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Enquanto soldados se enfrentam nas trincheiras ucranianas, se discute a necessidade de aumentar a autonomia estratégica europeia e os líderes europeus anunciam planos para o aumento de capacidades securitárias e de defesa, existem “ações invisíveis” que afetam diariamente a comunidade europeia, comprometendo a sua soberania dia após dia. Das mesmas destacam-se, no domínio da cibersegurança, os sistemas de “GPS” (Global Positioning System),instrumento de dependência generalizada, seja no meio civil ou militar. Indispensável para o funcionamento ordenado do mundo contemporâneo, o que seria da humanidade se o mesmo simplesmente deixasse de funcionar? Estará a União Europeia ciente da sua essencialidade?

Esta infraestrutura crítica tem sido alvo de discussões recentes, particularmente desde o incidente que ocorreu no dia 31 de agosto, quando o avião onde se encontrava a Presidente da Comissão Europeia Ursula Von der Leyen, devido a uma suposta interferência externa, sofreu uma falha súbita do seu sistema GPS ao aproximar-se do Aeroporto de Plovdiv, na Bulgária, sendo forçado a manobrar em círculos por uma hora antes de pousar utilizando sistemas de navegação analógicos. Segundo as autoridades Búlgaras, tratou-se de uma interferência russa. A Presidente da Comissão não é a primeira figura europeia a ser alvo destas interferências, o Kremlin é também considerado suspeito de bloquear o sinal GPS de um avião onde se encontrava o ex-Secretário de Estado para a Defesa do Reino Unido, Grant Shapps, em 2024, na Polónia. Diversos militares e especialistas em cibersegurança defendem que estas possíveis ações russas são injustificáveis e devem ser punidas. Em resposta, Moscovo tem vindo a negar o seu envolvimento nestes episódios.

A relevância destas interferências é indiscutível. Em maio, a União Europeia publicou uma comunicação elaborada com base nas informações e testemunhos de 8 Estados-Membros, descrevendo estes acidentes enquanto ““not random incidents but a systemic, deliberate action by Russia and Belarus”. Simultaneamente, Bruxelas vem impondo sanções a empresas e indivíduos associados a bloqueios de sinal GPS do Sistema de Navegação Europeu “Galileo”, sendo que o mesmo, em julho deste ano, anunciou novas tecnologias “anti-spoofing”, na ambição de reduzir e prevenir este tipo de acontecimentos. De forma semelhante, diversos Estados-Membros, como a Polónia, vêm investindo no domínio da cibersegurança de modo a intensificar as suas capacidades de resposta e prevenção aos bloqueios de sinal GPS.

Do mesmo modo, o Secretário-Geral da NATO, Mark Rutte, após o incidente envolvendo Ursula Von der Leyen, afirma que esse bloqueio está integrado numa complexa campanha de “Ameaças Híbridas” russas, onde se inserem eventos como o corte de cabos submarinos no Mar Báltico e o ataque cibernético ao sistema nacional de saúde britânico. Perante este mais recente acontecimento, Rutte sublinha: “I can assure you that we are working day and night to counter this, to prevent it, and to make sure that they will not do it again.”.

Contudo, estará a Europa pronta para evitar novos bloqueios e interferências GPS e os seus potenciais efeitos catastróficos? De que modo está a União Europeia a lidar com esta realidade? A realidade apresenta-se um pouco distante daquilo que seria expectado. Atualmente, a área de ação do domínio cibernético é guiada pela “EU’s Cibersecurity Strategy”, publicada em 2020, dois anos antes do início da invasão em larga-escala na Ucrânia. Refletindo sobre todos os avanços tecnológicos, não apenas no domínio da tecnologia militar em si, mas inclusivamente no domínio da inteligência militar e de domínios como a cibernética que o conflito no Leste Europeu vem dando origem, parece plausível que é necessária uma atualização e/ou construção de uma nova estratégia de combate à guerra cibernética na Europa. A tecnologia avança, as ameaças aumentam e intensificam-se, a Europa não pode estagnar. Se a “Cibersecurity is na integral part of Europeans’ security”, como referido na estratégia de 2020, é simultaneamente responsabilidade da União – e seus Estados-Membros – de garantir essa mesma segurança.

A Estratégia propõe três princípios-guia para a condução das ações da UE neste domínio, sendo as mesmas: 1) resiliência, soberania tecnológica e liderança; 2) desenvolvimento de capacidade operacional para prevenção, dissuasão e resposta; e 3) fomento de um ciberespaço global e aberto. Contudo, após os acontecimentos recentes é plausível de se questionar: Estará a União a ser capaz de cumprir integralmente estes compromissos?

Apesar desta instabilidade e dúvida aquando da atuação europeia, permanece relevante sublinhar que existem extensas iniciativas e projetos sobre a segurança no ciberespaço inseridos na Política Comum de Segurança e Defesa (PCSD) da União. Contudo, o foco nos sistemas GPS, aos quais damos por garantidos, parece ser reduzido. No âmbito da PESCO, os projetos existentes relacionados a esta tecnologia focalizam-se na construção de capacidades de navegação militar e funcionamento de sistemas vitais em caso de rutura de sinal GPS, mas não na prevenção e bloqueio de interferências externas ao mesmo.

Os recentes episódios de bloqueios e interferências no sinal GPS expõem de forma incontornável a vulnerabilidade europeia a ataques nesta infraestrutura crítica, revelando que a dependência tecnológica, e acima de tudo, a incapacidade de prevenir estes ataques, pode transformar-se numa ameaça à própria soberania europeia. Se a União Europeia pretende blindar-se de interferências externas em sistemas de GPS, precisa não apenas de atualizar a sua Estratégia à luz das ameaças contemporâneas, mas simultaneamente investir na sua resiliência cibernética. O caso da Presidente Von der Leyen deve ser entendido como um sinal de alerta: a segurança europeia não se baseia apenas em matéria de segurança e defesa convencionais, é imperativo agir com uma visão preventiva para o domínio da cibernética, inclusivamente para o Sistema Europeu de GPS Galileo.

Lisboa, 10 de setembro de 2025

Francisco Carvalho

EuroDefense-Jovem Portugal

Khalaf, R. (2025, September 02). Russia’s reckless jamming of GPS systems. Financial Times. https://www.ft.com/content/0da88c58-6427-4feb-80d9-0718a7b7f141

Council of the European Union. (2025). AOB for the meeting of the Transport, Telecommunications and Energy Council on 6 June 2025: Call for common actions in response to Global Satellite Navigation Systems jamming and spoofing threats. (Nr. 9198/25). https://data.consilium.europa.eu/doc/document/ST-9198-2025-INIT/en/pdf

Mcneil, S. (2025, September 02). NATO says it is working to counter Russia’s GPS jamming after interference with EU leader’s plane. AP News. https://apnews.com/article/europe-security-russia-gps-jamming-nato-rutte-6efed7d030da19a51dfacec39ed77325

European Commission. (2020). The EU’s Cybersecurity Strategy for the Digital Decade. https://digital-strategy.ec.europa.eu/en/library/eus-cybersecurity-strategy-digital-decade-0

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Confrontos Invisíveis: Interferências Externas no Sistema GPS Europeu

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