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Introdução

Se durante os primeiros anos, diante de um inimigo comum, a NATO pautou-se por uma coerência geral, as diversas transformações da ordem internacional reorientaram as prioridades estratégicas dos respetivos aliados.

Por um lado, na sequência dos eventos de 24 de fevereiro de 2022, os Estados membros europeus passaram a conferir máxima prioridade à ameaça securitária colocada pela Rússia de V. Putin. Por outro lado, o principal objetivo dos EUA é a contenção da China na região do Indo-Pacífico que, primeiro, se personifica através da questão do status quo de Taiwan, mas que, ulteriormente, representa questões tão fundamentais como o domínio das tecnologias decisivas para o futuro comum.

Posto isto, a unidade da NATO é uma questão em aberto. A fragmentação da NATO segundo uma lógica de persecução individual de objetivos é possível e afetará a UE de forma mais preponderante. No entanto, assim como o passado demonstra, a força das alianças depende do compromisso de cada uma das partes constitutivas às preocupações da respetiva contraparte. Também para os aliados, é conveniente atender ao grau de compromisso das partes às diferentes preocupações securitárias.

Taiwan, visto da Europa

A retórica de von der Leyen é esclarecedora. A fórmula de-risking, not de-coupling evidencia a impraticabilidade da desconexão da UE com a China. As ambições do de-risking, diversasdas do de-coupling, significam a manutenção de uma relação de base comercial e diplomática. O sucesso do conceito está na subtil harmonia entre o estabelecimento de uma posição intransigente perante as práticas coercivas chinesas e a asserção de que a China é um elemento indispensável do comércio internacional, que não é simplesmente possível ignorar. É importante equacionar que a dependência da UE do comércio livre e globalizado é maior do que a dos EUA. É neste sentido que, perante tendências de segurança económica, surge o apelo ao de-risking, not de-coupling. Em todo o caso, apesar de importantes diferenças entre economias e capacidades de subsidiação, a administração J. Biden também aderiu a esta fórmula.

No que respeita os líderes de facto da UE, assinala-se que, em novembro de 2023, o Ministério da Defesa da Alemanha emitiu um documento em que apresenta as novas diretrizes para a área da defesa. A direção e o conteúdo são claros e reafirmam a mudança de mentalidade pela qual a administração e as forças armadas alemãs passaram nos últimos anos. A Rússia é definida como o principal foco de atenção do rearmamento da Alemanha. As preocupações com a gestão de crises e a estabilização de conflitos na vizinhança passaram para segundo plano. As tensões no Indo-Pacífico também são mencionadas e, segundo consta, o objetivo chinês de reformulação da ordem internacional poderá entrar em conflito com os valores e os interesses alemães. Por si, esta preocupação legitima a operação de exercícios militares conjuntos na região, o que, em todo o caso, não significa um cenário concreto de intervenção militar da NATO.

Há pouco mais de um ano, o presidente francês E. Macron visitou a China. Durante essa visita, comunicou ao Les Echos que: “Le piège pour l’Europe serait qu’au moment où elle parvient à une clarification de sa position stratégique, elle soit prise dans un dérèglement du monde et des crises qui ne seraient pas les nôtres.” Estas declarações sugeriam que a Europa deveria posicionar-se como uma terceira via, alternativa às duas potencias internacionais. Conclusivamente, perante a situação de Taiwan, a neutralidade seria a posição de verdadeiro interesse estratégico. Estas declarações foram entendidas com animosidade por oficiais americanos, e, logo após as primeiras reações mediáticas, o porta-voz da embaixada francesa nos EUA viu-se na necessidade de esclarecer que a França e os EUA permanecem aliados centrais. Os comentários de E. Macron teriam sido alvo de interpretações excessivas.

Apesar de E. Macron ser um entusiasta da autonomia estratégica da UE, parece razoável concluir a existência de uma sensibilidade da UE perante o principal objetivo de política externa dos EUA. Esta conclusão é adicionalmente apoiada pela concordância com que, em 2022, os membros da NATO definiram a China como um systemic challenge. No entanto, é assinalável que a UE não partilha diretamente o tom bélico dos EUA. O objetivo da UE para a região é a manutenção da estabilidade e a progressiva redução de tensões.

Ucrânia, vista dos EUA

As convicções da política externa da administração J. Biden são essenciais para a unidade da NATO. De acordo com as possibilidades, a presidência de J. Biden sempre demonstrou um apoio forte e decidido à Ucrânia.

Apesar disso, a unidade da NATO não é um dado adquirido. As eleições americanas de novembro de 2024 podem provocar mudanças importantes no compromisso atlântico dos EUA. Caso D. Trump vença, a retórica antagonista retornará à Casa Branca e, com ela, o centro das preocupações americanas afunila-se na competição com a China, na questão da fronteira com o México e no apoio a Israel.

Em maio de 2023, D. Trump voltou a admitir a necessidade de repensar “o propósito e a missão da NATO”. A sua principal reclamação continua a ser a assimetria nas contribuições dos Estados europeus. Em entrevista, D. Trump refere: “You know what I’ll say? I’ll say this. I want Europe to put up more money … They think we’re a bunch of jerks. We’re spending $170 billion for faraway land, and they are right next door to that land and they’re in for 20. I don’t think so.

Robert O’Brien, ex-conselheiro de segurança nacional de D. Trump, também admitiu a possibilidade da imposição de tarifas comerciais em Estados membros da NATO que não cumpram a meta dos 2% do PIB em investimento para a defesa.

Estes dados sugerem que, para D. Trump, o problema com a NATO é de natureza financeira. De acordo com Joseph de Weck, investigador francês, é possível persuadir D. Trump a reconsiderar a relação com a NATO desde que se consiga convencê-lo de que essa relação é financeiramente lucrativa para os EUA. De resto, a lógica “good for bussiness” permeou uma série de manobras de política externa da presidência de D. Trump. A este respeito, é realmente curioso prestar atenção ao facto de que é D. Trump que concretiza a venda de armamento letal à Ucrânia em 2018.

Conclusão

A abordagem de E. Macron à China é parte do seu propósito de criar uma Europa forte. Em todo o caso, apesar da existência de uma sensibilidade, inclusivamente demonstrada pela recente escolha de Paris para a visita de Xi Jinping à Europa, a posição da França nos tópicos políticos essenciais da relação entre a UE e a China é explícita. Os reiterados apelos ao fim do apoio chinês à Rússia ou o alinhamento com as medidas relativas às práticas de distorção de mercado causadas pelos processos internos de subsidiação do governo da China são prova disso.

Ao invés, é o compromisso dos EUA com a NATO que surge como o desafio central à união e à estabilidade da respetiva aliança militar. Por um lado, a vitória de J. Biden sugere a manutenção do atual estado de coisas. Por outro lado, a possibilidade de uma presidência de D. Trump surge definitivamente como o principal motivo de preocupação. Ainda que partilhem objetivos comuns de política externa, entre os candidatos haverá uma enorme diferença no tom e no método. O que é muito importante em política.

De qualquer maneira, entre eleições e perigos renovados, o fim de década de 2020 será decisivo para a definição do nosso futuro comum.


10 de maio de 2024

André Craveiro
EuroDefense Jovem Portugal


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