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O interesse manifesto das principais potências pela disputa e controlo das matérias-primas e dos recursos energéticos de cariz estratégico não são um tema do passado. A expansão comercial do gás natural liquefeito, a cartografia geopolítica dos gasodutos, os projetos existentes para a produção em escala do hidrogénio verde, o controlo dos minerais críticos e estratégicos, entre eles as terras raras, a competição e apropriação das renováveis e os novos módulos nucleares e hidrográficos, são alguns dos múltiplos exemplos que são já bem visíveis na disputa existente no atual Espaço Energético e Ambiental.

Durante décadas têm sido muitos os conflitos e as disputas geradas, num ciclo que ainda promete manter-se, em especial em regiões do globo mais propensas às disputas territoriais e ao controlo das zonas de produção ou das zonas e estreitos de passagem prioritária dos fluxos comerciais de hidrocarbonetos. E neste contexto o próprio Ártico começa a assumir especial relevância. Os combustíveis fósseis continuarão ainda a ter uma expressão dominadora, pelo menos durante a próxima década[1].

ÁRTICO- Yenisei Ob Kara Sea.jpg – Wikimedia Commons – NASA image courtesy Norman Kuring,
Ocean Color Web. Instrument: Aqua – MODIS

A utilização dos grandes espaços marítimos para o transporte do gás natural liquefeito (GNL), veio globalizar os circuitos comerciais, mas também a disputa geopolítica. O comércio do gás deixou de estar restringido aos blocos regionais por ligações de gasodutos existentes e alarga-se a todo o Espaço Energético Global. O Gás Natural Liquefeito é atualmente uma complementaridade, senão mesmo uma alternativa real, não só ao carvão, mas também aos gasodutos/pipelines existentes e sério competidor com outras fontes energéticas. A utilização do meio marítimo, de zonas terminais de acesso e portos logísticos, garantem diversidade e flexibilidade nos complexos processos de comércio entre Estados, regiões e continentes.

Os ataques terroristas e dos conflitos localizados em determinados espaços regionais, os ciberataques e as ações extremas decorrentes de alterações climáticas ou geológicas, deficiências estruturais e acidentes graves no upstream, ou downstream energético, podem originar «lockouts» de proporções inesperadas que têm por norma um efeito devastador junto das populações. Veja-se o caso da mega explosão no porto de Beirute e as suas dramáticas consequências ou do acidente no gasoduto TAG em 2017 em Baumgarten na Áustria, que causou graves perturbações no fornecimento de gás a vários países vizinhos, ou mais recentemente do ciberataque (Hackers) ao «Colonial Pipeline» nos EUA.

As tecnologias de energia eólica onshore ou offshore, solar fotovoltaica, a biomassa, gases renováveis, hidrogénio verde e power-to-gas, geotermia e a forte expansão da eletrificação estão entre as principais alternativas apontadas aos próximos anos. Os processos de armazenagem de energia são umas das maiores dificuldades, e ainda longe de soluções otimizadas no processo global de descarbonização. Este é um dos pontos fracos das energias renováveis, e uma das potencialidades dos gases renováveis, do gás natural e mesmo do hidrogénio.

Estes vetores energéticos trazem contudo novos desafios, ainda pouco definidos, e implicações com contornos ainda a ajustar nas tradicionais políticas de segurança e defesa junto dos principais atores do sistema internacional. Coloca-se agora a proliferação e a extensão das estruturas físicas das energias renováveis ao longo dos diversos territórios. Estas extensões, muitas de grande dimensão em onshore e em offshore, são também elas criadoras de problemas ecológicos, de alterações ambientais e sociais, e vão obrigar a repensar novos modelos de segurança. Modelos que vão abranger a segurança das suas instalações em termos físicos e a proteção ativa e técnica do seu ciclo de trabalho.

Os designados campos de energia eólica e solar fotovoltaica encontram-se por norma separados, e a sua dispersão e área de ocupação tornam mais difícil a sua segurança física. Estes campos, em especial os eólicos, estendem-se por vezes pelas plataformas offshore, o que acrescentará novas dificuldades ao seu perímetro de segurança imediata. Até ao momento, não tem havido especial motivo de preocupação, mas o tempo e a sua crescente importância obrigarão ao estudo e à implementação de ações a desenvolver, para garantir a segurança geral destas zonas, designadamente das infraestruturas energéticas produtivas. Por outro lado, a ligação setorial às redes energéticas, a cada vez maior complexidade de gestão das redes e a interconexão dos sistemas, representam uma fragilidade face a um outro tipo de ameaças em curso: os ciberataques. Como os novos sistemas integrados de produção e distribuição de energia, apresentam um modo descentralizado e integrado, as respetivas plataformas de comando e controlo tornam-se assim muito vulneráveis. Desta forma o transporte, distribuição elétrica e respetivos processos de armazenagem e de reposição, assim como as áreas de gestão e controlo são elementos, como se percebe, estratégicos na elaboração de planos integrados de segurança, que abrangem a componente civil, mas que podem e devem estenderem-se à própria segurança mais geral do Estado.

Estão a ser criadas as bases para que a produção do hidrogénio tendo por base as energias renováveis, possa ser um êxito nas próximas décadas. O transporte e o armazenamento do hidrogénio são fatores determinantes no processo comercial e competitivo.

Quantum Hydrogen.jpg – Wikimedia Commons  – UCL Mathematical & Physical Sciences from London

O hidrogénio tal como o gás natural irá ser muito propenso às disputas geopolíticas no seu ciclo de produção e às inerentes estratégias comerciais. Com a ciência e a tecnologia a fazer o seu caminho pelo século XXI, as tecnologias emergentes e disruptivas irão permitir desenvolver novos conceitos ao nível da digitação e da robótica, da Inteligência Artificial, do «Hypersonic (weapons systems)», do espaço, das tecnologias quantum e das «bio & human enhancement».

Em face a esta extraordinária evolução a que temos assistido nos últimos anos, e num cenário energético futuro mais eletrificado, digitalizado e descentralizado, é natural que a disputa geopolítica e os interesses das grandes potências globais subam igualmente de tom pelo controlo das tecnologias emergentes.


18de maio de 2021

Eduardo Caetano de Sousa
Vogal da Direção


[1] Word Energy Outlook, IEA, 2019.

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