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A problemática das alterações climáticas não se cinge a um único setor da sociedade sendo, por isso, transversal à mesma; para além de ser um problema transfronteiriço. As particularidades deste problema tornam muito difícil uma resposta eficiente no âmbito da segurança internacional, visto ser necessária a cooperação coordenada de um grande número de países para que esta seja bem-sucedida e os efeitos consequentes das alterações climáticas sejam minimizados. O exemplo mais claro deste argumento é o da volatilidade das políticas propostas para combater o aquecimento global; para não falar das diferentes conceções atribuídas ao fenómeno das alterações climáticas pelas várias presidências dos Estados Unidos, que culminam na constante entrada e saída do Acordo de Paris. Ou seja, se é difícil haver consenso dentro de um só país quanto à existência de alterações climáticas, e de quão rigorosa deve ser a resposta a esse problema, pode imaginar-se a extrema dificuldade que será alinhar todos os países ou a sua maioria numa mesma direção.

O grande objetivo do Acordo de Paris – o principal catalisador para a união das forças estatais no combate às alterações climáticas – é a diminuição das emissões dos gases efeito de estufa de forma a que o aquecimento global não ultrapasse os 2ºC em relação aos níveis pré-industriais. O aquecimento global verificado até esta data já coloca sérios riscos de segurança, de modo que se ultrapassarmos o marco dos 2ºC estaremos perante o exacerbar dos riscos de segurança já existentes e defronte cenários nunca antes experienciados. Sendo alguns desses cenários:

  • O aumento de tensões no acesso aos recursos: escassez de água, diminuição de terras férteis, assim como o aumento de fenómenos naturais (i.e. cheias e secas) e a sobre-exploração de materiais raros e preciosos para o desenvolvimento da tecnologia que vão criar uma forte tensão entre os países, especialmente aqueles com uma forte pressão demográfica.
  • As ameaças para as cidades costeiras e infraestruturas críticas:as maiores aglomerações urbanas da atualidade e as respetivas infraestruturas de apoio situam-se, geralmente, em zonas costeiras. Estas populações e as suas atividades económicas estão particularmente vulneráveis à subida do nível médio do mar e à maior frequência de catástrofes naturais como tsunamis ou depressões meteorológicas.
  • As redefinições territoriais: com o aumento do nível médio do mar devido ao degelo polar, muitos países insulares ou costeiros vão ver o seu território reduzir para o mar, criando tensões e pressões demográficas nas zonas fronteiriças. Além de se assistir a uma corrida aos recursos polares que irão potenciar conflitos entre países.
  • Os migrantes ambientais: a migração decorrente dos efeitos das alterações climáticas, tal como a desertificação dos solos, cheias abundantes ou tempestades frequentes dá origem a que grandes massas populacionais se desloquem em busca de um local mais seguro, causando tensões nas rotas migratórias e pontos de chegada.
  • As situações extremas de pobreza e radicalização: as populações que sentem que as suas necessidades básicas ficam por satisfazer, devido à instabilidade e ineficiência governativa, veem agora, as suas situações agravadas com as alterações climáticas. Consequentemente, assiste-se a uma radicalização política dessas mesmas populações resultando em tensões e conflitos armados religiosos e/ou étnicos.
  • A insegurança energética: o aumento da concorrência no acesso aos recursos energéticos, como o petróleo ou gás natural, desencadeia uma maior instabilidade em regiões que já enfrentam problemas sociais e/ou económicos. Esta multiplicidade de tensões, acumuladas com a vulnerabilidade climática típica destas regiões, vai aumentar as probabilidades de uma maior periodicidade de conflitos armados.
  • A pressão sobre o multilateralismo: o sistema multilateral (com a ONU na vanguarda), dispõe de vários mecanismos para reprimir conflitos de larga dimensão; contudo, corre sérios riscos de perder relevância para o sistema bilateral, se não for capaz de responder aos problemas que emergem com as alterações climáticas.

Aquando da sua criação, a União Europeia (UE) foi inspirada pelos valores da paz, respeito pelos direitos humanos, democracia e boa governação, tanto dentro como fora das suas fronteiras – e não só nas suas relações bilaterais, como nas instâncias multilaterais de que faz parte. Pelo que, não seguindo uma política externa convencional – através de sanções económicas ou do uso da força –, tem uma forte presença internacional e é um dos principais atores no quadro internacional contemporâneo.

Posto isto, a UE procurou não só tornar-se um ator relevante como também um líder no combate às alterações climáticas, através de políticas de mitigação, regulação e governação. Assim, o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), representa a base jurídica que permite que a União atue em todas as áreas da política climática, limitada unicamente pelo princípio da subsidiariedade e pela exigência de unanimidade no Conselho. Além disso, a política climática da UE tem vindo a estabelecer os princípios da precaução, prevenção e retificação da poluição na fonte e os princípios do poluidor-pagador.

A partir do Processo de Cardiff de 1998, a integração das preocupações ambientais nas decisões e atividades de outros setores da União tornaram-se um pilar importante na política europeia. Nesse mesmo ano, a UE decide avançar com as negociações do Protocolo de Quioto, mesmo apesar da saída dos Estados-Unidos, reforçando a sua posição e compromisso para com as discussões sobre a segurança ambiental. Do mesmo modo, a entrada em vigor do Acordo de Paris, em 2015, ilustra a posição vanguardista da União nos esforços internacionais com vista à concretização um acordo global sobre o clima, ao encorajar uma ampla coligação entre países desenvolvidos e em desenvolvimento de forma a tomar medidas concretas para executar o seu objetivo de reduzir as emissões em pelo menos 40%, até 2030.

Em 2019, é apresentado o Pacto Ecológico Europeu – ‘European Green Deal’ – o oitavo programa de iniciativa europeia – tendo sido já implementados sete, desde 1973 –, destacando-se dos anteriores acordos, pelo compromisso por parte dos Estados-Membros na sua concretização e por contar com a maior verba orçamental, até então. Neste sentido, as missões e objetivos nacionais de cada Estado-Membro são importantes para o sucesso deste oitavo programa climático, que não se cinge apenas ao clima, mas também às áreas económicas e sociais de cada Estado, ao ter como metas “a inexistência de emissões líquidas de gases efeito estufa, até 2050; a dissociação do crescimento económico com a exploração dos recursos; e não deixar ninguém ou nenhuma região para trás” (Comissão Europeia). Cada meta é acompanhada de recursos jurídicos e instrumentos económicos e financeiros, como a Lei Climática Europeia que transformará a neutralidade carbónica, não apenas numa promessa política, mas mais do que isso, numa obrigação legal. Já o Mecanismo de Transição Justa, que disponibilizará mais de 100 mil milhões de euros, entre 2021 e 2027, consagrará o apoio financeiro e técnico de forma a não deixar para trás os Estados-Membros mais afetados pela transição para uma economia verde.

Por fim, é importante notar, o compromisso não só das Instituições Europeias como dos Estados-Membros, no quadro das Nações Unidas, para com os Objetivos de Desenvolvimento do Milénio (2000-2015) e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (2015-2030).

Em jeito de conclusão, podemos afirmar que a União Europeia não é uma grande potência convencional, mas sim uma potência normativa que age principalmente através da disseminação das suas ideias e valores e não através do uso da força militar ou de sanções económicas. A União é, assim, caracterizada como uma potência civil, e não militar, que na persecução de interesses pós-nacionais ou éticos tenta moldar a ordem global através de uma mudança normativa, em vez do recurso à força. Neste sentido, para além do papel central desempenhado pela UE na criação de um regime de alterações climáticas, na promoção do desenvolvimento sustentável na ONU e com a recusa dos Estados Unidos em assumirem um papel de líder ambiental – bloqueando várias iniciativas ambientais internacionais –, a emergência europeia como ator central na formulação de políticas ambientais comuns, parece encaixar perfeitamente no argumento de que o compromisso com os interesses ambientais globais e os valores da paz, respeito pelos direitos humanos, democracia e boa governação são parte integrante da identidade única da UE e estão no cerne da sua política externa.


30 de abril de 2021

Leonor Sustelo
EuroDefense Jovem-Portugal

Afonso Ziegler Ribeiro
EuroDefense Jovem-Portugal


Fontes

Abrantes, Carolina. “The EU New Green Deal”. Trabalho para a unidade curricular Political Economy of European Integration, Universidade Católica Portuguesa. 2020.

Alto Representante da Comissão Europeia para o Conselho Europeu. Alterações Climáticas e Segurança Internacional. CONSILIUM.

Comissão Europeia. “A European Green Deal: Striving to be the first climate-neutral continent”. Comissão Europeia. 2021. https://ec.europa.eu/info/strategy/priorities-2019-2024/european-green-deal_en

Conselho Europeu. “Alterações Climáticas: Medidas que a UE está a tomar”. Conselho Europeu. 2021. https://www.consilium.europa.eu/pt/policies/climate-change/

Flakner, Robert. “The European Union as a ‘Green Normative Power’? EU Leadership in International Biotechnology Regulation”. Center for European Studies, Harvard University. 2006.

Xavier, Ana Isabel. “The European Union as a Leading Environmental Player? A Critical Analysis on the Policy and Commitments Towards Global Development and Climate Change.” em Climate Change and Development: Market, Global Players and Empirical Evidence. Editado por Tiago Sequeira e Liliana Reis. 135-150. Springer Nature Switzerland. 2019.

Spencer, Tom. “The short- and long-term challenges of climate change and security”. Wilfried Martens Centre for European Studies. 2014 Youngs, Richard. Climate Change and European Security. Routledge. 2015.

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