são estratégicos e as intenções oportunistas de forma a semear o “caos”.

O resultado é uma forma de competição estratégica onde a Rússia tem sido eficiente no controlo sobre as principais variáveis, tempo e risco, e procura semear o caos para alcançar os seus objetivos, com recurso a um leque de ferramentas híbridas. Esta “estratégia do caos” tem em consideração que um estado relativamente enfraquecido pode evitar um confronto direto enquanto consegue dividir os seus adversários e minar os respetivos sistemas políticos, garantindo a sua sobrevivência.

A guerra híbrida russa é uma aplicação tática da estratégia do caos. É o espetro total da guerra que emprega uma mescla de meios, convencionais e não convencionais, com o objetivo de provocar alterações no terreno enquanto procura evitar o confronto militar direto. A guerra híbrida é aplicada de forma a disseminar o caos em determinados países. O caos é despoletado com recurso à guerra irregular, medidas ativas e operações especiais. Impossibilitada de competir de forma direta, a Federação Russa recorre à guerra híbrida para compensar as potenciais fraquezas relativamente à NATO e aos EUA.

A Guerra Híbrida não é estática. Ao longo do tempo, a doutrina russa tem evoluído na forma de planear e conduzir a estratégia do caos contra o Ocidente, com base na experiência e na aplicação de novos meios. A Rússia tem procurado adaptar a resposta face às ações ocidentais. É importante analisar a estratégia russa para melhor definir e entender os ataques provenientes de diversos vetores contra os interesses ocidentais e as suas instituições.

Guerra Irrestrita

A Rússia está determinada a conquistar território ucraniano e possivelmente o país. As ofensivas russas recorrem a manobras intimidatórias, desinformação e a qualquer organização ou grupo que possa servir os respetivos interesses. Enquanto a Ucrânia enfrenta dificuldades económicas, o Kremlin compromete as infraestruturas críticas, em particular o fornecimento de gás, elemento essencial para a sobrevivência dos cidadãos durante o inverno rigoroso. Os militares russos têm realizado diversas ofensivas nas imediações da central nuclear de Zaporíjia, com o objetivo de elevar as hostilidades, disseminar o pânico na população e provocar a NATO para elevar o conflito. Concomitantemente, a Rússia envia sinais e ameaças claras para os ucranianos provenientes de diferentes direções e de diversas formas. O objetivo é disseminar o caos e provocar a incerteza.

Washington parece pouco rigoroso face a estas ameaças, respondendo de forma vaga e com avisos de que uma resposta pode surgir caso a Rússia recorra a armas nucleares. Enquanto Putin opera em múltiplas dimensões cada vez mais complexas e variadas, a resposta americana é linear, limitada e pouco rígida. A NATO e os Estados Unidos não podem elevar o conflito ao ponto de provocar uma escalada e, consequentemente, uma guerra nuclear com consequências devastadoras. Ao mesmo tempo, parece que os EUA e os aliados da Aliança Atlântica não são capazes de entender a lógica das ações russas, apesar da mesma ser dotada de uma forma estratégica que os teóricos e militares ocidentais têm debatido há mais de uma década: A Guerra Irrestrita.

A teoria da “GI” afirma que não existem limitações ou regras na guerra: tudo o que contribui para a vitória pode ser considerado. A Guerra Irrestrita engloba ataques diversificados, simultâneos e assimétricos no sistema social, económico e político do adversário, ignora “os limites entre o campo de batalha e o que não é campo de batalha, o que é arma e o que não é arma, o que são soldados e o que não são, o que não é estado, o que é um estado e um superestado.

Moscovo tem adotado e até manipulado de forma eficaz a “GI”, otimizada pela Era da informação, interdependência económica e as Redes Sociais. As operações, ambas físicas e informacionais, são mais rápidas do que alguma vez os coronéis chineses anteciparam. Estas operações também são provenientes de diversas direções. A versão russa da guerra irrestrita inspira aqueles que pretendem derrubar o regime ucraniano e impedir a sua aproximação aos valores ocidentais e, consequentemente, uma possível adesão à UE e à NATO

A desinformação sobre o que está a acontecer e quem está a perpetrar os ataques são manipulados pelos media russos que, por sua vez, são controlados pelo Kremlin. Estas operações têm como objetivo alcançar cidadãos da antiga União Soviética, que foram durante anos manipulados, o que torna difícil reconhecerem que estão a ser enganados. Enquanto isso, Moscovo explora a dependência energética, não só por parte da Ucrânia, mas também da Europa, reduzindo o abastecimento de gás aos países ocidentais.

A ofensiva russa recorre a atores não estatais como os Cossacks, o gang Night Wolves e “hackers patriotas”, assim como companhias ocidentais que comercializam na Rússia. Esta estratégia demonstra que as operações de combate extravasaram para o campo civil. Esta ramificação é a consequência da já saturada Era da Informação e a incrível letalidade da tecnologia militar atual.

Se recuarmos ao passado podemos afirmar que a Rússia não estaria preocupada com a “GI”, apenas teria avançado e destruído qualquer resistência às suas ambições. No entanto, recorre a esta forma de guerra, em parte devido à ineficácia dos EUA para combater este fenómeno. O mundo ocidental não está preparado, tanto a nível psicológico como organizativo, para este tipo de guerra. O Ocidente tende a dividir o poder em compartimentos e aplica-os de forma sequencial: primeiro tenta manobras diplomáticas ou telefonemas, e trata as crises como se fossem apenas mal-entendidos. Se isso não resultar, o Ocidente ameaça com consequências mais severas por um período indefinido, até que a opinião pública esgote a paciência ou seja abalada por uma outra crise. Depois são aplicadas sanções em simultâneo com a promessa de que poderão ser agravadas. A Aliança Atlântica tenta aumentar o número de parceiros, algo que seria desejável por parte de Zelensky, no entanto esta missão tem demonstrado dificuldades, tendo em conta que  a Europa não tem capacidade para enfrentar conflitos regionais. Enquanto os Estados Unidos da América e a Europa procuram uma forma de punir a Federação Russa, esta aumenta o nível de intensidade nas ofensivas militares na Ucrânia face a uma Europa imóvel e uma América distante.

A Rússia demonstra capacidade de aplicar a “GI” no Séc. XXI. Também o Irão demonstra eficácia na forma de operar em múltiplas dimensões com recurso a um leque diversificado de organizações e entidades que contornam o crime, o terrorismo, a insurgência e a subversão, impedindo qualquer ação por parte dos EUA de fazer algo para impedir, por exemplo, o fornecimento de armamento e equipamento á Rússia. Entretanto, o criador desta forma de guerra, a China, distancia-se das ambições de Moscovo e parece optar por métodos mais convencionais para alcançar os seus objetivos regionais, mas pode facilmente reverter as suas ações para uma guerra irrestrita se a pressão militar e a pressão económica ameaçarem a sua soberania e a sua projeção mundial.

A Guerra da Nova Geração Russa

Ao longo do conflito a Rússia demonstra maior agressividade contra um país soberano. O objetivo primordial do agora líder do Kremlin é o restabelecimento da hegemonia no Leste Europeu. A Rússia adotou uma reestruturação militar introduzindo novas táticas e meios. Esta mesma doutrina foi consolidada com a Guerra na Chechénia e, mais tarde, com a 1ª invasão da Ucrânia em 2014. Uma das principais razões pela qual a Rússia criou uma estratégia militar deve-se ao facto de Moscovo enfrentar três tipos de adversário diferentes: alta tecnologia a Oeste; países com capacidade de destruição em massa a Leste; e ameaças não convencionais e híbridas vindas do Sul. Para isso as Forças Armadas russas foram treinadas para realizarem operações de forma descentralizada e dispersa para cobrir todo o espetro da guerra, incluindo o uso de meios não convencionais, táticas regulares e armas nucleares nos diferentes campos de batalha (físico e virtual). Esta nova abordagem foi empregue nos ataques à Estónia, no conflito com a Geórgia, bem como em 2014 contra a Ucrânia, e contra a NATO nos diversos exercícios militares russos denominados “Zapad” em 1999, 2009, 2017, e em 2021, que serviram de preparação para a 2ª invasão da Ucrânia que aconteceu em fevereiro de 2022.

A guerra contra a Ucrânia tem demonstrado a passagem dos conceitos escritos em papel para uma teoria brutal no campo de batalha. O conceito de “Guerra de Nova Geração” é caracterizado por cinco elementos principais: subversão política, guerra por procuração, intervenção direta, dissuasão coerciva e manipulação negocial.

A “GNG” russa diverge da Guerra Híbrida – uma mescla de guerra convencional, irregular e cibernética – porque combina a tentativa de anonimato por parte de um estado com a intervenção direta do mesmo. Ao contrário do que acontece no Ocidente, os líderes russos entendem e aplicam de forma transformadora os meios, táticas e combinações de guerra.

Contra todas as probabilidades, as Forças Armadas ucranianas levaram a cabo a maior mobilização militar e civil desde a 2ª Guerra Mundial e têm lutado de forma exemplar tendo em conta que o adversário é o maior país do mundo. Quando a Ucrânia tentou recuperar território, a Rússia lançou ataques mais intensivos e tem aumentado as suas ofensivas com recurso a armas e drones com capacidade devastadora e mísseis que atacam de forma indiscriminada. Foi proclamada a Lei Marcial por parte de Vladimir Putin, e foram evacuados civis daquelas que são as regiões ilegalmente anexadas, o que indicia um possível ataque com recurso a armas nucleares táticas. Adicionalmente, foram movimentadas avultadas quantidades de material bélico para fazer face aos avanços por parte das forças ucranianas. As sanções ocidentais, juntamente com o aumento dos preços do petróleo e a corrupção, têm causado grande impacto na economia russa, mas Putin parece determinado a fazer desaparecer um país soberano, com perspetivas de ser parte do mundo Ocidental, e instaurar a denominada Novorossiya.

A decisão da NATO pela não intervenção direta, prende-se com a necessidade de afastar qualquer possibilidade de elevar o conflito para uma guerra nuclear. Como podemos verificar, a Rússia tem realizado ataques devastadores acompanhados de ameaças nucleares contra a Ucrânia, um estado que em 1994 abdicou da sua capacidade nuclear sob o Memorando de Budapeste, em troca de garantias de que Moscovo respeitaria a sua soberania territorial. Concomitantemente, perto das fronteiras dos países da NATO, a Força Aérea, Naval e estratégica da Rússia tem realizado exercícios potencialmente ameaçadores e hostis.

Guerra de Atrito

A Guerra de Atrito é uma estratégia militar na qual um lado tenta desgastar o inimigo atingindo de forma permanente os recursos e aumentando o número de vítimas mortais até que o inimigo perca a capacidade de lutar. O objetivo é corroer e eliminar de forma prolongada o adversário. Na Guerra de Atrito o atacante com o maior número de elementos militares, equipamento e material bélico utiliza estes recursos com pouca consideração pelo custo que estes representam, na expectativa de que a pressão constante possa eventualmente produzir resultados e demonstre ser demasiado difícil para que o inimigo resista. A estratégia já foi utilizada pela Rússia contra as forças de Napoleão quando estas atravessaram o Rio Neman e sofreram uma das maiores derrotas a 14 de dezembro de 1812. Nos tempos modernos, temos o exemplo da Primeira Guerra Mundial, um conflito na qual morreram milhões de soldados, porém o progresso e a conquista territorial foram limitados.

A Rússia reúne quantidades consideráveis de forças militares numa secção pequena na frente de combate e depois lança operações de reconhecimento e ataques de artilharia em massa que em tudo se assemelha ao estilo soviético. Durante estes ataques, não são apenas atacadas diversas posições militares ucranianas, como também são atingidos edifícios civis, zonas industriais, locais históricos e locais de culto religioso. Estas ações agressivas são desenhadas para derrotar militarmente a Ucrânia, mas também para destruir o espírito ucraniano, a sua economia, a sociedade, prejudicar a integridade demográfica e corroer a sua base cultural.

As forças ucranianas provocaram perdas significativas no lado inimigo e foram capazes de lançar uma contraofensiva em algumas localidades. Com um sério risco de serem dizimados, a Rússia decide enviar mercenários e cidadãos, com pouca ou nenhuma preparação, para a frente de combate nos territórios ocupados da região de Donbass. O Kremlin procura poupar os cidadãos de etnia russa em detrimento das minorias nacionais, assim como tem optado pelos iliteratos das regiões menos privilegiadas da Rússia.

A destruição de equipamento tem obrigado a Rússia a optar por enviar material militar obsoleto para a frente de combate, incluindo material fabricado nos anos 70, apesar do Kremlin estar ciente de que isto representa uma grande desvantagem face ao equipamento de última geração na posse das forças ucranianas, fornecido pelo Ocidente. A guerra da Rússia tornou-se naquilo que denominamos por Guerra de Atrito. A guerra terminará apenas quando for atingida a exaustão.

Conclusão

O conflito na Ucrânia demonstra que Moscovo, numa tentativa de recuperar as suas ambições regionais e restabelecer a sua história imperial, tem desenvolvido um estilo de guerra novo e uma nova forma de desenvolver a sua geopolítica, com enormes capacidades em realizar operações de informação, deceção, simulação e destruição massiva com o auxílio das novas tecnologias.

No início do conflito as táticas russas foram projetadas para evitar uma Guerra de Atrito ou ações cinéticas diretas, para que o conflito fosse curto e objetivo. Estas operações incluíram ainda o recurso a operações psicológicas, pressão económica, violência diplomática, ações de espionagem e recolha de informações.

Embora não seja uma novidade, a Rússia recorreu a táticas híbridas e irrestritas. Estas táticas incluíram o recurso a meios não militares para atingir objetivos políticos e estratégicos, onde em alguns casos ultrapassaram o poder das armas. A Rússia justifica estas ações como uma resposta face às campanhas ocidentais dissimuladas para gerar mudanças de regime e a desnazificação da Ucrânia.

A Rússia encontra-se numa situação em que está relativamente fraca e os seus ataques são menos decisivos do que desejaria, ou são limitados por causa da conjuntura económica e geopolítica. A Rússia recorre a esta forma de guerra para equilibrar as forças e reduzir as suas fraquezas perante os adversários. É uma forma mais segura e económica de exercer influência global.

A Rússia alterou o modo de fazer a guerra, está mais alicerçada em pilares não militares, complementada com operações de informação, manobras diplomáticas e a economia, mantendo em aberto a possibilidade de realizar ofensivas em ambientes de alta intensidade.

As operações militares na Ucrânia estão a ser politicamente desastrosas para a Rússia, e este novo estilo de guerra, que procura contar com diversos meios militares e não militares, para destruir o inimigo e a sua vontade de resistir, depende sobretudo de uma total compreensão do contexto político em que o conflito se desenrola. Contudo, a essência da guerra russa obriga a sincronizar e a combinar os diversos instrumentos do Estado para conseguir ganhar a “guerra política”, vitória necessária para alcançar o objetivo final.


30 de janeiro de 2023

Jorge Rafael Costa Silva
EuroDefense Jovem Portugal


Bibliografia

CEPA. (2022). The Evolution of Russian Hybrid Warfare

Metz. S. (2014). In Ukraine, Russia Reveals Its Mastery of Unrestricted Warfare. World Politics Review.

Phillip A. Karber, Ph.D. (2015). Russia’s New Generation Warfare. National Geospatial- Intelligence Agency

Stanisław Ż. (2022). War of exhaustion. Página Oficial da República da Polónia, 2022. disponível em: https://www.gov.pl/web/special-services/war-of-exhaustion.


NOTA:

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