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Depois da queda do “Muro de Berlim” foram concebidos, desenvolvidos e produzidos na Europa, principalmente, três tipos diferentes de aviões de combate da 4ª geração: Eurofighter Typhoon (consórcio europeu constituído por Reino Unido, Alemanha e Itália e Espanha), Rafale (grupo francês Dassault Aviation) e Saab Gripen (grupo sueco). Estas aeronaves equipam obviamente as atuais frotas aéreas dos países que constituem os diversos consórcios.

Concomitantemente, se não contarmos com os países da Europa de Leste que, na sua totalidade, até há muito pouco tempo, estavam equipados com aviões de combate do tempo da era soviética (Mig-21, Mig-25 e Mig-29)[1], a grande maioria dos restantes países europeus estão equipados com o F-16, que é um avião americano de combate da 4ª geração, tendo o mesmo sido sujeito a um Programa de modernização de meia-vida (Mid-Life Update-MLU)[2]. O programa MLU foi muito útil em termos de interoperabilidade operacional das diferentes frotas europeias e de estandardização dos seus sistemas de armas, com a consequente eficácia operacional e redução significativa de custos de manutenção e operação.

Em termos de vida operacional útil das aeronaves que equipam as frotas europeias, serão naturalmente os F-16 aqueles que atingirão o limite de vida mais cedo, por volta de 2025-2030[3]. Estima-se que as aeronaves mais recentes como o EuroFighter Typhoon, Rafale e Saab Gripen atingirão o seu tempo útil de vida operacional no horizonte de 2040.

A substituição/modernização de sistemas de armas complexos como são os modernos aviões de combate com os seus sofisticados sistemas de armamento e equipamento, é um processo de decisão política e estratégica moroso e repleto de vicissitudes, com um longo e custoso período de desenvolvimento tecnológico-industrial/qualificação/certificação, que em média requer pelo menos 10-15 anos.

Por isso, torna-se indispensável pensar estrategicamente a sua substituição/modernização, numa perspetiva de longo prazo, buscando, sempre que possível, parcerias internacionais ou regionais que assegurem a interoperabilidade operacional e a estandardização dos sistemas, geradoras de economias de escala que minimizem os riscos e os elevados custos de desenvolvimento/industrialização.

É por isso que a grande maioria dos países europeus que estão equipados com frotas F-16 que participaram no Programa MLU, depois de extensos e minuciosos estudos comparativos sob o ponto de vista técnico, financeiro, operacional, logístico e industrial, tendo em consideração opções de substituição versus modernização dos seus aviões, já tomaram a decisão política de os substituir (e não modernizar).

Não é despiciendo sublinhar que todos esses países optaram, embora em momentos temporais diferentes, pela aquisição do F-35, que é um avião de fabrico americano de 5ª geração[4], o que, à semelhança da experiência adquirida com os F-16, poderá facilitar a constituição de um grupo europeu utilizador de frotas F-35, com os consequentes benefícios de eficácia operacional e economia logística.

Ao longo dos últimos 50-60 anos, os custos de desenvolvimento tecnológico no setor aeroespacial têm crescido, em média, de uma forma constante em cerca de 7-10%/ano em valores reais[5], valor este que excede em muito a média da inflação no mesmo período. Esta realidade poderá significar que em cada 7 anos os custos de desenvolvimento tecnológico-industrial na área aeroespacial duplicam.

Além destes custos, já por si bastante onerosos, o longo processo de conceção, desenvolvimento e industrialização de um novo avião de combate da 5ª geração, caraterizado sobretudo pela sua furtividade, está sujeito a uma pletora de riscos normalmente associados a transformações tecnológicas aceleradas e a evoluções geopolíticas imprevisíveis.

Numa perspetiva otimista, os custos estimados de desenvolvimento do F-35 (non-recurring costs) foram da ordem de 19,34 mil milhões de euros, com uma previsão de vendas de 3003 unidades, tendo o avião realizado o seu 1º voo experimental em 10 de dezembro de 2006[6]. O facto de os custos de desenvolvimento do Eurofighter Typhoon (19,48 mil milhões de euros)[7] terem sido semelhantes aos do F-35, que é uma aeronave concebida e desenvolvida pelo menos uma década depois, mostra à saciedade quatro evidências: (i) as dificuldades inerentes à cooperação de defesa europeia; (ii) as ineficiências devidas à elevada fragmentação do mercado de defesa europeu e a consequente reduzida competitividade da base tecnológica e industrial de defesa europeia; (iii) as enormes dificuldades políticas, técnicas e burocráticas em  se conseguir a harmonização de requisitos operacionais e de especificações técnicas comuns, dando origem a uma grande variedade de modelos distintos.

Esta situação parece sobejamente demonstrativa do “estado da arte” na BTIDE no que se refere ao setor aeroespacial, que por acaso até corresponde ao setor tecnologicamente mais desenvolvido na Europa. Podemos pois afirmar que na área da segurança e defesa europeia os avanços tecnológicos, industriais e outros são lentos e tardios!

Assim, tendo em consideração a duplicação dos custos de desenvolvimento tecnológico-industrial em cada 7 anos, a intenção de conceber, desenvolver e produzir um futuro avião de combate europeu da 5ª geração ou superior, só será economicamente exequível se contar com uma participação internacional alargada na fase de desenvolvimento e uma elevada previsão de vendas do jaez do F-35, para que seja minimamente rentável em termos económicos (breakeven-point).

A nova dinâmica franco-alemã visa perseguir, de uma forma progressiva e mais acelerada, uma maior integração de segurança e defesa europeia, com acento tónico no princípio da cooperação de defesa no desenvolvimento de capacidades militares, para garantir economias de escala, assim como a competitividade e inovação da base tecnológica e industrial de defesa europeia. Animados por esta nova dinâmica, em 24 de abril de 2018 a Airbus e o grupo francês Dassault Aviation anunciaram um acordo de princípio para a construção do futuro avião de combate franco-alemão da nova geração (5ª,6ª geração?)[8], cujo objetivo é substituir no horizonte de 2040 as atuais frotas de aviões de combate europeus (Rafale e Eurofighter Typhoon). Trata-se de um projeto arrojado lançado bilateralmente, com a promessa de que parceiros adicionais poderão aderir. Estima-se que os detalhes iniciais sobre este novo caça franco-alemão possam ser divulgados no fim do 2º semestre de 2018.

Não obstante persistirem fundadas dúvidas sobre a viabilidade político-económica deste projeto bilateral, uma vez que no horizonte de 2040 a grande maioria dos países europeus já estarão comprometidos com o desenvolvimento/aquisição do F-35, é de sublinhar a importância e o significado político deste anúncio de intenções, que constituir um marco que assinala o fim de um longo período de 33 anos de “divórcio”e concorrência tecnológico-industrial direta entre o consórcio Eurofighter e a Dassault Aviation construtora do Rafale.

Simultaneamente, o Reino Unido, que participa no programa F-35 desde o seu início e que, neste quadro, pretende adquirir 138 aeronaves, anunciou também a intenção de desenvolver o “Project Tempest Force 2030+”, que ao que se julga saber será um avião da 5ª geração resultante da experiência acumulada com o desenvolvimento do EuroFighter Typhoon e com a introdução de tecnologia de furtividade e vectorização das tubeiras de escape[9], adquirida pela sua participação no programa F-35. Contudo, para viabilidade económica do projeto, dado o seu histórico de estreito relacionamento industrial com os EUA e a sua participação no F-35, é muito provável que o Reino Unido considere uma parceria com os EUA para o desenvolvimento de uma próxima geração de caças (6ª geração?).

Estudos recentemente realizados pela Comissão Europeia, em conjunto com a Associação Europeia Aeroespacial e de Indústria de Defesa (ASD), levam a concluir que, face aos imponderáveis desafios tecnológicos e de mão-de-obra altamente qualificada em falta na Europa, e tendo em consideração os elevados custos de desenvolvimento, nenhum país europeu por si só poderá desenvolver e produzir um avião de combate da última geração. O primado terá de se basear no paradigma de uma cooperação de defesa o mais alargada possível, para ganhar sinergias tecnológico-industriais e massa crítica que assegure as indispensáveis economias de escala, só assim sendo possível atingir o elevado “breakeven-point” que viabilize economicamente o projeto.

Ora, tal desiderato só será possível se, pelo menos, for garantida a participação dos 6 países europeus[10] com indústria aeroespacial mais desenvolvida, estando assegurada uma previsão de vendas do jaez do F-35, situação que nos parece difícil de alcançar, não só pelo efeito “Brexit” e da intenção já manifestada do Reino Undo de desenvolver um programa próprio ou com a participação dos EUA, como de grande parte dos países europeus já terem decidido adquirir o F-35, cujo tempo de vida útil se prolongará para além dos anos 2050[11].

Não obstante, tendo em conta o objetivo de autonomia estratégica da UE constante da sua Estratégia Global, entende-se que politica e estrategicamente a Europa deve fazer todos os esforços no sentido de conceber, desenvolver e produzir um futuro avião de combate. Esta premissa constituirá não só uma condição essencial para garantir a defesa da Europa e dos seus cidadãos, mas também e sobretudo para evitar a situação de dependência dos EUA e a perda sistemática de aptidões tecnológico-industriais, que se verificou durante algumas décadas em relação ao transporte aéreo militar tático-estratégico (c-130 vs Transal).

De facto, um programa desta natureza e abrangência tecnológico-industrial, constituiria não só um grande desafio à verdadeira vontade política de cooperação de defesa, mas também uma ótima oportunidade para a revitalização do “envelhecido” tecido tecnológico e industrial de defesa europeia, que, em virtude do acentuado desinvestimento na defesa verificado principalmente na década de 2005-2015, perdeu aptidões técnicas e industriais e mão-de-obra altamente qualificada, que são fundamentais ao desenvolvimento das futuras capacidades militares que venham a ser necessárias no quadro das ameaças e desafios previsíveis no horizonte de 2030+.

Os novos instrumentos, incentivos e mecanismos recentemente lançados na UE para fomentar a cooperação de defesa, promover a interoperabilidade e estandardização e fortalecer a competitividade e inovação da base tecnológica e industrial de defesa, tais como o FED, CARD e PESCO, poderão ser muito úteis neste contexto, se bem utilizados.

Augusto de Melo Correia
Associado

[1] Alguns destes países como a Polónia, República Checa,Hungria, Roménia e Bulgária estão a abater os vetustos Migs do seu inventário e a substituí-los por aviões da 4ª geração, sejam americanos (F-16-Polónia e Roménia) ou europeus (Saab Gripen- República Checa e Hungria).

[2] Estão equipados com os F-16 os seguintes países europeus: Noruega, Dinamarca, Bélgica e Portugal (cujos aviões fizeram uma modernização de meia-vida no contexto do Programa MLU – Mid-Life Update), além da Grécia e Turquia. A Espanha está equipada com o F-18 e o Eurofighter Typhoon e a Alemanha e Itália com o Eurofighter Typhoon. A Suécia está equipada com o Saab Gripen e a Finlândia e a Suíça estão equipadas com o F-18, que é um avião de fabrico americano também da 4ª geração.

[3] Portugal integrou o Programa MLU europeu em 2000. Por isso, os F-16 que equipam a força aérea portuguesa, tendo sido os últimos a fazerem a modernização no âmbito do Programa MLU europeu, o seu período de vida útil poderá ser prolongado por mais alguns anos.

[4] O último país a tomar a decisão política de aquisição do F-35 foi a Bélgica, depois de aprofundados estudos entre aquisição versus modernização e análises comparativas com os aviões europeus existentes (Eurofighter Typhoon, Rafale, Saab Gripen).

Do grupo de países europeus cujos F-16 beneficiaram do Programa MLU, Portugal é aquele que ainda não tomou uma decisão política definitiva sobre a sua substituição/modernização.

[5] European Commission SWD (2017)228 final, Staff Working Document for the “Regulation establishing the European Defence Industrial Development Programme” (EDIDP), pag 9, 7.6.2017.

Importa referir que um aumento anual de 10% significa que os custos dos novos sistemas de armas duplicam em cada 7,25 anos.

[6] Briani, 2013, pag16.

European Commission SWD (2017)228 final, Staff Working Document for the Regulation establishing the European Defence Industrial Development Programme (EDIDP), pag 16, 7.6.2017.

O F-35 Lightning II é um avião americano de 5ª geração concebido, desenvolvido e produzido pela Lockheed Martin, com o apoio da Northrop Grumman e da BAE Systems. Realizou o seu 1º voo em 10 de dezembro de 2006.

A sua característica especial, que o diferencia dos aviões da 4ª geração, consiste na sua capacidade tecnológica de “furtividade”, que aumenta consideravelmente o seu poder de sobrevivência operacional e na capacidade de vectorização das tubeiras de escape, que lhes permite uma maior manobrabilidade operacional, tecnologias estas que a base tecnológica e industrial de defesa europeia atual ainda não domina.

Até ao momento há já 15 países da América, Europa, Médio Oriente e Ásia comprometidos com o desenvolvimento e aquisição do F-35.

[7] (Briani, 2013, pag16.European Commission SWD (2017) 228 final, Staff Working Document for the Regulation establishing the European Defence Industrial Development Programme (EDIDP), pag 16, 7.6.2017).

[8] O desenvolvimento do futuro avião de combate franco-alemão enquadra-se numa estratégia de “Future Combat Air Systems” e será liderado pela França.

[9] Competências tecnológicas estas partilhadas pelos EUA, resultantes da participação efetiva do Reino Unido no desenvolvimento e produção do F-35 desde o seu início.

[10] Reino Unido, França, Alemanha, Itália, Espanha, Suécia.

[11] Tomando como exemplo o Eurofighter Typhoon, avião da 4ª geração desenvolvido nos anos 1990, os custos de desenvolvimento rondaram os 19 mil milhões de euros tendo sido produzidos 707 aviões. (Briani, 2013, pag16.European Commission SWD (2017) 228 final, Staff Working Document for the Regulation establishing the European Defence Industrial Development Programme (EDIDP), pag 16, 7.6.2017).

Se considerarmos como válida a asserção de que os custos de desenvolvimento duplicam a cada 7 anos, poderemos aquilatar do enorme desafio financeiro, tecnológico e de mão de obra altamente qualificada que se coloca à Europa quando anuncia a intenção de desenvolver um futuro avião de combate (5ª,6ª geração?).

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