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Análise crítica: O novo modelo de apoio ao desenvolvimento promovido pelos BRICS

O apoio ao desenvolvimento sempre se apresentou como algo contestado ao longo das últimas décadas como sendo altamente politizado e ineficaz. Este desenvolvimento promovido pelo Ocidente, tem vindo a dar lugar ao apoio ao desenvolvimento promovido pelos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) que tem se mostrado bastante apelativo aos países recetores. Desta forma, é necessário perceber o que muda nestes financiamentos, quais as consequências diretas, e se este poderá a vir a ser um modelo amplamente generalizado em termos globais.

O modelo de desenvolvimento promovido pelo Ocidente nas últimas décadas tentou providenciar aos países menos desenvolvidos formas de encontrarem o progresso económico e humano através de mecanismos financeiros normalmente incorporados naquilo que são os atores da economia mundial como o FMI (Fundo Monetário Internacional) e Banco Mundial. Contudo mesmo que as intenções fossem moralmente corretas, isto é, ajuda concreta ao desenvolvimento, as contrapartidas sempre foram clarividentes neste tipo de apoios. Assim sendo, existiram sempre vontades de que os governos recetores de ajuda acompanhassem o progresso económico e social com reformas políticas e sociais de acordo com os princípios democráticos. Muito desta proposta cimentada na ideia da paz liberal, tendo em conta que muita das vezes este apoio ao desenvolvimento ocorreu em períodos de pós-conflito. “Not all the reconstruction is for repairing physical and infrastructure. A significant part represents institution-building efforts…” (Demekas, 2002)

Sabemos nos dias de hoje que o desenvolvimento e as metas não foram alcançados, assistimos assim à década perdida do desenvolvimento que foram os anos 80, onde muitos acusaram os governos de gastarem recursos indiscriminadamente, posteriormente assistimos a uma progressiva politização da ajuda que perpetuava uma ideia de querer acompanhar estes apoios com uma replicação dos modelos ocidentais noutros países. Em termos práticos, salvo alguns progressos ocorridos, observamos um falhanço do modelo que ficou muito aquém daquilo que eram as expectativas, observamos por exemplo o facto dos países africanos ficarem cada vez mais para trás no panorama mundial em relação ao IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) (Gapminder, 2021). O elemento mais preponderante a meu ver foi a falha em apresentar resultados concretos que impactassem a vida das pessoas.

Assim veio a surgir juntamente com a ascensão económica e política da China uma nova política de apoio ao desenvolvimento que incorpora muito daquilo que é a narrativa promovida pelos BRICS, uma ajuda ao desenvolvimento sem contrapartidas, pelo menos aparentemente, que tem vindo a ser altamente atrativa para os países em desenvolvimento, principalmente países do continente africano. Desta forma, não estamos a observar uma automática substituição de modelos de desenvolvimento, pois ambos coabitam no sistema internacional, contudo a ascensão e o pragmatismo do modelo dos BRICS é facilmente observável no atual contexto, “With the BRICS as an economic vector providing some 80 per cent of global economic growth in 2010–15” (Li, 2016). Assim sendo, é preponderante perceber o porquê deste modelo ser extremamente apelativo e entender pela mesma linha de pensamento o porquê de se estar a proliferar rapidamente.

O Modelo dos BRICS surge e cimenta-se no panorama internacional devido no meu entender a quatro razões fundamentais. A primeira delas é o falhanço do modelo promovido pelo Ocidente durante décadas. Os fatores deste falhanço poderão ser apresentados nas mais variadas vertentes, contudo cabe-me apresentar os dois fatores preponderantes. As contrapartidas de reformas democráticas associadas à interconexão entre desenvolvimento e segurança (DUFFIELD, 2010) foram o primeiro problema, não pelo seu fundamento, isto é, a concordância com a democracia é no meu entender fundamental, todavia a tentativa de aplicar o modelo democrático ocidental nos países em desenvolvimento como se de um molde universal se tratasse, falhou. Pois não teve em conta aspetos culturais, aspetos provenientes das relações sociais e acima de tudo não teve em conta as questões soberanas dos estados que recebiam a ajuda, o que se tornou cada vez mais incomodativo nos países recetores. Concluindo, uma democracia promovida do topo para a base não funcionou. A segunda razão para o falhanço das políticas de apoio ao desenvolvimento foi a falta de ordenamento das prioridades, isto é, pensou-se em contrapartidas que exigiam a democracia, quando nem sequer as mínimas das infraestruturas básicas estavam construídas, a pergunta é, se faz sentido falar em pluralidade democrática, quando o tecido social necessita em primeira instância de suprimir as necessidades básicas alimentares. Assim, mais uma vez o verdadeiro tecido social não sentiu as reais consequências da ajuda, que muitas das vezes era observada como distante, presente em locais aquartelados na maior parte das vezes, “The fortified aid compound is now ubiquitous throughout the global borderland.” (Duffield, 2010)

Os próximos três fatores que contribuíram para a cimentação do modelo dos BRICS estão automaticamente ligados às problemáticas que o modelo ocidental criou e que os BRICS, observando estas debilidades, constroem uma narrativa acompanhada de concretização que vem progressivamente substituindo o modelo falhado. Assim sendo, passamos ao segundo fator que se materializa na não existência de contrapartidas visíveis. Desta forma, em termos oficiais não existem interferências nos assuntos internos dos estados. Este argumento poderia facilmente ser apenas uma viragem da página da ajuda, todavia vem muita das vezes acompanhado de uma narrativa cimentada numa visão antiocidental, que incorpora a ajuda que os estados (Ocidentais) providenciavam como sendo neocolonial e hipócrita, visto que pediam democracia muitas das vezes pela força das armas ou promovendo golpes de estado nos países em questão. Deste modo, esta ajuda ao desenvolvimento é nova, isto é, promovida por países que nunca tiveram colónias, aliás são na sua maioria ex-colónias emancipadas.

O terceiro fator é o pragmatismo das ajudas, isto é, facilmente constatável a eficácia de certos projetos. A ajuda ao desenvolvimento dos BRICS é altamente influenciada pela China, pelo Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura e pelo projeto Chinês Belt and Road Initiative, “anunciada pelo Presidente Xi Jinping, em Astana (capital do Cazaquistão), em setembro de 2013” (Duarte, 2020) Neste âmbito o projeto tem financiado grande parte daquilo que são os projetos em infraestrutura básica como, redes viárias e ferroviárias, sistemas de armazenamento de água, infraestruturas portuárias, escolas e universidades, entre outros elementos. Desta forma, a ajuda ao desenvolvimento apresenta resultados imensos facilmente observáveis pela comunidade internacional, mas principalmente pelas populações desses países. Começa-se a difundir a perceção de que agora o desenvolvimento está a chegar a quem precisa o que terá impacto direto nas vidas das pessoas, em termos quantitativos são mais de 3000 projetos de cooperação (Associates, 2023). Passamos assim de uma perspetiva de um apoio burocrático, aquartelado e distante do Ocidente para um apoio real e de proximidade dos BRICS.

O quarto e último fator que vem contribuindo para a robustez do modelo de desenvolvimento dos BRICS é a construção de uma narrativa favorável que consiste num mundo multipolar desprendido da influência do ocidente. Este tido de mensagem tem estado presente no discurso de muitos líderes africanos como o Presidente Sul Africano Cyril Ramaphosa que apelou a uma maior autonomia económica estratégia na cimeira dos BRICS em agosto deste ano (Isilow, 2023). Assim sendo, a ideia de que se desenvolvem com a ajuda de países, em primeiro lugar do Sul Global, e em segundo desprovidos de um passado histórico colonial, vem dar credibilidade ao projeto. Credibilidade que é facilmente absorvida pelo tecido social desses países em desenvolvimento. Neste momento o argumento é simples e facilmente observável nos discursos, o atraso político e social sentido nos países em desenvolvimento é fruto da influência ocidental, que canibalizou os recursos e comprometeu a política interna com o pretexto da promoção da democracia. Em termos de narrativas a questão de que as democracias atingem valores de desenvolvimento mais elevados está cada vez a ser mais posto em causa com o IDH a mostrar que países soberanos que não são propriamente conhecidos por serem democráticos, estão a atingir valores elevados, por exemplo Singapura e Qatar e EAU (Gapminder, 2020). Acrescentando, mesmo que não concordemos com os argumentos e encontremos falácias nos mesmos, a narrativa está robusta o suficiente, tanto no discurso dos lideres como no tecido social, assistimos assim a um apoio popular a lideres anti ocidente “In Niger, stadiums have been filled by supporters of the military government after its July 26 coup” (Adetayo, 2023). Algo que legitima o apoio expressivo ao novo modelo promovido pelos BRICS.

Concluindo, assisto à criação deste novo sistema como uma reação ao falhanço do sistema de desenvolvimento ocidental. O sistema até podia estar munido das melhores das intenções, das melhores ferramentas e objetivos, mas falhou no essencial, criar impacto direto e visível naquilo que é o desenvolvimento dos países e das populações. Desta forma, o sistema internacional através de determinados atores encontrou uma solução para o vazio operacional deixado pela obra incompleta do Ocidente. Mesmo que este novo modelo funcione como encobrimento a pretensões de expansão da área de influência de determinados atores internacionais, mesmo que as contrapartidas venham a desvendar-se num médio prazo, pois não pudemos ignorar os sinais dados, por exemplo na armadilha da divida chinesa, entre outros.  A narrativa está criada, e servirá de engajamento a políticas focadas num mundo cada vez mais multipolar e longe da área de influência do ocidente. Este próprio ocidente pode acusar os BRICS de intenções perversas encobertas pela ajuda sem contrapartidas, todavia o mesmo ocidente terá de se consciencializar de que foram as suas más políticas que deixaram um rasto de ineficiência que estes novos atores do sistema internacional vieram a tirar proveito, operacionalizando uma política alternativa.


25 de maio de 2024

Luís Filipe Ferreira Santos

* Este texto foi redigido e apresentado no âmbito da participação nos Colloquia Talks, organizados pelo CECRI, em abril de 2024.

** Luís Filipe Ferreira Santos é mestrando em Relações Internacionais – Estudos da Paz, Segurança e Desenvolvimento, na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.


Referências

Adetayo, O., 2023. Aljazeera. [Online] Available at: https://www.aljazeera.com/features/2023/9/1/season-of-putsch-why-have-coups-become-popular-in-africa [Accessed 26 november 2023].

Associates, D. S. &., 2023. Silk Road Briefing. [Online]  Available at: https://www.silkroadbriefing.com/news/2023/10/17/ten-years-of-chinas-belt-and-road-initiative-highlights-challenges-and-a-case-study/ [Accessed 24 november 2023].

Demekas, D. G., 2002. The economics of Post conflict aid , Washington, D.C.,USA: IMF.

Duarte, P., 2020. DE LISBOA A PEQUIM: Portugal na Faixa e Rota chinesa. s.l.:Instituto Internacional Macau.

Duffield, M., 2010. Risk-Management and the Fortified Aid Compound. December, p. 23.

DUFFIELD, M., 2010. The Liberal Way of Development and the Development–Security Impasse. February, p. 24.

Gapminder, 2020. Gapminder. [Online]  Available at: https://www.gapminder.org/tools/#$model$markers$bubble$encoding$y$data$concept=alternative_gdp_per_capita_ppp_wb&source=sg&space@=country&=time;;&scale$domain:null&zoomed:null&type:null;;&x$data$concept=hdi_human_development_index&source=sg&space@=country [Accessed 26 november 2023].

Gapminder, 2021. Gapminder. [Online]  Available at: https://www.gapminder.org/tools/#$model$markers$bubble$encoding$x$data$concept=hdi_human_development_index&source=sg&space@=country&=time;;&scale$domain:null&zoomed:null&type:null;;&frame$value=2021;;;;;&chart-type=bubbles&url=v1 [Accessed 23 november 2023].

Isilow, H., 2023. Anadolu Agency. [Online]  Available at: https://www.aa.com.tr/en/africa/south-african-president-calls-for-fundamental-reforms-in-global-financial-institutions-at-brics-summit/2973909 [Accessed 25 november 2023].

Li, R. C. a. X., 2016. The BRICS in International Development:The New Landscape, London: UK Government.


NOTA:

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