As origens do conflito sírio
A Guerra Civil da Síria teve início em 2011, sendo que este ano se dá a assinalação da década de um dos maiores conflitos mundiais atuais que teve repercussões um pouco por todos os cantos do globo. Enquadrada na Primavera Árabe, a Guerra Civil da Síria começou com o desejo de derrubar o regime de Bashar al-Assad, tendo-se verificado que as manifestações escalaram rapidamente para um sério conflito armado entre as forças leais ao regime de Assad e as forças de oposição ao mesmo.
É importante referir que antes de 2011, o contexto sírio era fortemente marcado por uma série de problemas políticos e económicos que instabilizaram o país, entre os quais um clima de corrupção, fraca liberdade política, altos níveis de desemprego e pobreza derivada das secas. A Primavera Árabe despoletou uma onda de democratizações no Médio Oriente e acabou, consequentemente, por se fazer sentir na Síria, tendo impulsionado várias manifestações em prol da instauração de um regime democrático. Quando Assad sucedeu o seu pai, foi encarado como a pessoa que conduziria o país no sentido da modernização e reforma democrática. No entanto, estas expectativas não se concretizaram, sendo que o mesmo optou por recorrer às mesmas tácticas autoritárias do seu pai, implementando um regime de censura e supervisão, e violentando os oponentes suspeitos do seu regime. Assim, Assad recebeu as manifestações com uso da força, o que resultou na massificação das mesmas, o que consequentemente desencadeou um contexto de guerra civil.
O conflito sírio e os seus desafios perante uma dinâmica internacional
Rapidamente a dicotomia desta guerra desvaneceu, tornando-se um conflito que contava com a presença das grandes potências internacionais. Assim, os Estados Unidos da América e a União Europeia eram críticos da ação de Assad, tendo apelado a que este se afastasse do governo sírio logo no início do conflito, e mais tarde avançado com sanções. Em termos da dicotomia do conflito, a Rússia e o Irão apoiavam o governo de Assad, ao passo que o bloco anti-Assad era maioritariamente constituído pelo Qatar, Turquia e Arábia Saudita, que por sua vez financiaram e providenciaram armas para os rebeldes sírios, a juntar aos Estados Unidos da América que criaram programas de treino para alguns grupos rebeldes, enquanto o governo de Assad recebia também armas por parte dos seus apoiantes.
Com a providência de armas, militares e dinheiro por parte das potências internacionais, grupos terroristas como o Estado Islâmico e o Al-Qaeda envolveram-se no conflito sírio. Posto isto, a militarização da guerra civil síria deixou de ser apoiada em particular pelos Estados Unidos da América e pelo Reino Unido, uma vez que temiam que os grupos terroristas se virassem ao ataque ao Ocidente. Assim, procedeu-se a um acordo estabelecido por meios diplomáticos entre a Rússia, a Síria e os Estados Unidos da América que visava colocar todas as armas químicas sírias sob controlo internacional.
A maior crise humanitária do século XXI
A evolução da Guerra Civil da Síria levou a que este conflito se tornasse o pior do século XXI, por ter retirado a vida a mais de 380,000 pessoas, entre as quais mais de 115 mil civis, segundo o Observatório Sírio para os Direitos Humanos. Esta recolha de dados aponta ainda mais de 200 mil pessoas declaradas como desaparecidas e presumidas mortas, das quais mais de 80 mil teriam alegadamente falecido de tortura em prisões geridas pelo governo.
Estes números impressionantes demonstram a realidade da crise humanitária avassaladora associada ao conflito sírio. A acrescentar ao número de mortos, importa referir que durante uma década de guerra, mais de 2.1 milhões de civis foram feridos ou deixados com deficiências permanentes, mais de metade da população síria (cerca de 11 milhões) fugiu de suas casas. Para além disto, 6.7 milhões de sírios encontram-se internamente deslocados, enquanto mais de 6.8 milhões de sírios estão refugiados no estrangeiro. Os países das redondezas da Síria, como o Líbano, a Jordânia e a Turquia acolheram cerca de 93% de todos os refugiados que conseguiram escapar o terror em que viviam, sendo que esta realidade tem sido um forte desafio para os países, relativamente à necessidade de gestão do enorme fluxo de pedidos de asilo.
Dados das Nações Unidas relativos a Janeiro de 2021 apontam para um total de 13.4 milhões de pessoas residentes na Síria que se encontram carentes de alguma forma de assistência humanitária, sendo que deste número, cerca de 6 milhões encontram-se em situação de necessidade extrema. Mais de 12 milhões sírios têm encontrado dificuldades em conseguir comida suficiente diariamente, sendo que isto resulta em meio milhão de crianças estarem cronicamente mal nutridas. Naturalmente, o contexto de pandemia COVID-19 veio agravar a crise humanitária do país, ainda que não exista conhecimento do efeito da doença na população síria por falta de capacidade de testagem e pelo sistema de saúde se encontrar debilitado e sem recursos. A pandemia veio assim acentuar a grande vulnerabilidade das famílias sírias, deixando mais 1 milhão de pessoas em situação de insegurança alimentar, segundo dados do World Food Programme que também revelam que cerca de 60% da população síria está a encontrar escassez de comida.
A ajuda europeia à realidade síria
A gestão da crise síria por parte da União Europeia está fortemente associada à vaga de migração que se deu no ano de 2015 em que mais de 1 milhão de refugiados provenientes do conflito encontraram nas portas europeias uma oportunidade para recomeçarem as suas vidas. Entre os países da União Europeia que acolheram refugiados, é importante denotar que a Alemanha recebeu cerca de 60% e a Suécia recebeu 11% do total de sírios refugiados.
A resposta da União Europeia pode ser observada segundo diferentes períodos de tempo que corresponderam, por consequência, a diferentes tipos de resposta. Assim, entre 2011 e 2013 verificou-se uma resposta institucional inicial da União Europeia que compreendia sanções ao regime sírio, ao mesmo tempo que explorava meios diplomáticos de resolução do conflito e ainda providenciava apoio humanitário para os sírios que se viam oprimidos pelo regime. Posteriormente, entre 2013 e 2017, a atenção foi redireccionada ao combate do Estado Islâmico, tendo sido estabelecido um acordo com a Turquia que visava controlar a migração irregular decorrente da Síria para a Turquia, avistando território europeu. Neste período de tempo, a União Europeia destacou a sua ação humanitária, ambicionando uma maior proteção da população síria. Por último, no período de tempo compreendido entre 2017 e 2020 a União Europeia continuou a apoiar e a desejar fortalecer a oposição política síria e a sociedade civil, ao mesmo tempo que procurava atribuir responsabilidade pelos crimes de guerra e apoiar a população síria.
Em termos financeiros, a União Europeia já contribuiu para ajudar a Síria com 24,9 biliões de euros desde o início da guerra civil, e tem também providenciado bastante assistência dentro do país, tendo oferecido 130 milhões de euros desde o início do presente ano. A União Europeia e os seus Estados Membros são os principais doadores de ajuda internacional à Síria e a todos os que se viram afectados pela sua devastadora guerra. Desde o início da crise em 2011, os montantes financeiros disponibilizados pela União Europeia têm servido o propósito de apoiar a população síria residente no país que se encontre mais vulnerável. Dentro do país, a assistência humanitária europeia é canalizada através de 40 parceiros humanitários que trabalham dentro do país, nos locais de maior carência. Assim, esta rede de assistência providencia à população síria serviços de saúde, assistência alimentar, abrigo, água, saneamento e higiene, apoio psicossocial, itens domésticos essenciais, educação e proteção. O trabalho destas organizações humanitárias decorre sob circunstâncias muito desafiantes, marcadas por uma forte insegurança e constrangimentos. Para além disto, a Comissão Europeia também apoia os sírios que se encontram a residir nos países vizinhos, nomeadamente a Turquia, o Líbano, a Jordânia e o Egito.
Apesar da ajuda fornecida pela comunidade internacional, na qual inserimos o papel da União Europeia na Guerra Civil da Síria e nas suas drásticas consequências humanitárias, não existe qualquer alívio da tensão e da violência passada pelas ruas de Aleppo e Damasco, sendo estes os focos principais de conflito. Assim, a realidade violenta da Síria continua, dez anos depois do seu começo, e tudo indica que não haverá alterações no panorama sírio, sendo que se continuam a verificar recorrentemente ataques que ferem e matam várias pessoas, nomeadamente um bombardeamento por parte do governo que mataram um total de 7 civis, entre as quais se encontravam crianças.
Tendo em consideração a frágil situação do país que vê o seu governo a investir na violência e na opressão, torna-se mais complexo ponderar acerca das diversas formas sobre as quais se poderia ver este conflito finalmente terminado. Como tal, acredito que uma resposta armada por parte de um ator exterior iria apenas reforçar ainda mais o terror já vivido pela população síria. Assim, penso que a única alternativa viável seja esperar que a comunidade internacional, em particular órgãos de segurança internacional como o Conselho de Segurança das Nações Unidas possam estabelecer uma forma de acordar com o governo de Bashar al-Assad com vista a findar o conflito que já vitimou largos milhares de pessoas e destruiu um país inteiro, para que possa ser iniciado o longo e difícil processo de reconstrução e reestruturação dos pilares da vida na Síria, incidindo sobre as esferas políticas, sociais, económicas e humanitárias.
17 de novembro de 2021
Margarida Malta
EuroDefense Jovem-Portugal
Referências
BBC (2021) Why has the Syrian war lasted 10 years? Retirado de https://www.bbc.com/news/world-middle-east-35806229 a 11 de agosto de 2021.
European Commission (2021) European Civil Protection and Humanitarian Aid Operations. Retirado de https://ec.europa.eu/echo/where/middle-east/syria_en a 11 de agosto de 2021.
UNHCR (2021) Syria Refugee Crisis – Globally, in Europe and in Cyprus. Retirado de https://www.unhcr.org/cy/2021/03/18/syria-refugee-crisis-globally-in-europe-and-in-cyprus-meet-some-syrian-refugees-in-cyprus/ a 11 de agosto de 2021.
Veen, A., Pellise, A. P., Ezzeddine, N. & Napolitano, P. (2021) Band-aids, not bullets: EU policies and interventions in the Syrian and Iraqi civil wars. CRU Reports. Retirado de https://www.clingendael.org/pub/2021/eu-relevance-in-the-syrian-and-iraqi-civil-wars/ a 12 de agosto de 2021.
Statista Research Department (2021) The Syrian Civil War – Statistics & facts. Retirado de https://www.statista.com/topics/4216/the-syrian-civil-war/ a 11 de agosto de 2021.