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Introdução

A Ucrânia sempre desempenhou um papel importante na geopolítica mundial. Hoje, o país encontra-se envolvido na disputa entre as superpotências, conflito que originará uma nova ordem mundial.

Em 2014, a Ucrânia foi palco de um conflito onde a Rússia anexou a Crimeia e iniciou uma batalha contra os separatistas na região de Donbass. A conquista da Crimeia foi a primeira vez, desde a 2ª Guerra Mundial, que um Estado europeu foi anexado a um outro Estado. Mais de 14.000 pessoas morreram no conflito mais sangrento em solo europeu desde a Guerra dos Balcãs de 1990. As hostilidades marcam uma alteração no contexto securitário, onde passamos de um período de domínio unipolar dos EUA para uma competição renovada entre as principais superpotências.

A invasão russa da Ucrânia em fevereiro de 2022 é um marco nos nove anos de conflito e demonstra uma alteração significativa nas políticas de Segurança da União Europeia. Após 6 meses, muitos analistas descrevem a invasão como o maior erro estratégico realizado pelo Presidente Vladimir Putin e consideram ser uma decisão que coloca em causa a sua longa presidência.

A invasão alterou a ordem internacional e alterou a relação entre a Rússia e a União Europeia que perdurou durante 30 anos. Durante três décadas os pilares dessa relação assentaram na interdependência económica e energética. Agora, a Rússia representa a maior ameaça à paz e estabilidade da Europa onde todos os setores foram sujeitos a um aumento do nível de segurança. As sanções adotadas pela UE estão a quebrar quaisquer laços económicos com a Rússia. O afastamento europeu do óleo e gás russo termina com os cinquenta anos de relações e benefício mútuo no setor energético. Esta abordagem coloca o modelo económico russo sob pressão, empurrará o país para a Ásia e, consequentemente, uma aproximação com a China.

UE – Ucrânia

A Ucrânia era o pilar da União Soviética, o maior rival, depois da Rússia, dos EUA durante a Guerra Fria. Era o segundo mais populoso e com maior capacidade das 15 repúblicas soviéticas. A Ucrânia era tão importante que a separação de 1991 demonstrou ser catastrófica para a Rússia.

Nas três décadas de independência, a Ucrânia conseguiu criar o seu próprio caminho como estado soberano, enquanto procurava aproximar-se das instituições ocidentais (UE e NATO). No entanto, Kiev tem tido dificuldades em conseguir conciliar a sua Política Externa com a forte divisão no interior do país – predomínio nacionalista a Oeste, que apoia uma maior integração com a Europa, enquanto que a Este encontramos uma maior influência russa, que favorece uma aproximação com Moscovo.

Alguns analistas consideram a invasão russa como o culminar do crescente ressentimento por parte do Kremlin pela expansão da NATO em direção à esfera de influência da antiga URSS. Os líderes russos têm defendido que os EUA e a NATO têm violado as condições acordadas em 1990 e a não expansão da Aliança para o antigo bloco soviético.

O grande receio do Kremlin é a democracia, a liberdade e o Estado de Direito, que representa uma ameaça contra o regime autoritário da Rússia e pode terminar com a possibilidade de reconstrução da esfera de influência no leste europeu. O grande objetivo de Putin é, nas palavras da historiadora Anne Applebaum: “desestabilizar, provocar medo e fazer com que a democracia não prevaleça na Ucrânia enquanto a sua economia colapsa”.

Antes da invasão de 2022, os EUA apoiavam a necessidade de acabar com os conflitos na região de Donbass, nos termos do acordo de Minsk. Atualmente está determinado a restabelecer a integridade territorial e a soberania da Ucrânia. Não reconhece a anexação da Crimeia ou qualquer outra região anexada pela Rússia.

As forças ocidentais e os seus parceiros têm tomado diversas medidas para aumentar o apoio à Ucrânia e sancionar a Rússia. Os EUA já forneceram à Ucrânia 17 biliões de dólares em assistência militar, incluindo sistemas de rockets de última geração e sistemas de mísseis, helicópteros e drones com capacidade letal. Diversos aliados da NATO também têm reunido esforços para poder contribuir de forma semelhante.

Entretanto, as sanções contra a Rússia têm aumentado, atingindo os setores financeiro, energético, defesa e tecnológico, bem como os respetivos oligarcas e outros indivíduos.

A invasão também teve consequências no tão esperado gasoduto “Nord Stream 2”, depois da Alemanha ter suspendido o processo de certificação. Muitos críticos americanos e ucranianos estavam contra a construção do gasoduto, alegando que possibilitaria à Rússia ter maior capacidade política sobre a Ucrânia e sobre o mercado europeu. Em resposta, a Rússia suspendeu, indefinidamente, as operações no gasoduto “Nord Stream 1”, que fornece o mercado europeu com 1/3 das suas necessidades.

A unidade dentro da União Europeia tem sido excecional na aplicação de sanções à Rússia. Os declínios nas relações económicas decresceram de forma acentuada. Devido às sanções, a Alemanha reduziu em 34% as exportações para Moscovo no primeiro semestre de 2022, o seu maior parceiro dentro da União Europeia, comparativamente ao período homólogo de 2021. A Rússia caiu de 14º para 25º lugar em termos de destinatários da exportação alemã, após anos de conflito acerca da construção do gasoduto “Nord Stream 2” que liga a Rússia e a Alemanha no Mar Báltico. A Alemanha suspendeu o seu processo de certificação como retaliação à invasão da Ucrânia. Consequentemente, a Alemanha foi obrigada a procurar alternativas, beneficiando países como o Médio Oriente, Noruega e Estados Unidos da América, em particular por Gás Natural Liquefeito (GNL).

A Guerra demonstra que a Europa necessita de estratégias a curto, médio e longo-prazo para lidar com a Rússia de forma a afetar a sua capacidade de intervir nos países vizinhos. Esta alteração geopolítica era necessariamente inevitável, não fosse a principal razão da guerra a perceção da Rússia face à expansão da NATO e da União Europeia para a sua zona de influência.

Apesar de alguma discordância e contradições na UE, a política face aos países vizinhos e medidas de soft power começaram a produzir resultados dentro da sociedade. Em contraste, a elite russa apenas conseguiu recorrer ao hard power numa tentativa desesperada de conseguir evitar a perda de influência na Ucrânia. Torna-se evidente que o uso da força para subjugar outro país é a “arma” que está a diminuir a capacidade de Moscovo projetar o seu poder e tem aumentado a capacidade europeia em manter a unidade.

É necessário reforçar a união que tem sido desenvolvida dentro da UE como forma de rejeitar a agressão russa, e devem ser implementadas medidas para fazer face a uma nova relação com a Rússia. Primeiro, é importante que a UE desenvolva uma Política Externa considerando que a UE se tornou um ator geopolítico com relevância no domínio regional, e a Rússia representa a maior ameaça contra os estados-membros. Segundo, a UE deve implementar políticas eficazes para a integração de países do leste europeu. Terceiro, a UE deve criar novas políticas relativamente a Moscovo, o que demonstra ser uma tarefa complicada com o regime atual.

O Futuro das Relações UE-Rússia

Com o atual regime em Moscovo não existe possibilidade de entendimento. As relações com a Rússia apenas serão retomadas com uma alteração significativa do regime. Desde o início da guerra que a Rússia se tem tornado mais fechada e mais repressiva da sociedade e da oposição. Uma derrota na Ucrânia significaria uma grande humilhação, no entanto, não há qualquer garantia de que isso levaria a uma alteração de liderança ou de regime.

A integração da Geórgia, Moldávia e Ucrânia na União Europeia demonstra ser determinante para evidenciar exemplos de sucesso na transformação, democratização e reforma pós-soviética. Não só teria um “efeito em cadeia” como também é crucial para a alteração do autoritarismo na Rússia. A vitória da Ucrânia representaria a sua integração na UE, que teria um forte impacto na Rússia – demonstra que existe alternativa ao autoritarismo e confirmava que a democratização e reformas estruturais podem acontecer nos países que pertenciam à antiga União Soviética.

Para além da guerra na Ucrânia, os Estados-Membros precisam de uma estratégia nova face à Rússia. A longo-prazo é fundamental tornar os Estados-Membros e a respetiva sociedade resiliente contra a influência russa. A médio e a curto prazo precisamos de maior coordenação entre estados e um reforço na proteção contra a desinformação e ataques híbridos, dissuasão militar, económica e energética de forma a reduzir as vulnerabilidades existentes.

A liderança alemã deve ser substituída, isto porque deu provas no passado de não ser eficiente e suficientemente autónoma devido à forte dependência energética da Rússia. Exige-se maior equilíbrio entre os Estados-Membros com maior capacidade e os mais pequenos, isto porque estados como a França ou a Alemanha não podem determinar a política da União Europeia face à Rússia pelas razões já enumeradas. Estes estados com maior capacidade devem ainda distanciar-se das políticas energéticas russas para afirmar a sua autonomia.

A UE tem de demonstrar maior ambição se quer ser um ator internacional relevante. No entanto, a tarefa demonstra ser lenta em parte devido aos fortes laços históricos entre alguns Estados-Membros e a Rússia. Concomitantemente, o afastamento progressivo do mercado energético e económico russo facilita uma política comum face a Moscovo. Assim, a UE deve ser capaz de coordenar as políticas europeias face à Rússia enquanto mantém as relações próximas com Washington e o leste europeu.

Conclusão

Se a Rússia fosse uma democracia, a Segurança da Europa e as relações com a UE seriam diferentes. É necessário implementar uma estratégia para que a União consiga demonstrar à sociedade russa que existe a possibilidade de viver em liberdade na Rússia, caso esta sofra uma transformação muito acentuada. Para isso acontecer é necessário que a Ucrânia consiga declarar vitória.

O autoritarismo e o imperialismo não são suficientes para manter a sociedade oprimida, e não é uma opção a longo-prazo. A única solução que poderia ter efeitos benéficos a longo-prazo seria a democracia.

A guerra na Ucrânia e a política de Segurança de Putin tornam evidente que é impossível querer dialogar com Moscovo para fortalecer a Segurança na Europa. O Kremlin tem demonstrado que o autoritarismo é a maior ameaça contra a Paz e a Segurança europeia. Assim, o principal objetivo do Ocidente na guerra é garantir que Moscovo não tem a capacidade nem a vontade de invadir países na europa.

Para alcançar este objetivo são necessárias transformações e a alteração do regime russo para uma democracia. Apenas uma democracia deixará de representar uma ameaça contra a Ucrânia e contra a segurança regional. As restantes alternativas apenas solucionam o problema de forma temporária.

Devemos relembrar que, após a Segunda Guerra Mundial, a maioria dos cidadãos da Alemanha Nazi e do Japão Imperial apoiavam o plano hitleriano de expandir para o Ocidente, celebraram a ocupação de Paris, apoiaram a expansão japonesa para o Pacifico e China, e aplaudiram as Forças Armadas do Japão pelo ataque a Pearl Harbor. No entanto, depois das derrotas da Alemanha e do Japão, hoje os cidadãos desses mesmos países estão satisfeitos com a resiliência e a estabilidade democrática que vivem. Estão bastante contentes com a “imposição” democrática e com a garantia de que o nazismo e o imperialismo deixaram de representar uma ameaça.

De forma semelhante, o Ocidente deve entender que a única solução para a Segurança e estabilidade europeia passa pela democratização da Rússia que deve ser precedida de uma derrota definitiva na Ucrânia.

A estratégia europeia para a cooperação com a Rússia democrata deve assentar em quatro pontos essenciais: Primeiro, deve ser comprovada a implementação das instituições democráticas na Rússia, nomeadamente: Estado de Direito, transparência, separação de poderes e o respeito pelos Direitos Humanos. Segundo, a Rússia democrata deve respeitar as regras do Direito Internacional, terminando com as constantes invasões nos países vizinhos. Terceiro, a Rússia tem de comprometer-se em acabar com manobras híbridas na sociedade ocidental e as operações de desinformação. Quarto, a Rússia deve retirar as suas tropas do território ucraniano e terminar com a guerra, assumindo a reconstituição e a não interferência nos assuntos internos da Ucrânia.

Em suma, a Federação Russa deve reinventar-se, assim como fez a Alemanha e o Japão, mas também o Reino Unido, com Margaret Thatcher, depois de 1979, o Chile, depois do ditador Augusto Pinochet e Espanha, após a ditadura de Francisco Franco.


30 de março de 2023

Jorge Rafael Costa Silva
EuroDefense Jovem Portugal


Bibliografia

Masters, J. (2022) Ukraine Conflict at the Crossroads of Europe and Russia, Wilfried Martens Centre for European Studies

Meister, S. (2022) A Paradigm Shift: EU-Russia Relations After the War in Ukraine, Carnegie Europe

Kubilius. A., Milov, V., Freudenstein, R., Guriev, S. (2022) The Eu’s Relations with a Future Democratic Russia. Wilfried Martens Center for European Studies


NOTA:

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