Avançar para o conteúdo
Estratégia de Segurança Nacional e Nova Arquitetura de Segurança Nacional

1. Introdução

Nos próximos minutos, cabe-me apresentar o entendimento do GRES sobre a Estratégia de Segurança Nacional e as linhas gerais de uma Nova Arquitetura de Segurança Nacional para o nosso país. O âmbito do assunto é vasto face aos condicionalismos de tempo, requerendo um esforço de síntese, centrado nos fundamentos do estudo que o Grupo de Reflexão Estratégica sobre Segurança publicou recentemente sobre o assunto.

Permitam-me, porém, que me associe aos oradores que me antecederam, para realçar a oportunidade desta iniciativa da Assembleia da República. Debater o Estado de Direito e a Segurança é um exercício oportuno e necessário, perante indicadores preocupantes que em boa parte decorrem da crise de segurança que a Europa enfrentou recentemente. O ressurgir, um pouco por todos os quadrantes geográficos, de discursos e práticas atentatórias dos valores e princípios que suportam o nosso modelo de sociedade de matriz humanista, herdada do iluminismo e da revolução das luzes, que tem na Declaração Universal dos Direitos Humanos uma referência maior, constitui preocupação para aqueles que, como nós, consideram o Estado de Direito Democrático um pilar civilizacional.

Por outro lado, faz todo o sentido abordar o tema do Estado de Direito na antevéspera da data em que celebramos aquele que, nas palavras de Sophia de Mello Breyner, foi o “dia inicial inteiro e limpo, onde emergimos da noite e do silêncio e livres habitamos a substância do tempo”. Evocar o 25 de Abril é também uma forma de enaltecer o Estado de Direito Democrático.

Quarenta e cinco anos após o regresso de Portugal à comunidade dos Estados democráticos, a ordem internacional regulada pelo Direito Internacional e assente no multilateralismo, bem como o modelo de governação democrática fundado no primado da Lei e no respeito pelos valores universais, estão em risco. Defrontam-se com o ressurgimento de unilateralismos diversos, o despontar de regimes iliberais, a par da profusão de discursos de ódio e da banalização de práticas ao nível da barbárie mais abjeta.

O Estado de Direito Democrático é uma conquista civilizacional do espaço identitário que o Prof. Adriano Moreira apelidou de Euromundo, mas importa ter consciência de que não é um bem público global que possamos dar por adquirido.

Ainda no plano dos princípios, permitam-me sublinhar que a perspetiva do GRES sobre Segurança, Liberdade e Justiça não é de soma zero. Uma sociedade complexa exige uma visão sistémica que não se compadece com leituras lineares, próprias de quem só consegue ver os fenómenos societais a preto e branco.

A teoria dos sistemas, considera as organizações sociais constituídas por uma pluralidade de variáveis interdependentes, tendo subjacente a noção de complexidade. A Segurança é uma propriedade emergente da interação entre as partes e como tal apenas mensurável através das suas manifestações. É uma propriedade do todo, requerendo a compreensão dos processos que estão na sua génese. Segurança, Liberdade e Justiça são faces de uma mesma realidade que não se anulam, mas antes se complementam.

Porque a segurança emerge do Estado de Direito Democrático, os seus diferentes agentes, em particular forças armadas e forças e serviços de segurança, a quem o Estado delega o uso da força em prol do bem comum, devem ser os primeiros a entender os fundamentos do Estado de Direito. A sua ação deverá estar em linha com os seus valores e princípios, impondo-se, portanto, que primem por uma cultura democrática, que seja patente no relacionamento com o cidadão, interiorizando princípios de ação tão elementares como o de que a contenção dever estar sempre do lado da força e que a vida é um valor sagrado.

2. Relevo da Estratégia de Segurança Nacional

Não será certamente difícil argumentar sobre a importância de Portugal dispor de um documento enformador da Política do Estado, que nos permita, como comunidade, estabelecer um rumo para o nosso destino comum.

O Estado deve ser mais do que o somatório dos interesses individuais. Como cidadãos estamos vinculados por laços identitários e anseios comuns, por um ideário partilhado que nos diferencia e identifica como nação com uma história plurissecular. Temos uma língua e cultura próprias e uma identidade nacional forte, pelo que importa termos uma ideia do destino coletivo que pretendemos traçar.

Para isso é importante que saibamos compreender o presente, quais os interesses vitais por que nos devemos bater, onde devemos priorizar o emprego dos recursos, quais as ameaças e riscos que poderão condicionar o nosso percurso coletivo, que visão e nível de ambição temos para Portugal. Em síntese, importa saber onde estamos e para onde queremos ir, porque para uma embarcação sem um rumo qualquer vento serve.

O acervo legislativo obedece a uma hierarquia de leis, decretos-leis, portarias regulamentares, despachos, resoluções, etc. A estratégia obedece a moldes semelhantes, articulando-se em estratégia total (ou global) do Estado, estratégias gerais correspondentes aos diferentes instrumentos do poder e estratégias particulares das respetivas áreas subsidiárias.

A estratégia constitui o fundamento da ação política. Tem por objetivo o emprego dos diferentes instrumentos do poder, nomeadamente: o diplomático, informacional (intelligence), militar e económico, a que acresce ainda o poder comunicacional (dos media). A cada um destes poderes deverá corresponder uma estratégia, que no respetivo léxico denomina-se por estratégia geral. A delineação das estratégias segue uma metodologia semelhante, estabelecendo modalidades a adotar e meios a empregar para se alcançarem os respetivos fins.

A estratégia geral militar, consubstancia o Conceito Estratégico de Defesa Nacional, estabelecendo as grandes linhas da Política de Defesa e da organização das forças armadas. A esta subordinam-se as estratégias particulares, respetivamente: naval, terrestre, aeroespacial e de cibersegurança, que os diferentes ramos e organismos responsáveis pela Defesa Nacional estabelecem como guias para a respetiva ação.

Em Portugal tem sido profícua a produção de estratégias particulares nos mais diversos setores da política do Estado. O objeto desta conferência versa as dimensões social e ambiental da segurança, que correspondem à ausência do medo e à perceção de vivermos num habitat confortável. Nestes domínios, identificam-se os pilares primordiais da segurança, nomeadamente:

  • a segurança do Estado, do foro dos serviços de informações;
  • a defesa nacional, garantida pelas forças armadas;
  • a segurança interna, assegurada pela ação das forças e serviços de segurança;
  • a segurança humana, como âmbito da proteção civil, segurança alimentar e emergência médica.

Seria um exercício interessante verificar em quais destes domínios a ação dos respetivos sistemas se enquadra em estratégias que lhes confiram coerência, garantindo o devido escrutínio e permitindo aos órgãos de tutela terem indicadores e metas para avaliação da respetiva eficiência.

3. Fundamentos da ESN – Portugal Horizonte 2030

É patente que o atual quadro das estratégias dos diferentes setores do Estado apresenta-se fragmentado e incompleto. Sobretudo, não se subordina a uma estratégia global que sirva de vértice às diferentes políticas do Estado. O GRES apresentou um estudo com esse propósito, sob o título “Estratégia de Segurança Nacional – Portugal Horizonte 2030”, onde pretende não só alertar para esta lacuna, que nos coloca em dissonância com os nossos principais parceiros, como estimular o debate sobre o Portugal que queremos ser e o futuro que pretendemos construir.

Em traços gerais, a Estratégia de Segurança Nacional que o GRES preconiza assenta na visão de um Portugal construtor de pontes, que se afirme pelo grau de desenvolvimento humano e que se distinga enquanto sociedade aberta, tolerante e galvanizadora de talentos. Tem por nível de ambição garantir padrões de qualidade de vida num modelo de economia centrada no conhecimento. Tem nos portugueses o seu centro de gravidade estratégica e reconhece como principal fator de poder da atualidade – o conhecimento. Tem como estado final um Portugal seguro, próspero e onde os cidadãos possam desfrutar de bem-estar social.

Estabelece um conjunto de interesses vitais, pelos quais faz sentido batermo-nos decisivamente, de entre os quais destaco: a segurança dos portugueses; a independência e a integridade do território nacional; a circulação no espaço interterritorial; a língua portuguesa; o Estado de Direito Democrático e o regular funcionamento das instituições.

Identifica as ameaças e riscos ao nosso país, avocando a Agenda Europeia sobre Segurança de 2015, que aponta como ameaças – o terrorismo, a criminalidade organizada transnacional e o cibercrime. No que concerne aos riscos, entre outros, realça: o impacto de uma nova crise financeira; o envelhecimento e a redução populacional; a desigualdade; o impacto da robotização do trabalho; e as alterações climáticas, patentes na evolução do drama dos incêndios florestais.

Podemos hoje acrescentar como risco, senão mesmo como ameaça ao Estado de Direito Democrático, o ressurgimento de movimentos populistas de matriz protofascista, que de uma forma organizada desafiam o modelo de democracia consagrado no pós-Segunda Guerra Mundial.

Entre os objetivos estratégicos que enunciamos, permito-me destacar o primeiro – manter Portugal como país seguro, precavendo a eclosão de sentimentos de insegurança.

No contexto internacional, quando o multilateralismo é posto em causa e os princípios de uma economia aberta são questionados pelo despontar de protecionismos, estarmos sós ou enquadrados num espaço multiplicador do nosso potencial económico faz a diferença. Subscreve-se a opinião de Federica Mogherini sobre a União Europeia ser composta por dois tipos de Estados – os pequenos e os que ainda não perceberam que são pequenos[i].

No plano interno, a UE garante aos Estados-membros o acesso preferencial a um mercado alargado, enquanto que no plano externo assegura-lhes uma escala impossível isoladamente. No entender de Timothy D. Snyder[ii], a construção da UE inspirou-se na lógica mercantilista, subordinada aos princípios do Estado de Direito. A UE foi a resposta que os países europeus gizaram para ultrapassar a perda dos respetivos impérios, evitando assim regressar à lógica do Estado-Nação – uma realidade de que estão arredados há cinco séculos. No entender do GRES, o projeto europeu representa a principal prioridade da política externa portuguesa.

4. Análise do Sistema de Segurança Nacional

Equacionar uma nova arquitetura para a segurança nacional implica efetuar a montante um diagnóstico do sistema de segurança nacional, como sistema de sistemas englobando os vários pilares da segurança. Alcançar ganhos de eficácia que nos assegurem que o investimento público numa área estruturante do Estado segue padrões de racionalidade e eficiência, indo ao encontro dos desafios do atual ambiente de segurança é um exercício necessário e pertinente.

Uma das caraterísticas do atual ambiente de segurança é a alteração profunda verificada nos pressupostos que sustentaram o sistema de segurança nacional nos períodos da guerra fria e das operações de paz e estabilização. A tecnologização da guerra, a profusão das redes na organização e formas de ação estratégica, provocaram uma revolução sem precedentes, tanto nos métodos de conduzir a guerra, como da atuação da criminalidade. Esbateram-se os limites e alargaram-se os respetivos campos de ação.

A adoção das lógicas da globalização e das tecnologias da quarta revolução industrial nestes campos, deu lugar a novas formas de atuação, de que o estado islâmico é exemplo paradigmático, mas também a campanha de drones dos EUA na chamada guerra global contra o terrorismo, a caminho do seu 18º ano de duração. A anexação da península da Crimeia pela Rússia, em 2014, com recurso a formas híbridas de atuação estratégica, mostra também que a complexidade no domínio dos conflitos e da criminalidade é uma realidade que não se compadece com abordagens lineares.

A primeira questão que se nos coloca é se o sistema de segurança nacional do nosso país está dimensionado para o ambiente de segurança deste novo período, que mais do que uma era de mudança ganha contornos de uma mudança de era. A avaliação da eficácia das medidas de reforma entretanto encetadas, requer uma perspetiva sistémica da segurança nacional, em torno dos fatores função-contexto-estrutura-processos dos respetivos subsistemas.

Entre nós, apresenta-se como uma constante as reformas incidirem, sobretudo, no plano das estruturas, quer por via da revisão das orgânicas, como pela criação de novas estruturas e ampliação das respetivas funções. Por regra, em Portugal, sempre que se coloca um novo desafio à segurança, a tendência é a criação de uma nova estrutura. Por outro lado, o plano dos processos tem ficado praticamente incólume às alterações de contexto e às reformas anunciadas no pano político, facto que atesta a rigidez do sistema e uma atitude de aversão à mudança.

No âmbito da estratégia de Defesa Nacional, têm-se verificado alterações importantes, quer no plano estrutural como das funções das forças armadas, a que não são alheios os seus vínculos internacionais, em especial com a Aliança Atlântica. A atual crise de identidade da NATO, provocada pelas tergiversações do seu principal membro sobre a utilidade da organização, abre espaço para o fortalecimento de uma identidade europeia de segurança e defesa que nos conduzirá a um “exército europeu”, como pilar da autonomia estratégica da UE.

O reforço das competências do CEMGFA e da capacidade de ação conjunta das forças armadas, são evoluções a assinalar. Uma maior integração das estruturas do EMGFA no Ministério da Defesa, é um desafio que o GRES aponta no seu estudo. Consideramos que a melhor forma de prestigiar as forças armadas, garantindo a atratividade e a dignificação da função militar, é serem empregues naquilo que é o seu múnus, como instrumento de soberania, de promoção da paz e segurança internacionais e em apoio à política externa do Estado.

O estudo do GRES foi concomitante com as alterações estruturais, mas também de funções, processos e paradigmas, ocorridas recentemente no sistema de proteção civil, que as tragédias dos incêndios florestais de 2017 tornaram inadiáveis. Trata-se de uma reforma que nos parece apropriada e clarividente, pese embora persistam interesses instalados e estruturas anacrónicas que o tempo se encarregará de ultrapassar.

Portugal ficou incólume à crise de segurança que flagelou a Europa a partir de 2015. Somos um dos países mais seguros do mundo e o sistema de segurança interna tem funcionado sem grandes sobressaltos, não se registando sentimentos de insegurança. Este facto reflete-se no prestígio e confiança dos portugueses nas forças e serviços de segurança, não suscitando reparos no plano da eficácia.

Contudo, mercê da ênfase colocada nas estruturas, Portugal tem um sistema de segurança interna atomizado, onde proliferam órgãos de polícia criminal e autoridades administrativas, numa malha complexa de competências, distribuídas por diferentes tutelas e onde a regra parece ser mais a competição do que a colaboração e a cooperação. Esta aparece consagrada num plano de coordenação, controlo e comando operacional, acionado pela Secretária-Geral do Sistema de Segurança Interna, cuja existência atesta o caráter de exceção da cooperação entre polícias. Por outro lado, persistem práticas delegáveis na segurança privada que para além de um sorvedor de recursos humanos penalizam a imagem institucional,

Um sistema de segurança interna assente na ideia de polícia integral, como se fosse possível a todos poder fazer tudo, onde os limites das áreas territoriais de responsabilidade são interpretados como fronteiras e onde a ideia de competência reservada produz entropias, é um sistema que fomenta a rivalidade, a competição e acrimónia entre os diferentes atores. A disputa entre polícias que envolveu o caso de Tancos é suficientemente elucidativa sobre este aspeto. Atesta a tendência para nos focalizarmos nos procedimentos em prejuízo dos resultados.

Em tempos de complexidade é, sobretudo, importante mantermo-nos fiéis aos princípios. A perceção de que enfrentamos uma “guerra global contra o terrorismo”, assenta num oxímoro porque a guerra é um fenómeno finito e o terrorismo, como forma de criminalidade, enquadra-se numa realidade endémica e, portanto, não circunscrita temporalmente. Arriscamos, assim, a continuar nesta guerra sem fim, com o risco de convertermos os militares em polícias e os polícias em militares, normalizando situações de exceção que colocam em risco os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.

Portugal tem uma média de 451 polícias por 100.000 habitantes, numa UE onde a média é de 318. A eficácia das forças e serviços de segurança não é questionável, mas a sua eficiência pode ser melhorada. No entendimento do GRES passa por conferir ao Ministro da Administração Interna a tutela da Secretária-Geral do Sistema de Segurança Interna e de todas as forças e serviços de segurança, criando-se assim condições para a eliminação de redundâncias, duplicações e conflitos de competências. Pressupõe também colocar o Serviço de Informações de Segurança (SIS) no ecossistema da segurança interna, reforçando a cadeia de valor. Passa também por conferir à Secretária-Geral do Sistema de Segurança Interna a direção operacional de uma rede nacional de comandos que integre a ação tática das forças e serviços de segurança e, também, de emergência e proteção civil, acautelando o elementar princípio da unidade de comando.

Outro aspeto que recomenda intervenção é o da resiliência, tanto da população como das infraestruturas críticas. A primeira promovendo mecanismos de comunicação, que mais do que o sensacionalismo e o alarmismo promovam o esclarecimento e a informação dos cidadãos. O segundo, criando instrumentos que permitam mitigar o impacto de situações críticas que coloquem em risco o funcionamento da sociedade. Situações como a que recentemente obrigou à declaração da situação de alerta, em virtude da interrupção da cadeia de fornecimento de combustíveis, requerem planos de contingência e alternativas capazes de gerir as crises e mitigar as suas consequências. A perceção de impotência do Estado perante situações desta índole, que tenderão a ser mais frequentes, comporta o risco de abrir caminho aos promotores do autoritarismo.

A segurança pública é uma realidade emergente do pacto social entre o Estado e a população. Quando este pacto é quebrado, a revolta materializa-se em tensões entre a população e as forças de segurança, que são a representação física do Estado. Distopias na interpretação desta realidade conduzem inevitavelmente a crises larvares como a dos gilets jaunes. Por outro lado, o desequilíbrio no trade off virtuoso entre bens públicos e paz social, está na origem da quebra de confiança dos cidadãos e da crise do Estado. Abre espaço para as alternativas políticas não democráticas e tem repercussões na estrutura de autoridade do Estado. Indicadores como o relatório sobre Portugal, da Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância (ECRI), bem como a presença de candidatos das forças de segurança por partidos fascistas, não podem ser menosprezados.

No plano do ciberespaço, com ligação direta à segurança das infraestruturas críticas, importa ultrapassar a sectorização da cibersegurança, cibercrime e ciberguerra, em compartimentos estanques, competências reservadas e bloqueios institucionais, que nos deixam à mercê dos hackers e da horda de delinquentes que pulula num espaço que não conhece fronteiras. É um assunto de segurança nacional neutralizar fontes de fake news ou de utilização perversa de algoritmos e Inteligência Artificial. Tal como impedir mecanismos de controlo, como o esquema de créditos sociais desenvolvido por entidades estatais no oriente, ou de manipulação eleitoral em que a Cambridge Analytica de especializou.

Mesmo tendo entregue a estrangeiros a rede de segurança interna e o centro de dados da Covilhã, importa que nos questionemos sobre o modelo de soberania digital que pretendemos ter.

5. Nova Arquitetura de Segurança Nacional

Feito o diagnóstico do sistema de segurança nacional, como um sistema de sistemas fundamental para a preservação do Estado de Direito Democrático que usufruímos desde o 25 de Abril, tendo em conta as alterações entretanto verificadas nos planos geopolítico, geoeconómico e geoestratégico e o quadro de ameaças e riscos que enfrentamos. Sobretudo, atentos à complexidade dos fenómenos societais e desafios colocados pela revolução tecnológica em curso, a questão que se coloca não é se devemos ter uma Estratégia de Segurança Nacional, mas antes tomar consciência da sua urgência.

A operacionalização deste desiderato passa pela aprovação de uma Estratégia de Segurança Nacional onde nos possamos rever todos como comunidade de aspirações partilhadas e que, no plano legislativo, sirva de fundamento a uma Lei de Segurança Nacional, como enquadramento legislativo das políticas públicas de segurança nacional. No quadro estrutural, pressupõe a criação de um Conselho Superior de Segurança Nacional (CSSN) que assegure o aconselhamento estratégico da governação, a coordenação da formulação das diversas estratégias gerais e a gestão de crises. Preside ao CSSN o primeiro ministro, porque é ao governo que cabe a condução da política de segurança do Estado. Integram-no os ministros dos negócios estrangeiros, das finanças, da defesa nacional da administração interna, da economia e do ambiente, a que se juntam os dirigentes superiores dos organismos do Estado primeiramente responsáveis pela segurança nacional, nomeadamente, a secretária-geral do Sistema de Informações da República Portuguesa, o Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, a secretária-geral do Sistema de Segurança Interna, o diretor-geral do Gabinete Nacional de Segurança e o presidente da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, entre outros.

Esta estrutura completa-se com um secretariado e um conselho consultivo, respetivamente para assegurar a eficácia do seu funcionamento, nomeadamente através da antecipação e acompanhamento da evolução das crises e no campo da reflexão e promoção de estudos científicos sobre estes domínios.

6. Conclusão

Embora, no nosso período de vida, nunca tenhamos vivido com tanta segurança, temos a perceção de que o mundo nunca esteve tão perigoso. As ameaças que delineamos são reais e os riscos não são uma panaceia. Somos todos os dias surpreendidos por cisnes negros, situações a que Donald Rumsfeld classificou de unknown unknowns.

Os fins últimos do Estado são a segurança, o desenvolvimento e o bem-estar social dos cidadãos, pelo que importa desenvolver um pensamento conceptual sistematizado que extravase a lógica securitária. Num período de crescentes ameaças ao futuro de instituições estruturantes do nosso modelo civilizacional, importa ter presente que a preservação dos valores da liberdade, da igualdade, da laicidade e da tolerância, que sustentam Estado de Direito Democrático, é um objetivo primordial para evitarmos mergulhar num novo período de trevas e barbárie.

Agostinho Costa
Vice-Presidente da Direção

In “Conferência ESTADO DE DIREITO E SEGURANÇA NACIONAL”

Assembleia da Republica, Lisboa, 23 abril 2019

[i] Frederica Mogherini (Alta Representante para os Negócios Estrangeiros e Política de Segurança). Alocução no fórum anual da NATO. 09.11.2016. Bruxelas.

[ii] Snyder, Timothy D.. Davos 2018. New Momentum for Europe. WEF.

Partilhar conteúdo:
LinkedIn
Share

Formulário Contato