1ª Sessão
De modo a compreender o conceito de ameaças híbridas, é necessária a distinção entre conceitos elementares – ameaça, risco e desafio -, a assimilação da evolução histórica do entendimento polemológico no Sistema Internacional e o reconhecimento das diferentes interpretações do conceito.
Primeiramente, para identificar uma ameaça, é necessária a presença de intenção e capacidade. No caso da guerra entre a Rússia e a Ucrânia, por exemplo, é possível associar facilmente o conceito de ameaça à postura russa, dada a sua intenção explícita de invasão e a sua capacidade militar para tal. Um risco, por outro lado, está associado a um grau de incerteza relativa à probabilidade de materialização do risco iminente. Já os desafios são conceptualizados enquanto cenários de possível perspetivação, que podem ser condicionados através de ações. As alterações climáticas são uma questão que se insere neste último conceito.
Através de uma análise histórica, reconhecemos facilmente que o Mundo está em constante mudança. Se antes víamos a guerra como uma relação de causa-efeito, na qual os Estados eram os atores centrais e os principais objetivos eram a destruição e/ou desmoralização do inimigo, a evolução do Sistema Internacional veio tornar tal conceção incompleta. Surge, na Escola de Copenhaga, o conceito de Segurança Humana, que coloca o indivíduo no centro da ideia de segurança, em detrimento do Estado, alargando também a lista de possíveis ameaças. Tal noção traz consigo novos métodos interpretativos, substituindo-se a lógica de causa-efeito por uma lente através da qual se observa a sociedade enquanto sistema complexo e adaptativo, no qual diversas variantes interdependentes interagem. Consequentemente, surge, no âmbito do espectro da guerra, uma “zona cinzenta”, na qual se inserem as ameaças híbridas.
A conceção de ameaças híbridas, contudo, é vítima de uma divergência interpretativa: as visões ocidental e russa diferem, originando um dos problemas que hoje vivemos no Sistema Internacional, relativo à falta de sintonia entre o Ocidente e o Oriente.
Por um lado, o Ocidente insere este conceito, de forma clara, numa zona cinzenta do espectro da guerra. De acordo com esta visão, os conflitos híbridos não recorrem a meios meramente convencionais, nem apenas subversivos, sendo colocados acima do nível da competição, mas abaixo do nível de conflito.
Em contraste, as características intrínsecas à Política Externa russa comportam uma incompatibilidade relativa à definição do conceito de ameaças híbridas. De acordo com o pensamento russo, que se opõe à ideia de um Sistema Internacional unipolar e ao alargamento da NATO, o conceito de ação estratégica em situações de conflito híbrido passa pelo estado de conflito permanente e na diluição dos limites entre paz e guerra. Assim sendo, o conceito de conflito híbrido constitui, aos olhos da Rússia, um novo tipo de Guerra, que, ao contrário das guerras convencionais – consideradas extintas desde a Guerra do Golfo -, emprega todos os meios, mas não exclui os convencionais, pelo que o conceito não pode ser colocado numa “zona cinzenta”, tal como é feito pelo pensamento ocidental.
Apesar das divergências acima enunciadas, é possível, de qualquer das formas, observar uma clara transição da primazia militar para a informacional. Atualmente, as guerras são observadas, em tempo real, nos meios de comunicação social, pelo que, quer se coloque a noção de conflito híbrido numa “zona cinzenta” ou se crie um paralelismo entre esta e os meios convencionais militares, o reconhecimento da primazia informacional é facilmente generalizável.
2ª Sessão
No âmbito do estudo da energia – este que é dividido em quatro pontos fulcrais – ficam implicados interesses que abrangem desde a geopolítica ao domínio do ciberespaço. Nesta análise, será dado mais enfoque ao espaço cibernético (como as suas vulnerabilidades, riscos e defesas), além da própria explicação do processo energético e sua correlação ao mundo virtual.
O setor da energia possui quatro pontos importantes na sua cadeia de valores, cada um com a sua finalidade e importância, além de consequências de gravidades distintas em caso de ataques. São estas:
a) Produção: o primeiro ponto da cadeia de valor, completamente controlado por sistemas de informação, o que garante que possa estar sendo atacada por meio do espaço virtual. Entretanto, devido aos vários produtores existentes no mercado, o ataque a um destes não seria suficiente para um blackout, situação mais grave que poderia se acontecer, mas haveria uma deficiência na prestação deste serviço.
É importante notar que é necessário (e existe por via de regra, em situações normais) um equilíbrio entre o consumo e a produção. Uma maior demanda pode gerar um blackout, assim como um sub-uso da produção pode causar problemas aos sistemas de rede que controlam a produção.
b) Transporte pela Rede Elétrica Nacional (REN): é aqui que se encontra o maior risco de um blackout em caso de ataques, e, portanto, aqui se configura a espinha dorsal dos sistemas de energia [da Europa].
c) Distribuição: aqui, em caso de ataques a grandes centros de distribuição, podem-se verificar problemas em grandes áreas geográficas.
d) Comercial: aqui há a questão das transações comerciais, e entra no âmbito financeiro;
Todo o ecossistema que dá forma ao setor da energia é complexo e interconectado, o que torna mais vulnerável a segurança e defesa nacional de um Estado, já que o ataque em determinada área geográfica pode gerar consequências noutra.
Além da interdependência do ecossistema, existe uma complexidade quanto à criação de um software. Esta é uma área de conhecimento que se expande todos os dias, e, portanto, surgem regularmente vulnerabilidades involuntárias. Este problema pode vir a um dia ser resolvido pela inteligência artificial em que as próprias máquinas (menor margem para erros) produzam um software para estes sistemas de rede.
Como exemplo, inicialmente, os sistemas que hoje compõem a vida quotidiana hodierna, foram criados sob objetivos militares e académicos, o que se resume a um ambiente restrito e pequeno, especificamente para a troca de informação. Isto implica que não foram pensadas considerando o fator de segurança, justamente porque não haviam concebido a ideia do mundo conectado hoje (havendo aqui esta inversão de valores, em que presentemente já não se imagina o mundo sem estas tecnologias). O problema que se dá aqui, e apresenta uma grande vulnerabilidade é a presença destes sistemas primordiais, chamados de legados, que continuam presentes no controlo de sistemas de serviços essenciais.
Existem ainda perigos que se dão pela falta de urgência que existem nas ameaças cibernéticas em comparação às ameaças no mundo físico e que são por muitos também acelerados pelos fatores de possibilidade maior de anonimidade, a manipulação da informação disponível e a facilidade de entrada e uso.
O que ainda se mistura ao contexto das empresas e cultural, que podem se diferenciar entre as mais diversas destes dois âmbitos, e causar mais vulnerabilidades devido ao costume e conhecimento quanto à segurança virtual, o que é também possível de se notar pelas diferenças entre gerações.
A pensar em um ponto mais técnico que traz vulnerabilidades, se tem a ligação entre as redes IT e OT. A rede OT, que se faz mais presente em infraestruturas críticas, possuem máquinas que apesar de mais duradouras são mais vulneráveis, justo porque precisam de alguma instantaneidade para causar diferenças no mundo físico (e foi com isto em mente, que se utilizou da obscuridade por muito tempo para a segurança destas máquinas, o que vem sido reduzido com o acesso facilitado pela informação devido a internet), enquanto a rede IT é muito mais carregada de informações, e por isso torna-se mais difícil a recuperação destas informações em caso de ataques (como por exemplo um ransomware).
Com a comunicação presente entre estas duas redes, ainda que não seja atualmente de forma intensa, a rede IT torna-se mais vulnerável, e é nesta que se encontram os dados pessoais e arquivos que podem ser confidenciais.
São vulnerabilidades como estas e outras (que podem ser tanto voluntárias, como os backdoors ou involuntárias como explicitadas anteriormente, além de processuais, que se relacionam com a ideia das credenciais daqueles envolvidos no processo), que fazem valer a necessidade de um redesign dos parâmetros de segurança do ciberespaço.
O poder que pode ser obtido no espaço cibernético é assimétrico, e depende muito mais do conhecimento do que dos recursos disponíveis. E é também com esta consideração que se discute a possibilidade de o ciberespaço ser um comum global, como é o caso, por exemplo, das águas profundas, como é, também, definido pelo Direito do Mar (característica importante, que o próprio ciberespaço não dispõe), havendo argumentos que fortalecem ambos os lados. A ideia que se tem aqui, em adição é que contrariamente, por exemplo, ao que configura o direito do mar, o ciberespaço possui poucas leis e regras para a sua regulamentação, e a inda nestas existe a possibilidade de omissão e anonimidade, o que facilita os crimes realizados, o que garante um poder assimétrico entre os indivíduos que o utilizam.
Os instrumentos de poder do ciberespaço podem garantir influência no próprio, ou no mundo convencional físico, entretanto, ainda não há grandes casos de casos graves de uso do poder garantido pelo poder do ciberespaço, no mundo convencional físico, enquanto em teoria seja possível (e era o expectável para a época que vivemos). Este não é o único, havendo também o uso do mundo convencional para influenciar o mundo virtual (assim como fora dele), o que prova mais uma vez, o quão interligados estão os dois mundos atualmente.
Considerando por fim as ameaças híbridas, que estão muito presentes nos conflitos modernos, e que se caracterizam por atuações que variam entre o convencional e o da energia, por exemplo, há a possibilidade de criação de um caos social que pode atuar em conjunto com outros objetivos. E hoje, pela grande dependência da sociedade na tecnologia, todos esses setores podem estar, inerentemente, conectados à questão do ciberespaço.
E então, como conclusão, no mundo do ciberespaço, por muito que as forças de defesas nacionais se mobilizem e se mostrem eficazes em seu papel, não se mostra suficiente. Aqui fica sob maior responsabilidade das empresas prestadoras de serviços essenciais (dependentes das tecnologias) não fizerem suas próprias seguranças (o que as tornam fundamentais, como reconhecido por diversas organizações ao redor do mundo, para a defesa da soberania nacional).
3ª Sessão
A terceira sessão sobre as ameaças híbridas, dirigida pelo Doutor José Pereira, teve como mote a informação enquanto ameaça híbrida. Nesse sentido, foi colocada, logo numa fase inicial, a questão de se devemos, de facto, confiar em tudo o que vemos. É importante salientar a relevância e pertinência deste tema, especialmente considerando o momento histórico que vivemos marcado pelo escalar de conflitos no palco europeu, nomeadamente entre a Rússia e Ucrânia, cujas repercussões já são sentidas por toda a Europa. Neste momento o recurso aos meios de comunicação social é crucial, isto porque a informação é, mais do que nunca, uma ferramenta de Guerra Híbrida.
‘’A verdade é o Santo Graal da comunicação social sempre procurada, mas dificilmente encontrada.’’
Esta apresentação foi seguida por três vídeos introdutórios que permitiram uma maior compreensão do tema e análise do quão evoluída está a dinâmica tecnológica dos meios de comunicação social. Atualmente, já existe inteligência artificial, de hipermodels, capazes de reproduzir emoções humanas onde tudo parece real. O deep fake já foi utilizado noutras situações, que não lúdicas, para simular situações que na realidade não aconteceram. Isto gera e traz à tona uma nova problemática que devido à evolução tecnológica tem sido fortemente instigada. Um exemplo meramente ilustrativo, mas pertinente na compreensão desta dinâmica, é o filme Wag the Dog (Manobras na Casa Branca) que apesar de remeter para 1997, mostra o quão ténue é a verdade que chega às pessoas através da comunicação social.
O fabrico de uma Guerra que nunca existiu através dos media: No filme ‘’Manobras na Casa Branca’’, O presidente dos EUA é flagrado num escândalo sexual alguns dias antes das eleições. Para evitar a explosão da media e a indignação pública, Conrad Bean, o seu assessor, constrói uma guerra falsa contra a Albânia.
Ao passo que a Guerra convencional é marcada por duas vertentes essenciais (militar e diplomática) e primariamente centrada na segurança do estado, com a Guerra híbrida, um novo paradigma é assumido: a segurança é centrada nas pessoas.
Primeiramente, é importante ressaltar que o termo ‘’Guerra Híbrida’’ é recente e surgiu através de uma tese de mestrado publicada em Junho de 2002. Esta expressão foi usada, pela primeira vez, para caracterizar a Guerra na Chechénia (tida como base da investigação), onde William Nemeth expôs que existe uma série de conclusões que se tiraram com base numa vasta análise ao teatro de operações, tendo estas cariz histórico, religioso, político, social, económico e militar.
As conclusões tiradas por W. Nemeth e que nos permitem conceptualizar o conceito de Guerra Híbrida, são, de uma forma simplificada, as seguintes:
a) As sociedades híbridas parecem anárquicas e injustas quando vistas através de lentes ocidentais ou modernas;
b) A guerra e o alto nível de violência interpessoal são aceites como normais da maioria das sociedades híbridas;
c) As sociedades híbridas usam as instituições estatais e tecnologia moderna conforme as suas necessidades.
d) A organização e a doutrina militar refletem o nível de desenvolvimento sociopolítico e as normas sociais predominantes.
e) Os pontos fortes das forças híbridas são: ideias, indivíduos, líder carismático, absorção da violência, forte crença na causa e tática.
f) As forças híbridas podem incorporar sistemas tecnologicamente avançados e usá-los para além do que está previsto.
g) A assimetria em combate é um reflexo de normas sociais, aceitação de normas internacionais e diferentes estilos de combate.
h) As normas existentes nos Estados ocidentais são estranhas às sociedades híbridas e dificultam as ações diplomáticas.
i) Este novo paradigma prevê que a guerra se torne cada vez mais focada entre Estados e não Estados.
j) Os escalões de comando mais elevados devem ser achatados, aproveitando a vantagem computação, comunicação e gestão.
k) Deve-se reconhecer que cada conflito com uma sociedade híbrida é único.
l) A estrutura e a doutrina da força da vista são orientadas para longe do modelo tradicional, reavaliando papel e os meios de apoio de fogo.
m) O treino atual deve tornar-se mais realista e variado, apto para guerra e forças que o outro lutam juntas que devem treinar juntas.
A Guerra híbrida é marcada pela guerra económica e guerra de informação/propaganda ( onde se insere o papel da comunicação social, social media e cibersegurança). Esta pode ser lida como o cruzar da guerra convencional (marcada por conflitos interestatais e forças regulares) e guerra irregular (marcada pela defesa interna, terrorismo, contraterrorismo, não convencional, contra insurgência e operações de estabilização).
A cibersegurança está subjacente à guerra eletrónica. Neste sentido, falamos de que forma é que equipamentos de informação como hardware, comunicações e satélites são cumpridos ou violados? O interface soft power estabelece-se no quadrante da entre guerra, paz, amigo e inimigo e estabelece-se no contexto de segurança externa do conflito entre Estados. Assim, é aqui que a informação é usada como ameaça dirigida aos hearts and souls dos seus alvos. A desinformação refere-se ao uso deliberado de informações falsas com a intenção de influenciar a opinião pública.
Um exemplo prático e verídico é a propagação de informação anti-vacina nos Estados Unidos da América, país com cerca de 329.5 milhões de habitantes. Um estudo feito em março de 2021 e conduzido pelo Center for Countering Digital Hate, concluiu que de 812 mil publicações, 65% da desinformação surgiu de declarações de apenas 12 pessoas. Esta é uma demonstração da forma como as redes sociais, por exemplo, têm o poder de alavancar e conceder proporções enormes às mais diversas temáticas independentemente dos autores das mesmas.
Fake News ou notícias falsas são um fenómeno cada vez mais frequente, através das plataformas online. Devido à facilidade e velocidade com que é possível veicular desinformação (seja inocente ou premeditado), estas tomam proporções enormes.
Assim, as notícias falsas podem indicar a vontade de distribuir desinformação ou boatos, através dos diferentes media, com motivações políticas, económicas ou até pessoais, criando fenómenos de sensacionalismo. A desinformação faz-nos caminhar para um mundo onde as pessoas têm dificuldade em confirmar em quaisquer fontes de informação, online ou off-line, pelo receio destas serem manipuladas ou distorcidas.
Posteriormente, foi analisado na sessão as principais diferenciações, face ao passado, da desinformação de hoje. O ritmo acelerado da globalização e da evolução da tecnologia, permite que estas notícias falsas se espalhem, muitas vezes, mais rapidamente do que as verdadeiras. Também o controlo da divulgação de notícias falsas é mais complexo, uma vez que tal não é possível sem fiscalizar o tráfego e exercer controle editorial sobre a classificação e a exposição dessas.
Adicionalmente, às fake news, há uma infinidade de fenómenos interligados: as bolhas de conteúdo; a falsificação/ opiniões não intencionais; a desinformação intencional; a falta de checagem de fatos; a falta de pluralismo e exposição do usuário a conteúdos locais verificados e/ou especializados (de nicho/minoritários), sites de notícias, classificações e rótulos gerados por IA.
Assistimos assim, a uma passagem da internet neutra para as plataformas. Os intermediários passaram de meros canais a potenciais editoriais. Surgiram também os “social media”, envolvidos na partilha e distribuição de notícias, com vários interesses como maximizar as suas receitas (publicidade online), maximizar o tráfego nos seus sites e preservar e aumentar a reputação junto dos seus utilizadores. Em suma, esta sessão permitiu uma troca de reflexões (especialmente na parte final da mesma) em termos daquilo que é a redefinição do papel da informação. A sua crescente vulnerabilidade face ao aumento do número de intervenientes e potenciais redatores das mesmas, criam desconfiança e maior vulnerabilidade por parte dos cidadãos na filtragem do conteúdo. Em adição a esta problemática, o redefinir do conceito de Guerra e a sua abordagem híbrida, torna ainda menos ténue a compreensão e limites da informação que é transmitida às massas.
Bárbara Tenório
Enzo Fernandes
Isabella Rodrigues
Laura Semblano
Rita Ribeiro
Sara Ribeiro
NOTA:
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