Avançar para o conteúdo

Breves reflexões sobre um eventual alargamento da NATO

A NATO foi criada em 1949[1], sendo signatários fundadores 12 países, incluindo Portugal.

Trata-se de uma organização eminentemente político-militar, para garantir a defesa coletiva da Europa face à expansão comunista da União Soviética para ocidente, que culminou com a criação do Pacto de Varsóvia em 1955 e, posteriormente, a construção do Muro de Berlim (1961).

No preâmbulo do Tratado de Washington consta “…they seek to promote stability and well-being in the North Atlantic area for collective defence and the preservation of peace and security…”

O Artº 6º do referido Tratado define as fronteiras de ação no âmbito da aplicação do Artº 5º (ataque armado a uma ou várias Partes) como sendo “…o Atlântico Norte ao norte do Trópico de Câncer”.

No que se refere a futuros alargamentos, o Artº 10º do mesmo Tratado refere explicitamente que “a adesão à NATO está aberta a qualquer outro Estado europeu em posição de promover os princípios do Tratado e contribuir para a segurança da área do Atlântico Norte….”.

Com o desmoronamento do Bloco Leste, no final de 1989, e a posterior dissolução da União Soviética e do Pacto de Varsóvia, o objetivo que norteou a NATO durante quatro décadas desaparecera subitamente. A partir de 1991, a NATO sentiu a inevitabilidade de redefinição do seu papel no contexto de uma nova ordem internacional e de uma sociedade em mudança. Tornou-se, por isso, evidente a necessidade de rever regularmente o seu processo de tomada de decisão política, bem assim o seu conceito estratégico, tendo em vista a adaptação dos seus meios, estruturas de forças e centros de comando e controlo, às dinâmicas das novas ameaças e desafios geopolíticos, sobretudo num mundo globalizado e inicialmente monopolar, a caminhar para um mundo multipolar fragmentado, baseado no primado das transformações tecnológicas vertiginosas e da introdução da informação digital, da computorização quântica e da inteligência

artificial no fenómeno de globalização [2].

Dando continuidade ao Plano de Ação para a Adesão (Membership Action Plan)[3], presentemente a NATO é uma Aliança na qual participam 29 países membros, tendo Montenegro aderido em junho de 2017. Participam atualmente no programa para adesão à NATO, a Sérvia, a Bósnia e Herzegovina e a República da Macedónia do Norte, que aguardam decisão do Conselho do Atlântico Norte.

Fonte: NATO 2018 annual report

Um adicional de 21 países participam na “Parceria para a Paz” da NATO[4], com 15 outros países envolvidos em programas de diálogo institucionalizado.

Num mundo cada vez mais conectado pela revolução digital, cibernética e globalização, em que as fronteiras já não são as barreiras à ação estatal, poderá a Rússia ser atraída para a órbita de uma NATO em expansão?

Em determinado momento após a fragmentação da União Soviética, isso parecia mais ou menos plausível. Hoje, contudo, esse desiderato tornou-se numa impossibilidade prática, uma vez que a Rússia, cujo emblema estatal é uma águia imperial bicéfala, olhando ao mesmo tempo em dois sentidos opostos, pretende ocupar o centro da Eurásia, podendo simultaneamente exercer a sua influência política, económica e estratégico-militar em ambos os extremos da Eurásia – Europa e China -, assim como no Médio-Oriente.

Depois de os ataques terroristas às “Torres Gémeas” (09 de setembro de 2011) a atenção dos EUA mudou para o contraterrorismo no grande Médio Oriente. A Europa foi vista pelos americanos pelo prisma da NATO e, como tal, o foco principal dos americanos não foi a aceleração da integração europeia na área de segurança e defesa, que já tinha começado na década anterior, mas sim como tornar a NATO útil em apoio das suas sobre-utilizadas forças armadas[5].

No âmbito das revisões periódicas do seu conceito estratégico, a NATO foi alargando a sua área de intervenção para leste (out-of-area), passando a englobar países que até há pouco integravam o domínio soviético e o Pacto de Varsóvia. Estes alargamentos foram sempre sentidos pela Rússia como uma “provocação” ao seu orgulho imperialista perdido, mas, devido às suas fragilidades económicas e militares, foram relutantemente aceites como pertencendo de facto à Europa. Importa referir que, neste quadro, a Rússia considera, como separação geográfica e geopolítica natural da Eurásia, que a fronteira oriental da Europa é uma extensa linha difusa dos Urales, através do Mar Cáspio e da Transcaucásia[6], passando pela conturbada zona de Nagorno-Karabakh[7].

Assim, os alargamentos mais sentidos pela Rússia como uma ameaça real aos seus interesses estratégicos e ao seu sentimento imperialista, foram os dos países Bálticos (2004), tanto mais que não só grande percentagem da população desses países é Russa, como poderão limitar o seu acesso estratégico ao Mar Báltico, através do enclave de Kalinine, altamente fortificado e equipado com mísseis de alcance intermédio.

Com a chegada de Putin à governação da Rússia – ele que sempre considerou a dissolução da União Soviética como o maior “desastre” estratégico da Rússia imperial -, o alargamento da NATO a leste, incluindo os Balcãs, tornou-se cada vez mais difícil e problemático para a estabilidade do leste da Europa e sobretudo para a relação NATO-Rússia e UE-Rússia.

As alterações no ambiente de segurança relacionadas com o marco histórico de 11 de setembro de 2001, sobretudo a partir de 2002 e 2008, deram azo a várias tentativas de alargamento da NATO a leste, de forma a incluir a Ucrânia, a Geórgia e a Modávia/Transnístria na sua esfera de ação. Estas tentativas tiveram, como consequência, reações imediatas e extemporâneas (mas de alguma forma previsíveis) da Rússia, com a anexação da Crimeia, a intensificação da guerra híbrida no leste da Ucrânia (onde reside grande percentagem de população Russa) e a invasão da Geórgia, Ossétia do Sul e Abcásia, que garantem o acesso estratégico importantíssimo às águas mais quentes do Mar Negro/Mediterrâneo.

Os conflitos “congelados” nas duas repúblicas seccionistas da Ucrânia Oriental (Donbass) e na Transnístria e Crimeia, situam-se na zona de confluência bastante instável entre a Europa e a Rússia, na luta pelo predomínio de influência de um futuro eventual grande espaço que venha a ser designado por Eurásia. Não é, portanto, nada aconselhável nem expectável que a NATO tenha como objetivo político-estratégico, mesmo no longo prazo, o seu alargamento a leste para incluir a Moldávia/Transnístria, Ucrânia e Geórgia, criando como consequência imediata um “estado de desordem” em toda aquela região euro-asiática.

Desaparecida a distanciação clara existente no passado entre rivalidade e conflito, ou seja entre guerra e paz, nos dias de hoje o conflito começa com o facto da integração profunda de um país segundo vários formatos, que não chegam a ultrapassar o patamar (threshold) da guerra clássica, nomeadamente os ciberataques, e daí a importância de se compreender a nova tipologia de conflitos baseada na chamada “guerra híbrida”, que não é mais do que forças diversificadas e antagónicas competindo pelo mesmo ecossistema, facilitado pelo fenómeno do ciberespaço.

Presentemente, com uma Rússia mais assertiva e com maior poder militar, com o fim do Tratado de Mísseis de Alcance Intermédio e com uma postura mais radical e divisionista da Turquia, sem embargo de ser um Aliado da NATO, que pretende ser também uma potência dominante regional, assim como a instabilidade crescente no Médio Oriente (Irão, Síria, Arábia Saudita, Iémen e Israel), entende-se que qualquer alargamento da NATO a leste é altamente improvável e desaconselhável.

Assim, hoje, mais do que então, não existem condições nem políticas nem de segurança que permitam seriamente e de forma pacífica e pragmática, incluir no Plano de Ação de Adesão à NATO qualquer país a leste e muito menos a Ucrânia com a Crimeia, a Geórgia com a Ossétia do Sul e a Abcásia e a Moldávia com a Transnístria, excluindo eventualmente a Sérvia, a República da Macedónia do Norte e a Bósnia e Herzegovina.

Embora a NATO e a UE sejam organizações distintas na sua origem, natureza e objetivos, que claramente se complementam na dimensão de segurança e defesa da Europa, não podemos deixar de relevar que 22 aliados da NATO são simultaneamente membros da UE, o que significa que as decisões tomadas, por unanimidade, na NATO quanto à política de alargamento e respetivo Plano de Ação de Adesão, terão inevitavelmente de refletir o pensamento político-estratégico dos Estados-membros da UE. Assim, nesta perspetiva, as decisões sobre um eventual alargamento da NATO à Sérvia, à Bósnia e Herzegovina e à Macedónia do Norte, poderão ficar dependentes da possível oposição de um Estado-membro da UE, como foi o caso da França, Dinamarca e Holanda em relação à República da Macedónia do Norte e Albânia[8], na sua tentativa de adesão à UE.

Nesta conformidade, sob o ponto de vista do interesse geoestratégico transatlântico, a confirmar-se uma posição negativa da NATO em relação ao alargamento à Sérvia, à Bósnia e Herzegovina e à Macedónia do Norte, poderia originar, como corolário lógico dos interesses geopolíticos em jogo, a aproximação da Rússia e da China junto desses países. O objetivo derradeiro dessa abordagem seria a “diluição” do poder americano na Eurásia, como único espaço político, económico e de progresso tecnológico, pois cada momento de recuo americano aproxima mais a China do seu objetivo de conquista de uma gradual paridade com os EUA, na gestão de uma nova ordem global. Neste sentido, a desintegração da UE, como parece ser um dos objetivos de Trump, seria catastrófico para os interesses dos EUA[9].

Nos três anos de Administração de Trump ficou claro que, em relação à política externa e de segurança internacional, Trump não mudará de rumo, continuando a tratar os seus aliados europeus, em particular a UE, incluindo a “guerra comercial” com a UE, mais como adversários do que como aliados, embora seja reconhecido que uma UE reforçada e revigorada, como ator global, seja hoje mais essencial do que nunca, não só para os interesses estratégicos dos EUA como para a NATO.

Por sua vez, com a já anunciada retirada das forças americanas do Afeganistão e com a expansão crescente do poder económico, tecnológico e militar da China[10], é natural que o foco da estratégia de segurança nacional dos EUA se centre efetivamente no grande espaço Ásia-Pacífico e Médio-Oriente, como já havia sido estabelecido na Estratégia de Segurança Nacional dos EUA, em 2015, no tempo do Presidente Obama[11]. Assim, com Trump ou sem Trump, a rivalidade EUA-China constitui agora a primeira prioridade dos EUA, sendo a Ásia, muito provavelmente, o teatro onde essa rivalidade se desenrolará e materializará[12].

Se isso acontecer durante a Administração de Trump, com a implementação da doutrina “America First”, o destino da defesa coletiva da Europa poderá ser deixada um pouco à sua mercê, precisamente numa altura em que as ameaças geopolíticas à Europa apresentam uma dinâmica crescente de conflitualidade, com a Rússia à frente, mas incluindo também o conflito comercial EUA-UE, EUA-China, o prolongar da crise da Síria com os jogos de influência da posição controversa da Turquia, e a crescente tensão Irão-EUA, Arábia Saudita, EAU e Israel[13]. Neste cenário, mesmo no caso da necessidade de recurso ao Artº 5º da NATO[14], em virtude de um ataque armado direto a um Aliado europeu, é de supor que a “cavalaria” americana possa chegar tarde e em quantidade/qualidade insuficiente para enfrentar o ataque, se, simultaneamente, houver uma crise na Ásia-Pacífico.

Fonte: NATO 2018 annual report

Em face das dificuldades manifestadas pelos aliados europeus em cumprirem a meta estabelecida em Gales de 2% do PIB para dispêndio com defesa, até 2024[15], sendo que 20% dos orçamentos de defesa devem ser dedicados ao desenvolvimento e aquisição de novos equipamentos, é evidente que a Europa de hoje, não tem meios suficientes nem capacidade financeira para garantir a sua segurança, no âmbito de uma defesa europeia autónoma. Por outro lado, também não existe consenso político quanto a uma eventual substituição da NATO como garante da defesa coletiva da Europa, num contexto regional de enorme instabilidade.

Numa tentativa de dar satisfação às “exigências” do Presidente Trump, verifica-se que os Aliados Europeus e o Canadá, no fim de 2020, terão feito um grande esforço e despendido, nos últimos cinco anos, um adicional de mais de 90MM€ nos seus orçamentos de defesa, embora a grande maioria dos Aliados esteja ainda longe de cumprir a meta de 2% em 2024[16]. Sem embargo de, em média, cerca de 50% dos orçamentos de defesa se destinarem a gastos com pessoal, este acréscimo de dispêndio com defesa poderá significar de facto um significativo investimento de milhões de euros para investigação tecnológica e desenvolvimento industrial de novos equipamentos, criando oportunidades de emprego e de progresso para as PMEs de defesa. É, sem dúvida, um progresso, mas ainda insuficiente.

É, portanto, chegada a hora de revigorar a UE nos múltiplos e variados aspetos da segurança e defesa!

É neste contexto que deve ser entendido o recente conceito de “autonomia estratégica”[17] da UE, não como independência em relação aos EUA, mas sim no sentido de criar uma Europa da Defesa mais forte e mais autossuficiente, que faça o seu caminho, em total complementaridade, reforço mútuo e não-duplicação com a NATO, mas também com total autonomia[18], incluindo o aprofundamento de uma efetiva cooperação UE-NATO. Importa, por isso, otimizar o uso mais inteligente da cooperação de defesa e dos instrumentos fomentadores do desenvolvimento de capacidades existentes, como a Cooperação Estruturada Permanente (PESCO) e o Fundo Europeu de Defesa (FED), na intensificação da segurança do espaço euro-atlântico[19].

Um estudo recente revela que o estado atual da Europa da Defesa é pobre, no que se refere a capacidades de defesa[20]. A UE apenas poderá garantir 30% do nível de ambição de “autonomia estratégica”, plasmada na Estratégia Global da EU (EGUE). Sem os EUA, os aliados europeus da NATO presentemente não seriam capazes de garantir a defesa da Europa num cenário tradicional, tal como, por exemplo, assegurar as linhas de comunicação marítimas, que são essenciais para a sobrevivência e independência da Europa.

Assim, sem prejuízo do princípio de que a “raison d´etre” da NATO deve manter-se a dissuasão da Rússia, o conceito de “autonomia estratégica” da UE, poderá certamente querer significar que os Estados-membros devem estrategicamente interiorizar o pressuposto de que são eles próprios que constituem a primeira linha da defesa da Europa, tanto no contexto do Artº 5º da NATO[21], como em cumprimento do Artº 42º-7 do Tratado de Lisboa, ou seja a cláusula de “auxílio e assistência mútua” no caso de agressão armada no território de um Estados-membro da UE, estando aptos a defender-se até à chegada dos reforços dos EUA.

Neste pressuposto, os países europeus sentir-se-ão compelidos a desenvolver capacidades não só para cumprimento das tarefas definidas na EGUE, mas também claramente para além disso, com o objetivo de contribuírem para a defesa coletiva da Europa. Neste sentido, os EUA devem compreender e apoiar o papel crescente da UE na área de segurança e defesa.

Os EUA necessitam de uma nova abordagem progressiva para revitalizar a Aliança Atlântica. De facto, em virtude das rápidas mudanças do ambiente de segurança internacional, os EUA necessitam de uma Europa unida e forte, mais do que nunca desde o fim da “Guerra Fria”. Para esta nova abordagem, é fundamental que os americanos encorajem, apoiem, reconstruam e desenvolvam uma nova relação especial com a UE e os esforços de integração e de desenvolvimento de capacidades de defesa europeia, no sentido de reforçar a resiliência de uma UE mais forte e autossuficiente[22].

Portanto, à luz do conceito de “autonomia estratégica” da UE, os think tanks, opinião pública e políticos americanos devem compreender que uma Europa mais forte e autossuficiente é uma NATO mais forte e credível na defesa dos interesses euro-atlânticos[23], dando espaço e tempo aos EUA para se focalizarem na sua nova prioridade estratégica (Ásia-Pacífico), sem, contudo, quebrarem o fundamental laço transatlântico. Para isso, contudo, são absolutamente necessárias capacidades militares de que a UE está carecida e apresenta imensas lacunas, indispensáveis para garantir a eficácia de três tarefas-chave: “dissuasão, defesa e gestão de crises”, sendo a tarefa de “dissuasão” a mais crítica.

Obviamente, a implementação integral deste novo conceito de “autonomia estratégica”, acarretará custos acrescidos muito elevados, muito acima do montante total que se obteria se todos os Estados-membros da UE cumprissem a meta estabelecida de 2% do PIB para dispêndio com defesa, dos quais 20% para “procurement” de novos equipamentos e sistemas de armas.

Terão os Estados-membros vontade política e condições económico-sociais e financeiras para arcar com os elevados investimentos em defesa necessários?

Uma possível solução para este dilema, poderia residir no aumento substancial do FED[24], com uma taxa de cofinanciamento muito superior a 20%, no que respeita à prototipagem e desenvolvimento industrial, podendo mesmo incluir a própria produção dos novos equipamentos necessários[25].

Mas, esta solução, além de, eventualmente, requerer uma revisão dos Tratados, poderia ter o inconveniente de despertar “tentações” de domínio de poder da Comissão Europeia, guardiã dos Tratados e responsável pela gestão dos fundos comunitários, com uma “intromissão” crescente no domínio da defesa, área tradicionalmente reservada à esfera da soberania nacional. Será uma tarefa difícil, por se tratar de uma área dominada por interesses nacionais. De facto, de acordo com o primado da intergovernamentalidade dos assuntos de defesa, tradicionalmente são os Estados-membros, não a Comissão Europeia, que tomam as decisões sobre a política de defesa e as operações militares.

Esta mudança de paradigma, sendo reconhecidamente necessária e urgente, obrigará à definição de uma visão político-estratégica de longo prazo e a um grande equilíbrio institucional, para evitar pêndulos de poder e posições hegemónicas entre a esfera de ação “comunitária” versus “intergovernamentalidade” dos assuntos de defesa[26].

É, pois, altura de a UE e a NATO repensarem uma visão geopolítica e estratégica partilhada quanto à sua relação futura na defesa dos seus interesses, no contexto em que a China é um rival sistemático e um competidor económico, mas também um parceiro estratégico, tendo em vista garantir a defesa coletiva da Europa, alicerçada na garantia de segurança do “guarda-chuva nuclear” americano e no reforço assegurado, rápido e eficaz dos EUA, no caso de recurso ao Artº 5º do Tratado de Washington.

O aprofundando e dinamização desta cooperação estratégica e operacional deve estender-se a praticamente todo o espetro das funções militares, incluindo a gestão de crises endémicas no arco periférico estratégico à volta da Europa, assim como às políticas de vizinhança e leste e a sul[27], para atacar, de forma concertada, as raízes dessas crises e promover o desenvolvimento económico e social das populações dos países visados.

O eventual alargamento da NATO ao Extremo Oriente, nomeadamente à Coreia do Sul, Japão e Austrália, poderia parecer lógico e do agrado dos EUA, numa conjuntura estratégica de tensão com uma China em grande expansão e de focalização dos EUA na Ásia-Pacífico, para contenção da expansão militar da China em direção ao Japão, aos Mares do Sul da China e, sobretudo, às rotas de comunicação, comerciais e energéticas do Índico.

Contudo, tal alargamento, iria “obrigar” a uma revisão profunda do Tratado fundador, rodeado de incertezas quanto ao seu desfecho final. Por outro lado, iria por certo incomodar a China que se sentiria ameaçada em relação à materialização da “nova rota de seda” (China’s Belt and Road Initiative – BRI) e ao eventual controlo do estreito de Malaca, de importância vital para as rotas marítimas comerciais e de transporte energético para a China e não só. Importa sublinhar que estes países (Coreia do Sul, Japão e Austrália) já colaboram intensamente em vários Teatros de Operações da NATO, no quadro de coligações internacionais de boa vontade, sem necessidade de qualquer alargamento formal que possa despertar e acelerar a corrida aos armamentos por parte da China, situação que a UE deve evitar a todo o custo, com base na recente Estratégia UE-China (março de 2019) e na sua prestigiada e eficaz diplomacia.

Na continuação da política de “Defence, Deterrence and Dialogue”[28], o aprofundamento e desanuviamento das relações e do retorno ao diálogo NATO-Rússia, são essenciais sobretudo para os interesses estratégicos da Europa, tanto em termos de segurança e defesa, como em termos de segurança energética. Esta política de reabertura ao diálogo com a Rússia é indispensável no imediato, se pensarmos que tanto a Europa como a Rússia, conjuntamente com a China, são ambos jogadores do mesmo xadrez geopolítico Eurasiático, havendo toda a conveniência no estabelecimento de um diálogo transparente e construtivo, gerador de confiança e sinergias entre os parceiros do mesmo xadrez geopolítico.

Em toda esta problemática do eventual alargamento da NATO, julga-se muito mais recomendável e prudente o aprofundamento das relações transatlânticas, que constituem afinal a raison d’etre do Tratado do Atlântico Norte. Está-se a pensar sobretudo na implementação efetiva dos 74 projetos de cooperação já acordados no seguimento da Declaração Conjunta UE-NATO de 2016 e 2018, incluindo o importante projeto de Mobilidade Militar (Military Mobility)[29]assim como na melhoria das relações NATO-Turquia e na profunda revisão e adaptação conjunta (UE-NATO) das políticas europeias de vizinhança a leste e a sul, em função das novas realidades geopolíticas.

Desta forma, em vez de pensar no alargamento da NATO a sul, incluindo os países MENA, seria preferível que o objetivo final da intensificação deste “raprochement”, visasse reforçar a solidez e a confiança mútua na nova partilha de trabalho e de responsabilidades EU-NATO e criar uma zona de estabilidade, edificação de capacidades e desenvolvimento económico e social na periferia estratégica europeia, nomeadamente contribuir para a estabilização, reconstrução e desenvolvimento do Sahel, Líbia e Síria e Corno de África, com repercussão imediata positiva na questão bastante sensível do terrorismo transnacional e dos imigrantes, refugiados e deslocados. Uma maior estabilidade, desenvolvimento económico e progresso social na vizinhança a sul, significa maior segurança para a Europa e para os seus cidadãos.

Parecer-nos-ia útil, mas de difícil exequibilidade pela exigência de revisão do Tratado fundador, um eventual alargamento da NATO ao Atlântico Sul, por forma a facilitar uma cooperação especial com o Brasil, alargando a área de atuação da NATO ao Golfo da Guiné, que constitui já hoje uma área estratégica de importância capital no combate às fontes ilícitas de alimentação dos tráfegos humano e de droga do Sahel e Norte de África, com repercussão no alastramento do terrorismo (Daesh, Al-kaeda) a toda a África e no incremento dos fluxos migratórios desordenados para a Europa e consequente impacto na coesão da UE.

Por fim, é óbvio que uma eventual nova política de alargamento da NATO não pretende transformar a Aliança num “polícia” do mundo, tanto mais que o seu quadro legal a confina ao espaço euro-atlântico. Contudo, atendendo às adaptações impostas em função das alterações geopolíticas em curso e previsíveis, a NATO não poderá deixar de estar apta a participar em coligações internacionais, em defesa de objetivos político-estratégicos globais de interesse comum.

Por muito que custe aceitar, é hoje um facto incontestável que a queda do “Muro de Berlim”, há 30 anos, significou o fim de uma ordem mundial, na qual prevalecia a hegemonia política, económica, tecnológica e militar do Ocidente. Não nos parece haver dúvidas de que é preciso mudar, para se poder acompanhar, de forma preventiva, a evolução já em curso para uma nova ordem mundial!

25 de novembro de 2019

Augusto de Melo Correia
Associado

[1]Tratado de Washington, 4 de abril de 1949 – Bélgica, Canadá, Dinamarca, EUA, França, Islândia, Itália, Luxemburgo, Noruega, Países baixos, Portugal e Reino Unido.

[2] Nas últimas décadas a Aliança tem vindo a adaptar-se continuamente ao ambiente geopolítico e tecnológico em mudança acelerada.

[3] www.nato.int/cps/en/natohq/official_texts_2744.htm?

NATO Membership Action Plan, 24April1999, updated 27July2012.

[4] Parceria para a Paz – Arménia, Azerbaijão, Bielorrússia, Geórgia, Cazaquistão, Moldávia, Tadjiquistão, Ucrânia, Uzbequistão, Bósnia e Herzegovina, Macedónia do Norte, Sérvia, Áustria, Finlândia, Irlanda, Malta, Suécia e Suíça.

[5] Caso do Afeganistão, por exemplo

[6] “O Despertar da Eurásia”, Bruno Maçães, Círculo Leitores, pag 103, 2018.

[7] Nagorno-Karabakh é um “conflito congelado” entre a Arménia e o Azerbaijão.

[8] European Council Conclusions, IV Enlargement, pag 2, 17-18October2019.

Em recente carta dirigida ao Presisdente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, mais 6 Estados-membros (Áustria, Eslováquia, Eslovénia, Itália, Polónia e República Checa) reclamam a revisão da metodologia para o alargamento de novos países à UE, Jornal Público, pag 26, 25novembro20’19.

[9] Center for American Progress, “Report on Embrace the Union”, Max Bergmann, 31October2019.

[10] As forças armadas da China, sobretudo o seu poder naval e aéreo, têm expandido e intensificado as suas atividades à volta do Japão e nos Mares do Sul da China.

[11] https://obamawhitehouse.archives.gov/sites/default/files/2015_national_security_strategy-2.pdf

National Security Strategy, February 2015.

[12] https://www.whitehouse.gov/wp-content/uploads/2017/12/NSS-Final-12-18-2017-0905.pdf

National Security Startegy oh the USA – December 2017.

[13] Trump não exclui a possibilidade de fazer depender a assistência americana, dos esforços efetivamente efetuados pelos aliados europeus nos seus orçamentos de defesa, no que respeita ao cumprimento das metas estabelecidas, nomeadamente 2% do PIB para dispêndio com defesa e 20% deste montante para desenvolvimento e aquisição de equipamentos militares.

Ver Comunicado da Cimeira da NATO em Bruxelas, 11-12jul2018.

[14] “As Partes concordam em que um ataque armado contra uma ou várias delas na Europa ou na América do Norte, será considerado um ataque a todas, e, consequentemente, concordam em que, se tal ataque armado se verificar, cada uma, no direito de legítima defesa, individual ou coletiva, reconhecido no Artº 51º da Carta das Nações Unidas, prestará assistência à Parte ou Partes assim atacadas, praticando sem demora………..a ação que considerar necessária, inclusive o emprego da força armada, para restaurar e garantir a segurança na região do Atlântico Norte”.

[15] Annex to NATO 2018 Annual Report, Defence Expenditure of NATO Countries, pag. 121, Defence Expenditure as a share of GDP (%). NATO Europe and Canada (1,48%-2018).

[16] Secretário Geral da NATO, Jens Stoltenberg, NATO Industry Forum, Washington D.C., 14nov2019.

[17] Estratégia Global da UE, Conselho Europeu, EUCO 26/16, 28junho2016.

EUGS.pdf-Shared Vision, Common Action: A Stronger Europe, June2016.

[18] O Artº 42º-7 do Tratado de Lisboa, concernente à cláusula de “auxílio e assistência mútua no caso de agressão armada no território de um Estado-membro”, sendo vinculativo, não afeta os compromissos da NATO estabelecidos no quadro do seu Artº 5º.

[19] No seguimento da invasão e ocupação da Crimeia pela Rússia e das suas guerras híbridas em Donbass (Leste da Ucrânia), a Cimeira da NATO em Varsóvia, em 08jul2016, adotou o conceito de “Enhanced Forward Presence”, que consiste em deslocar 4 batalhões reforçados de combate, em rotação permanente, para os países Aliados mais expostos a um possível ataque e invasão da Rússia: Estónia, Letónia, Lituânia e Polónia, em complemento com a missão “NATO Baltic Air Policing”.  O objetivo principal deste conceito consiste em assegurar que a Aliança está pronta a responder rápida e firmemente aos novos desafios de segurança nas fronteiras da NATO.

[20] Douglas Barrie, “Protecting Europe. Meeting the EU’s militar level of ambition in the context of Brexit. International Institute for Strategic Studies, 28 November 2018.

[21] Em resposta à afirmação de Emmanuel Macron, na sua entrevista ao “The Economist”, em 07nov2019, de que a “NATO is braindead”, o Secretário de Estado Pompeo reagiu imediatamente afirmando “if NATO doesn´t change it risks becoming obsolete…”, Egmont Institute, “NATO:Life after Brain Death”, Sven Biscop, 13nov2019.

[22] Center for European Progress, “Embrace the Union”, Max Bergmann, 31October2019.

https://www.americanprogress.org/issues/security/reports/2019/10/31/476483/embrace-the-union .

[23] Mesmo quando Emmanuel Macron, em sentido figurado, fala da “morte cerebral da NATO”, naturalmente isso não significa que pretenda dissolver a NATO. Outrossim, pretende enfatizar que é necessário desenvolver mais depressa uma defesa europeia autónoma, mas sempre com o acento tónico na imprescindibilidade do reforço das relações euro-atlânticas.

[24] O próximo Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027, ainda não aprovado pelos órgãos institucionais próprios (Parlamento Europeu e Conselho Europeu), prevê dedicar ao FED 13MM€, um aumento de 12 vezes em relação ao quadro financeiro anterior (2014-2020). É óbvio que este montante não será suficiente para transformar o mercado de defesa europeu, mas é um começo.

[25] Por exemplo, um cofinanciamento de 65%, que é o critério utilizado no Programa Europeu de Desenvolvimento Industrial de Defesa (PEDID) para conceção (design), demonstração, testes, qualificação e certificação. Regulamento (UE) do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18jul2018, publicado no Jornal Oficial da UE, L 200/30, de 07ago2018.

[26] Durante décadas os Estados-membros resistiram ao envolvimento da UE no desenvolvimento, produção e aquisição de equipamentos militares e serviços. O Artº 346º do TFUE serviu, e ainda serve, para os Estados Membros protegerem as suas indústrias, sendo consideradas como uma questão de interesse vital dos Estados-membros e, como tal, imunes ao alcance regulatório da UE. Este paradigma mudou nos últimos três anos e a UE foi convidada a desempenhar um papel maior. Centre for European Reform, Can an European Commission develop Europe’s defence industry?, Sophia Besch, 18Nov2019.

[27] Na Cimeira da NATO em Bruxelas, 2018, foi adotada a “Iniciativa de Prontidão da NATO” (NATO Readiness Initiative), que consiste em adicionar às forças de alta prontidão existentes (NATO Response Force – Very High Readiness Joint Task Force), adotado na Cimeira da NATO em Gales, 05set2014, mais os seguintes componentes, conhecidos por 4×30´s:

-30 Navios de combate

-30 Batalhões reforçados de combate

-30 Esquadras aéreas de combate, com os respetivos multiplicadores de forças (operacional enablers)

-30 dias ou menos de prontidão operacional.

[28] “Defence, Deterrence and Dialogue”, NATO Annual Report- 2018, pag.20.

www.20190315_sgar-en.pdf

[29] Está previsto no Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027 que o projeto Mobilidade Militar beneficie de um financiamento comunitário do 6 MM€. O projeto Mobilidade Militar é também um projeto PESCO, liderado pela Holanda, no qual Portugal participa. Este projeto tem por objetivo facilitar, em caso de necessidade, o desembarque, transporte e movimentação rápida de forças de reforço americanas e europeias, no quadro da prestação de auxílio e assistência no caso de agressão ou ataque armado, ao abrigo do Artº5º da NATO e Artº 42.7 do Tratado de Lisboa.

Partilhar conteúdo:
LinkedIn
Share

Formulário Contato