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No dia 13 de dezembro de 2021, o Conselho de Segurança das Nações Unidas falhou mais uma vez em matéria de ação climática ao rejeitar um projeto de resolução que definiria, pela primeira vez, as alterações climáticas como uma ameaça à paz e à segurança internacionais. Apesar do voto a favor de doze Estados-membros, registou-se uma abstenção por parte da República Popular da China, o veto da Federação Russa e o voto contra da República da Índia, que se opôs vivamente à intervenção do Conselho de Segurança em matéria das alterações climáticas.

As alterações climáticas nem sempre são percebidas como uma ameaça à segurança dos Estados, ou à paz internacional, apesar de serem, talvez, a maior ameaça com que a Comunidade Internacional alguma vez teve de lidar, e à qual ainda não está a responder adequadamente. De facto, nos últimos anos tem se assistido a um maior número de cientistas, ambientalistas e profissionais de segurança nacional a alertar para as consequências das alterações climáticas em matéria de catalisação de conflitos, agravamento de desastres naturais, escassez de recursos essenciais, migrações massivas e o próprio desaparecimento de várias ilhas, o que constitui uma ameaça à sua integridade territorial e à sua soberania – prevê-se que o Kiribati, as Maldivas, a República das Ilhas Marshall e Tuvalu sejam inabitáveis em meados deste século (Storlazzi et al., 2018). Já em 2018, o Secretário-Geral das Nações Unidas António Guterres afirmou “que a mudança climática é a maior ameaça à segurança humana e ao desenvolvimento sustentável.”, mas atualmente, e apesar do papel significativo da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC) e dos compromissos do Acordo de Paris de 2015, a maioria dos Estados ainda está longe das metas estabelecidas por este acordo – segundo o relatório do Climate Action Tracker de 2021.

Vários Estados têm tentado aumentar os esforços no sentido de reconhecer a relação entre a segurança internacional e o clima, dentre eles a União Europeia, que ao reconhecer como as alterações climáticas podem agravar tensões já existentes em algumas regiões africanas, se preocupa com a ameaça que isso pode representar, por levar ao aumento de migrações (Rodrigues de Brito, 2012).

Papel do Conselho de Segurança na adoção de agenda política

Considerando as alterações climáticas como uma ameaça à paz e à segurança, torna-se relevante refletir sobre se o Conselho de Segurança deveria ter um papel nesta matéria, e qual seria.

Alguns Estados temem que a intervenção do Conselho de Segurança nas questões relacionadas com o clima possa afetar o trabalho da UNFCCC, outros opõem-se à securitização do clima, por considerarem que este tema tem os seus fóruns próprios e que deve ser tratado politicamente, vendo-o como uma questão de direito internacional e desenvolvimento sustentável, e outros rejeitam aquilo que consideram ser um alargamento do âmbito do Conselho de Segurança para além daquilo que era a sua função original – lidar com as questões da guerra e da paz. De facto, algumas destas questões foram, precisamente, levantadas pela República da Índia e pela Federação Russa ao justificarem a reprovação do projeto de resolução de 13 de dezembro. No entanto, outros Estados têm tentado avançar com a securitização do clima e muitos estudiosos têm se esforçado por equacionar quais as possíveis ações do Conselho de Segurança nesta matéria.

O entendimento tradicional de “ameaça à paz e à segurança internacionais” – cuja classificação cabe ao Conselho de Segurança, de acordo com o artigo 39º da Carta das Nações Unidas – foca-se nos problemas de segurança entre fronteiras, particularmente conflitos armados entre Estados. No entanto, desde a Guerra Fria que o Conselho de Segurança tem expandido as situações em que a sua intervenção é invocada. Estas situações (menos tradicionais) em que o Conselho de Segurança atuou poderiam, então, servir de exemplo para futuras medidas na área da adaptação e mitigação das alterações climáticas, e também para legitimar essas medidas – como é o caso de desafios como o HIV/AIDS, a proteção de crianças em conflito armado, a luta contra o terrorismo, o vírus Ébola e a COVID-19.

No artigo 24º da Carta das Nações Unidas confere-se ao Conselho de Segurança, cujas atribuições “estão enumeradas nos Capítulos VI, VII, VIII e XII”, “a principal responsabilidade na manutenção da paz e da segurança internacionais” e o único limite que lhe é imposto é agir “de acordo com os Propósitos e Princípios das Nações Unidas”. Esta é a única limitação clara da autoridade do Conselho de Segurança, e aquilo que o Conselho de Segurança caracterizar como uma “ameaça à paz e à segurança internacionais” é, de facto, uma “ameaça à paz e à segurança internacionais” sobre a qual tem autoridade legal e legitimidade para agir.

O principal limite à ação do Conselho de Segurança é a vontade política dos Estados, particularmente dos P5, que não é imune a interesses estratégicos e pressões internas (e externas), bem como interesses económicos. Isto pode representar um entrave à ação do Conselho de Segurança, já que o mesmo acontece em ameaças “tradicionais”. É relevante notar, no entanto, que esta vontade política pode ser influenciada por diversos atores e fatores e pode evoluir no tempo consoante a gravidade da ameaça (Kenny, 2007). Essa predisposição para agir e a perceção da gravidade vão definir o tipo de medidas que poderão ser tomadas pelo Conselho de Segurança, começando pela decisão de se tratar, ou não, de uma ameaça à paz de acordo com o artigo 39º da Carta.

A forma como o Conselho de Segurança vai atuar irá depender da urgência com que a Comunidade Internacional, e em especial os P5, vê as alterações climáticas. Esta vai determinar o uso de mecanismos do Capítulo VII (força militar) ou do VI (meios diplomáticos), a criação de novos mecanismos, ou o uso dos existentes, e a sua disposição para agir para a mitigação (agindo sobre as causas) ou para a adaptação (agindo apenas sobre as consequências) às alterações climáticas. O caso mais óbvio de ação do Conselho de Segurança seria em caso de conflito armado como consequência das alterações climáticas. O caso mais difícil será o combate às causas das alterações climáticas para a mitigação dos seus efeitos.

No artigo Implications of climate change for the UN Security Council: mapping the range of potential policy responses, Shirley V. Scott (2015) considera várias categorias em que a ação do Conselho de Segurança pode recair de acordo com a vontade de resposta dos Estados – sendo que nos extremos se encontram, de um lado, a rejeição de qualquer envolvimento com esta questão e, do outro, o seu completo envolvimento na questão. Entre os extremos, destacam-se as respostas mais moderadas, com menos vontade de ação por parte do Conselho de Segurança. Nesse caso, seriam utilizados os mecanismos do Capítulo VI da Carta, como a diplomacia preventiva e o debate, para uma maior visibilidade, consciência e reconhecimento das implicações das alterações climáticas na segurança internacional; poder-se-iam requerer pareceres ao Tribunal Internacional de Justiça sobre a legalidade das ações (ou inações) dos Estados relevantes para as a questão das alterações climáticas; e pode ser considerado o uso de missões de paz (peacebuilding e peacekeeping) – ou a criação de uma nova “missão” focada apenas nas alterações climáticas – para o auxílio de Estados afetados e em situações de desastre por elas causadas.

No extremo em que há uma grande vontade de ação por parte do Conselho de Segurança, por quererem um completo envolvimento na questão, considera-se o uso de força militar, com os mecanismos previstos no Capítulo VII da Carta; sugere-se a criação de um tribunal internacional para terminar com a impunidade do crime “ecocídio”; considera-se a criação de um comité para a inspeção do cumprimento dos objetivos face às alterações climáticas, para facilitar a comunicação entre os Estados, e para mais transparência, diálogo e consenso – algo que já foi feito com o Comité contra o Terrorismo e o Comité 1540; e equaciona-se o uso de sanções para penalizar os Estados que não cumpram as metas estabelecidas.

Ken Conca (2018), no artigo Is there a Role for the UN Security Council on Climate Change?, menciona ainda a possibilidade de criar uma versão softer do R2P (Responsibility to Protect) relacionado com o clima, algo que foi já explorado numa sessão informal sobre o clima, em 2017, com a ajuda de Caitlin Werrell do Center for Climate & Security, em que se propôs o conceito de Responsability to Prepare and Prevent.

Muitas destas sugestões são vistas como extremas por muitos Estados, mesmo as mais moderadas. Para além disso, a construção e funcionamento do Conselho de Segurança, em particular a presença dos P5, fazem com que seja difícil imaginar o Conselho de Segurança a chegar a um acordo sobre esta questão. Contudo, este debate deve continuar.

Identificar os efeitos das alterações climáticas num dado conflito fará com que este possa ser abordado, gerido e resolvido de uma forma mais eficaz. Apesar de já se terem dado passos importantes ao nível de discussões informais sobre o clima e a sua influência na segurança internacional, formalizar estas discussões, numa primeira fase, seria benéfico para que acontecessem de forma mais sistemática e deixassem de depender da presidência do Conselho de Segurança. Para além disso, reconhecer as alterações climáticas como uma ameaça à paz e à segurança internacionais criaria uma sensação de maior urgência na Comunidade Internacional, nos governos e na população, e poderia tornar mais rápido e eficaz o seu combate.

As alterações climáticas representam um acrescido risco de conflito, mas também uma ameaça à própria existência de certos Estados. O Conselho de Segurança é o órgão da ONU mais capacitado para agir face a tamanha ameaça, mas enquanto isso não acontece, a Comunidade Internacional deve canalizar os seus esforços para reverter as alterações climáticas e para diminuir os seus impactos negativos, com os meios disponíveis, ao mesmo tempo que o esforço para reconhecer as alterações climáticas como uma ameaça à paz e segurança internacionais continua.


Inês de Sousa

EuroDefense Jovem-Portugal


Referências

Climate Action Tracker. (2021). (rep.). Global Update: Climate target updates slow as science demands action. Retrieved April 11, 2022, from https://climateactiontracker.org/publications/global-update-september-2021/.

Conca, K. (2018). Is there a role for the UN Security Council on Climate Change? Environment: Science and Policy for Sustainable Development, 61(1), 4–15. https://doi.org/10.1080/00139157.2019.1540811

Nevitt, M. (2020, August 29). Climate change: A threat to International Peace & Security? Opinio Juris. Retrieved April 11, 2022, from http://opiniojuris.org/2020/08/29/climate-change-a-threat-to-international-peace-security/.

Penny, C. K. (2006). Greening the Security Council: Climate Change as an emerging “threat to international peace and security.” International Environmental Agreements: Politics, Law and Economics, 7(1), 35–71. https://doi.org/10.1007/s10784-006-9029-8.

Rodrigues De Brito, R. (2012). The securitisation of climate change in the European Union. Global Security Risks and West Africa: Development Challenges, OECD. https://doi.org/10.1787/9789264171848-7-en.

Scott, S. V. (2015). Implications of climate change for the UN Security Council: Mapping the range of potential policy responses. International Affairs, 91(6), 1317–1333. https://doi.org/10.1111/1468-2346.12455.

Storlazzi, C. D., Gingerich, S. B., van Dongeren, A., Cheriton, O. M., Swarzenski, P. W., Quataert, E., Voss, C. I., Field, D. W., Annamalai, H., Piniak, G. A., & McCall, R. (2018). Most atolls will be uninhabitable by the mid-21st century because of sea-level rise exacerbating wave-driven flooding. Science Advances, 4 (4). https://www.science.org/doi/10.1126/sciadv.aap9741.

United Nations. (2018, December 1). Guterres: “Mudança Climática É a maior Ameaça à Segurança Humana” | ONU news. United Nations. Retrieved April 11, 2022, from https://news.un.org/pt/story/2018/12/1649981.

United Nations. (2021, December 13). Security Council fails to adopt resolution integrating climate-related security risk into conflict-prevention strategies | meetings coverage and press releases. United Nations. Retrieved April 11, 2022, from https://www.un.org/press/en/2021/sc14732.doc.htm.

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University, S. (2019, June 12). Does climate change cause armed conflict? Stanford News. Retrieved April 11, 2022, from https://news.stanford.edu/2019/06/12/climate-change-cause-armed-conflict/.


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