Os jogos de guerra, ou, na expressão em língua inglesa, wargaming, foram desenvolvidos, originalmente na Prússia, como uma ferramenta destinada a ensinar aspetos táticos, operacionais ou estratégicos da arte da guerra a militares profissionais, para aprimorar as capacidades de tomada de decisões ao antecipar cenários de conflito. Esta ferramenta pode, no entanto, ser aplicada ao incrementar da resiliência das instituições e das sociedades democráticas às ameaças que lhes são colocadas por atores externos (estatais ou não) que recorram a estratégias de guerra híbrida.
Num contexto internacional onde o emprego de hybrid warfare é comum, os jogos de guerra surgem como uma oportunidade de reunir especialistas de várias áreas para simular respostas a crises de modo a identificar e colmatar lacunas. No caso, a simulação iria focar-se numa panóplia de estratégias híbridas utilizadas por atores externos adversários — tais como os ciberataques, ou ataques a infraestruturas, ou simplesmente a interferência em processos políticos internos das democracias, ou a manipulação do discurso da opinião pública. Todas as estratégias, em suma, cujo propósito seja o desgaste dos adversários, mas sem escalar para uma guerra aberta. Ou seja, dito resumidamente, trata-se de antecipar ameaças e estabelecer ou reformular os métodos de resposta a essas ameaças.
Assim, os jogos de guerra expandem o seu âmbito para lá das Forças Armadas ao incluir a sociedade civil mais diretamente na política de defesa — uma abordagem que parece cada vez mais relevante numa época em que a conflitualidade não se restringe aos campos de batalha tradicionais. É neste sentido que, no contexto da União Europeia, por exemplo, surgem iniciativas como o EU-HYBNET, projeto que organiza jogos de guerra com presença de atores civis.
Por outro lado, os exercícios de wargaming poderão também revestir-se de um propósito mais pedagógico, num sentido mais amplo: ao organizar-se simulações, ainda que mais simplificadas, para estudantes universitários de áreas não relacionadas com as Relações Internacionais ou as Forças Armadas — ou mesmo até para estudantes do ensino secundário. Tendo em conta que temas como a manipulação do discurso, os ciberataques, e as ameaças híbridas em geral (bem como as estratégias de preparação e resposta a cenários de crise) são mais relevantes hoje em dia, uma abordagem mais lúdica do que teórica da consciencialização da sociedade civil para esta temática seria importante, a começar pelas camadas mais jovens.
Projetos neste sentido inserir-se-iam, portanto, numa lógica de preparação dos cidadãos dos Estados democráticos a uma série de possíveis crises. Dito de outro modo, até mesmo versões mais acessíveis de uma simulação de jogos de guerra poderão ter um papel no incrementar a resiliência social, tanto a nível de cada indivíduo como em termos de community-level resilience; o que, por sua vez, contribuiria para facilitar a ação das autoridades num cenário real de crise.
Em conclusão, o recurso aos jogos de guerra é, e pode continuar a ser, utilizados para a constante reavaliação de mecanismos de resposta a situações de crise passíveis de ter lugar e de, tendo em conta o contexto internacional atual, pôr em causa a segurança dos Estados democráticos. O wargaming pode, também, ser um instrumento para partilha de “know-how” entre especialistas de diversas áreas no sentido de criar esses mecanismos de resposta, bem como de explorar as lacunas dos mesmos. Por fim, os jogos de guerra poderiam servir de mote a iniciativas de consciencialização da sociedade civil para os mecanismos de resposta e para as ameaças que justificaram a conceção destes últimos.
Lisboa, 08 de outubro de 2025
Daniel Tielas
EuroDefense-Jovem Portugal
Referências Bibliográficas:
RAND Corporation. (2025). Building societal resilience through wargaming. https://www.rand.org/pubs/commentary/2025/04/building-societal-resilience-through-wargaming.html
Hybrid Centre of Excellence. (2021). The landscape of hybrid threats: Conceptual framework (Shortened version). Publications Office of the European Union. https://www.hybridcoe.fi/wp-content/uploads/2021/02/conceptual_framework-reference-version-shortened-good_cover_-_publication_office.pdf
European Parliament. (2021). Best practices in the whole-of-society approach in countering hybrid threats (Study). https://www.europarl.europa.eu/RegData/etudes/STUD/2021/653632/EXPO_STU(2021)653632_EN.pdf
Wargaming. (s.d.). RAND Corporation. https://www.rand.org/topics/wargaming.html