Introdução
A minha reflexão sobre este tema passará em primeiro lugar por referir brevemente aquilo que poderia vir a ser o exército europeu, os seus principais defensores, e ainda as opiniões sobre este tema em Portugal. De seguida, apresentarei algumas das limitações à criação deste exército, que estão maioritariamente presentes no debate sobre este tema. Por fim, consta a minha posição sobre esta temática, tendo em conta os defensores desta ideia, e as suas limitações.
Nos últimos anos têm sido realizados esforços no sentido de reforçar a política de segurança e defesa da União Europeia. Destas desatacam-se a PESC, PCSD, a Análise Anual Coordenada da defesa (AACD), a Cooperação Estruturada Permanente (CEP), o Mecanismo Europeu de Apoio à Paz (MEAP), Fundo Europeu de Defesa, e a mais recentemente aprovada pelo Conselho Europeu “Bússola Estratégica”. Contudo, nenhum destes projetos aponta para a criação de um exército europeu, isto é uma estrutura militar concreta, nem mesmo os Battlegroups da UE.
De acordo com Tony Lawrence (2018) um especialista na defesa e estratégia da NATO e UE existem pelo menos 3 modelos, que se podiam encaixar na ideia de exército europeu. O primeiro trata-se apenas de um maior aprofundamento da política de segurança e defesa, através das ferramentas que já existem. O segundo modelo seria destacar parte de forças nacionais, para uma estrutura europeia centralizada. O terceiro modelo atribui à UE a responsabilidade de recrutar, treinar e equipar diretamente os cidadãos europeus.
Defensores do exército europeu
A criação de um exército europeu, é uma discussão já dura algumas décadas, e a França é o país que está na vanguarda desta ideia, desde o seu antigo Presidente Charles de Gaulle até ao seu atual Presidente Emmanuel Macron (KNEZOVIĆ & Lopes, 2020). Em 2018 numa entrevista concedida à estação Europe 1 afirma “Não poderemos proteger os europeus se não decidirmos ter um verdadeiro exército europeu” referindo-se principalmente às ameaças russas, mas também como um instrumento que aumentaria a independência na área da defesa relativamente aos EUA.
Além da França, a Alemanha é outro país da UE que parece ser favorável à criação de um exército europeu, especialmente no mandato da Ex-chanceler alemã Angela Merkel. Em 2018, num discurso no parlamento europeu, a Ex-chanceler admitiu a importância de trabalhar na visão de um dia criar-se um verdadeiro exército europeu. Aproximou-se do discurso de Emmanuel Macron no sentido de tornar a Europa mais autónoma na sua área da defesa, apesar de destacar a importância de manter boas relações com a NATO.
A ideia da criação de um exército europeu não parte apenas de países, pois também já surgiu no seio de uma das principais instituições europeias. Em 2015 Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia no período de 2014 a 2019 apoiou a criação deste projeto a longo prazo. O objetivo era o de afirmar a defesa dos valores da UE perante a Rússia, sem concorrer com a NATO.
Em Portugal, destacam-se as opiniões mais recentes do Major-General Agostinho Costa e o Tenente-Coronel António Costa Mota. Por um lado, o Major-general argumenta que a existência de um exército europeu não colocará em causa a soberania das forças armadas nacionais, que continuariam a atuar de forma soberana. Por outro lado, o Tenente-Coronel vê a iniciativa como um assunto extremamente fraturante para os militares, que poderão não aceitar defender a UE da mesma forma que defendem o seu país. Ainda na perspetiva nacional, um estudo realizado por investigadores da Universidade Lusófona, com uma amostra de 403 pessoas demonstrou que 73,94% dos inquiridos consideram que um exército único europeu iria contribuir para uma maior afirmação da UE no mundo.
Limitações à criação de um exército europeu
A criação de um exército europeu é uma questão que causa muitas dúvidas entre os europeus dada a sua complexidade. Existem limitações materiais, diferentes interesses estratégicos por cada Estado membro da UE, bem como os problemas que se colocam relativamente à perda de soberania.
Em relação aos limites materiais, apesar das sucessivas iniciativas da União Europeia nos últimos anos no sentido de melhorar a sua segurança e defesa, os países parecem pouco comprometidos com esta área. A partir dos dados disponibilizados pelo Eurostat (2020), apenas a Estónia, Grécia, Lituânia, Roménia, Letónia, são os únicos países europeus que pertencem à NATO a cumprir a meta de mobilizar 2% do seu PIB para a defesa estabelecida na Cimeira de gales (2014). Entre 1995-2020 têm-se verificado reduções da despesa em defesa por parte dos governos europeus em percentagem do PIB de 1,6 % do PIB em 1995 para 1,3 % do PIB em 2020 (Eurostat, 2020). “O investimento na área da defesa, é muitas vezes encarada pelos governos como uma necessidade, e não uma escolha” (Greco et al., 2010). Podemos considerar que a criação de um exército europeu seria um investimento na área da defesa por parte da UE. Embora, só a França e Alemanha tenham assumido a vontade de criar este projeto, na verdade mesmo para estes países a questão surgiu como uma necessidade. O objetivo seria tornarem-se mais autónomos dos EUA na área da defesa após algumas declarações de Trump, relativamente às reduzidas contribuições dos países europeus para a NATO.
Outra questão importante quando falamos na possível existência de um exército europeu, são os diferentes interesses estratégicos de cada Estado Membro sejam eles de defesa, económicos e políticos. Como indica Comelli (2010) “apesar de todas as mudanças introduzidas desde a assinatura do Tratado de Maastricht em 1992, as políticas de segurança e defesa permanecem principalmente intergovernamentais”. A atuação de um exército europeu, não poderia ser uma decisão intergovernamental, pelo contrário iria implicar um consenso. O historiador português António José Telo (2022) comenta que “bastaria um estado-membro não concordar para ficar tudo paralisado”. Uma demonstração mais recente dos conflitos de interesses na UE surgiu quando os líderes políticos húngaros se opuseram às políticas de sanções da UE à Rússia, concretamente os limites de importação de gás vindo da Rússia, pelo início da invasão russa.
A última limitação, e mais importante como o argumento mais utilizado por aqueles que se opõem à criação deste exército é a perda de mais soberania nacional dos estados-membros. Isto é um aspeto muito importante a ter em conta, já que está na origem de vários desentendimentos entre os países e a UE. Um dos principais motivos da saída do Reino-Unido está relacionado com a perda de soberania política em determinadas matérias. A Hungria e também a Polónia acusam a UE de interferir em assuntos domésticos como a migração, minorias e direitos dos refugiados (Vries, 2018). A Itália, encaminha-se para o mesmo cenário com a recente eleição de Giorgia Meloni.
Conclusão
A decisão sobre a criação de um exército europeu é complexa e deve ser tratada como tal. Não nos devemos esquecer que há uma grande distinção conceitual no que diz respeito ao uso da força e visão belicista entre as democracias liberais, os regimes totalitários e os regimes autoritários (Linz, 2000). Todos os países que fazem parte da União Europeia, são democracias liberais, Estados de direito democráticos, e partilham valores comuns como a liberdade, democracia e igualdade. Considerando a existência de um exército europeu, recaí também uma grande responsabilidade sobre este, no sentido de respeitar todos estes valores europeus na sua atuação.
A criação deste exército parece-me uma ideia ainda muito distante. Creio que se trata apenas uma ficção, que só aparece em debate quando é conveniente para os seus principais defensores, neste caso a França e a Alemanha e não com o verdadeiro objetivo de avançar com esta ideia. Mesmo que considerasse possível a sua criação, analisando o cenário político de alguns países na europa, a opção pela criação deste exército não parece ser a opção mais viável quando a europa tem enfrentado sérios problemas relacionados com o euroceticismo. A existência deste exército apenas iria contribuir para o aumento da tensão entre países e as instituições europeias.
Atualmente, com a guerra na Ucrânia a criação deste exército ainda me parece menos ajustada, como se pode verificar a NATO tem ganho destaque como uma opção viável e segura, para alguns países que pretendem reforçar a sua defesa contra ameaças externas, até mesmo para países tradicionalmente neutros como a Finlândia e a Suécia.
Foi defendido que a criação deste exército seria uma forma dos europeus serem mais independentes dos EUA, contudo deve ser tido em conta que os EUA representam um papel muito importante na ordem mundial. Não defendendo determinadas intervenções dos EUA em conflitos militares, a verdade é que seria difícil qualquer tipo de intervenção do exército europeu sem que os EUA tivessem envolvidos, portanto a questão da independência não iria desaparecer.
Como já referi, esta ideia de se criar um exército europeu parece-me distante, mas mesmo que fosse possível, acredito que a aposta na defesa, deve passar primeiramente para um nível interno, à medida que também se vão aprofundando as atuais iniciativas na área da segurança e defesa da UE conjuntamente com a NATO. Assim, países como por exemplo Portugal, que não têm investido tanto nas suas próprias forças armadas não faz sentido integrar-se num projeto de um grande gasto de recursos financeiros, que poderiam ser mobilizados para uma modernização militar interna.
15 de dezembro de 2022
Iúri Cláudio
EuroDefense Jovem Portugal
Referências Bibliográficas
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Comelli, M., Greco, E., Ioannides, I., Major, C., Mölling, C., Pirozzi, Nicoletta., Quille, G., & Silvestri, S. (2010) EU Crisis Management: Institutions and Capabilities in the Making. SSRN.
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