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O presente texto visa esclarecer dez ideias erradas, ou mitos, sobre o terrorismo. Não existe consenso sobre o seu significado, mas é geralmente entendido como o uso da violência para atingir objetivos políticos, como constranger ou alterar as estruturas políticas, sociais ou económicas de um país. Por norma, a violência é perpetrada de forma imprevisível e indiscriminada, especialmente contra civis. O terrorismo visa criar insegurança, medo ou pânico, e alimenta-se da visibilidade mediática.

1. “O terrorismo surge com os atentados do 11 de Setembro de 2001”.

Não. O terrorismo antecede o 11/9. O conceito surge no século XVIII, durante o período “La Terreur”, ocorrido após a Revolução Francesa de 1789. O século XIX é apontado como o início do aparecimento desta forma de violência, embora a literatura também identifique um conjunto de “atos de terrorismo” antecedentes, justificados em nome de uma religião (na sua forma extremista). Academicamente, o terrorismo é estudado desde a década de 1970 com o desenvolvimento da disciplina dos “Estudos de Terrorismo”. Apesar do lastro histórico, foi o 11/9 que desencadeou um interesse exponencial sobre o terrorismo e que também motivou a associação entre “religião e terrorismo”. Com os atentados, a crença religiosa passou a ser apontada como uma das principais motivações para o terrorismo, sobretudo de matriz jihadista. Mas a sua relação é muito ambígua.

2. “Religião e terrorismo”.

Relação ambígua, problemática muito complexa. (1) A religião pode contribuir para amplificar a violência terrorista ou, para alguns indivíduos, motivar a sua perpetração mas não é uma causa do terrorismo, enquanto fenómeno isolado. (2) Qualquer indivíduo, de qualquer credo, pode ser radicalizado e cometer um ataque terrorista. (3) Um indivíduo não precisa de ser crente no Islão para acreditar na propaganda jihadista; para aderir a grupos afetos a essa matriz ou para perpetrar ataques. (4) No âmbito do terrorismo jihadista: se é importante não ignorar a dimensão religiosa do jihadismo, também é relevante não confundir a religião com o extremismo.

3. “Um muçulmano é um terrorista”.

Não. O terrorista (jihadista) é alguém que justifica os seus atos violentos com base em uma versão distorcida, fundamentalista do Islão, como o salafismo/waabismo. Utilizar conceitos como “terrorismo islâmico”, ou expressões semelhantes, é reforçar a propaganda de grupos como a al-Qaeda ou o Daesh. Assim, é importante distinguir:

  • Muçulmano – Crente no Islão. Sinónimo de “Islâmico” ou “Islamita”.
  • Islamista – “Combatente. Termo adequado para caracterizar os extremistas, radicais, terroristas ou movimentos que defendem uma versão fundamentalista do Islão. É mais acertado utilizar o conceito “terrorista islamista” e não “islâmico” pois seria associar a religião de muitos às atrocidades de “alguns”, explica a Europol.
  • Islamismo – Ideologia política que visa estabelecer um estado com base na lei islâmica (sharia). Porém, nem todos os movimentos islamistas têm um caracter violento. É um sinónimo de “Islão político”, cujo desenvolvimento está associado a teóricos como Rashid Rida (1865-1935). O primeiro movimento islamista surgiu no Egipto, em 1928, com a criação da Irmandade Muçulmana por Hassan al-Banna (que só adquire uma natureza violenta com o seu sucessor, Sayyid Qtub).

4. “O terrorista é um louco”.

Não. Segundo o psicólogo Jonh Horgan, “a maioria dos terroristas são perigosamente normais”. Mas, nem sempre foi assim. As investigações psicológicas sobre os terroristas surgem no final da década de 1960 e, até 1980 predominou a tese da “psicopatologia do terrorismo”: a violência terrorista era um resultado de um comportamento desviante, inconsciente ou louco. Na atualidade, esta é ideia é desacreditada. O terrorista é um ator racional que faz uma escolha deliberada, e a sua personalidade é considerada estável, não existindo indícios empíricos de psicopatia. No entanto, existem alguns casos ambíguos, o que nos leva a refletir sobre a possível relação entre a saúde mental e o terrorismo.

5. “Saúde mental e terrorismo”.

A ligação é possível, mas é ambígua. Os problemas de saúde mental estão sobretudo associados aos “atores solitários” (lone actors), ou seja, a indivíduos que operam de forma isolada e não têm ligações a um grupo terrorista. Alguns “atores solitários” têm problemas psicológicos e estão vinculados a determinadas ideologias extremistas potencialmente conducentes ao terrorismo. Por isso, nem sempre é possível identificar a motivação para a violência terrorista. Entre 2015 e 2020, todas as penas dos terroristas condenados na UE incluíram o seu internamento em centros dedicados à saúde mental, enquanto método complementar à prisão ou em alternativa à mesma. Note-se que a pandemia potenciou a radicalização e constituiu um fator disruptivo para os indivíduos psicologicamente mais vulneráveis ou fragilizados.

6. “O terrorista é um criminoso e analfabeto”.

Não é correto fazer este tipo de afirmações. Embora existam alguns padrões comuns entre terroristas (através da técnica de profiling), não existe um perfil único ou universal. Ninguém nasce “terrorista”. Existem diversos fatores explicativos do seu comportamento, desde fatores contextuais, que incluem sentimentos de exclusão e marginalização, e fatores psicológicos, respeitantes ao foro psíquico e a problemas familiares. Não obstante, sabe-se que os terroristas têm, por norma, algumas ligações a redes criminosas.

7. “Migração e terrorismo”.

Há uma conexão potencial entre os dois fenómenos, mas é falaciosa e residual. De acordo com a Europol, existe a possibilidade de os terroristas explorarem as rotas migratórias para entrarem no espaço europeu, infiltrando-se como refugiados. Foi o que aconteceu com dois dos atacantes do ataque em Paris, em 2015 (Bataclan). Mas o uso dessas rotas não é realizado de forma sistemática. No entanto, a chegada de imigrantes a um país poderá aumentar o número de ataques relativos ao terrorismo de extrema-direita, pela ênfase dos grupos desta matriz em uma narrativa xenófoba, racista e discriminatória.

8. “O multiculturalismo é uma causa do terrorismo”.

É muito problemático estabelecer conexões desta natureza. Defender que o problema reside na “sociedade livre” é alinhar com a narrativa extremista – de extrema-direita, extrema-esquerda ou jihadista – de que os europeus são merecedores da violência perpetrada. Mas, mesmo não sendo uma causa do terrorismo, também é importante reconhecer que multiculturalismo não é isento de desafios. Por exemplo, no âmbito do acolhimento de estrangeiros na UE, reconhece-se a existência de problemas socioeconómicos que, para alguns indivíduos, favoreceram sentimentos de segregação e marginalização. A maioria dos radicalizados europeus, migrantes de segunda ou terceira geração, sentem-se excluídos e vivem em um conflito identitário.

9. “O terrorismo é uma das maiores ameaças à paz e segurança internacionais”.

Discutível. Este mito está relacionado com a emergência de um “novo terrorismo” após o 11/9, alegadamente mais perigoso e difícil de conter. Há várias formas de analisar este mito; ora analisando o número de fatalidades, ora o número de ataques terroristas. Os resultados estatísticos são diversos, variando metodologicamente e entre períodos temporais. Este mito é discutível. (1) A natureza da ameaça e a perceção da sua perigosidade difere entre contextos regionais. (2) Existemvários tipos de terrorismo, com diferentes alvos e objetivos. (3) O terrorismo não tem de provocar um grande número de mortes para ter um forte impacto no modo de vida. O terrorismo é psicológico. O terrorismo é disruptivo, mas não é uma ameaça à sobrevivência dos estados.

10. “Portugal é imune ao terrorismo”.

Não. Primeiro, porque nenhum país é imune a um ataque terrorista. Segundo, porque estando enquadrado no espaço europeu, Portugal enfrenta riscos similares àqueles que impendem sobre os estados-membros. Terceiro, porque as autoridades já identificaram um conjunto de fatores de risco para o território nacional. O combate ao terrorismo no país segue as orientações da ONU e da UE, baseando-se na partilha de informações, na cooperação interoperacional e internacional.


25 de outubro de 2022

Joana Araújo Lopes é Doutoranda em “História, Estudos de Segurança e Defesa” no ISCTE. É bolseira da FCT e trabalha numa tese sobre o contraterrorismo em Portugal e Espanha, no contexto da União Europeia (2004-2020). É Mestre em Ciência Política e Relações Internacionais pela Universidade NOVA de Lisboa (2017). Trabalhou como estagiária na Embaixada Americana em Lisboa (Assuntos Consulares), no Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) (Direção-Geral de Política Externa) e no Instituto da Defesa Nacional (IDN). Os seus principais interesses de investigação incidem sobre a segurança internacional, o terrorismo, o contraterrorismo, a radicalização, o extremismo violento e a diplomacia.

https://ciencia.iscte-iul.pt/authors/joana-araujo-lopes/cv

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NOTA:

  • O texto e as suas ideias são da inteira responsabilidade do seu autor, não vinculando a opinião do Centro de Estudos EuroDefense-Portugal.
  • Os elementos de audiovisual são meramente ilustrativos, podendo não existir ligação direta com o texto.
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