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A saída o Reino Unido dá nova oportunidade ao anunciado Q.G. conjunto europeu. E, poderá permitir aos países do sul da UE evitar aprovação de medidas desfavoráveis

A saída do Reino Unido da União Europeia (UE) veio alterar o equilíbrio de forças existente no seio da União e afectar significativamente a geopolítica da Europa. O Reino Unido tem desempenhado um papel crucial no equilíbrio de forças existente no seio da UE ao funcionar como uma charneira entre a Alemanha e a França. A Alemanha apoiava-se no Reino Unido em matéria de promoção do comércio livre, contrariando as tendências proteccionistas da França, enquanto que a França via o Reino Unido como um parceiro em matéria de defesa e um contrapeso à influência germânica.

Dois aspectos merecem particular destaque:

Em primeiro lugar, a saída do Reino Unido veio criar um vazio de poder e, simultaneamente, uma oportunidade para os Estados-membros mais poderosos o preencherem e reforçarem as suas posições no establishment europeu. São evidentes os movimentos nesse sentido. A reunião realizada a 25 de junho de 2016, dois dias após o referendo, entre os ministros dos Negócios Estrangeiros da França e da Alemanha com o objectivo de analisarem os resultados do Brexit, excluindo desse debate os restantes Estados-membros da União, deixou bem claro o papel que a Alemanha e a França reservam para si no novo quadro.

O segundo aspecto prende-se com o facto dos representantes daqueles dois Estados assinalarem que existem diferentes níveis de ambição entre os Estados-membros no que respeita ao processo da integração europeia. Embora de uma forma não declarada, deixaram subjacente a vontade velada de reorganizar a Europa em redor de um grupo de Estados com prerrogativas adicionais, marginalizando os restantes países. Subjacente a este pensamento está a concepção de uma Europa com dois grupos a duas velocidades, onde se verificarão níveis de integração diferentes.

A defesa e a segurança são domínios onde se verificam pressões da França e da Alemanha para que exista um aprofundamento e uma aceleração da integração. Projectos do antecedente obstruídos pelo Reino Unido ganham agora uma nova dinâmica: a criação de um quartel-general conjunto, as cooperações estruturadas permanentes e o aumento da cooperação no campo do Intelligence.

Engenho e arte para travar «tentações» centralizadoras

Como é sabido, uma das razões, entre outras, alegadas pelos defensores do Brexit foi o deficit democrático na União Europeia associada à exagerada concentração de poder nas instâncias europeias. As opiniões públicas de alguns Estados-Membros têm sido susceptíveis a este argumento. Torna-se difícil às lideranças de certos países explicarem aos seus cidadãos as vantagens de participarem numa associação em que as suas vozes e os seus interesses são menos escutados. O aumento da integração poderá ser tentador para os pequenos Estados-membros colocarem na sua agenda política o exemplo do Reino Unido.

Contudo, em oposição ao aumento da integração, surgem novas dinâmicas a ter em consideração. Por exemplo, os dirigentes dos países que constituem o Grupo de Visegrado reuniram-se em julho para avaliar os resultados do referendo. Ficou claro que a sua preferência não é avançar num caminho de maior integração, mas sim num de maior intergovernamentalidade.

Este desenvolvimento desencadeou uma intensa actividade diplomática da Chanceler Angela Merkel, levando-a a visitar vários Estados-membros, nomeadamente os do Grupo de Visegrado com o alegado objectivo de acertar agendas antes da Cimeira que teve lugar em Bratislava (16 setembro). Na prática o objectivo dessa maratona negocial foi, acima de tudo, tentar acomodar pontos de vista diferentes.

É importante continuar a monitorizar estes desenvolvimentos para se perceber até que ponto esta iniciativa de países que se encontram na esfera de influência e interesse da Alemanha podem vir a condicionar posições estratégicas futuras, acomodando linhas de ação opostas. Igualmente importante é saber até que ponto outras iniciativas, como a recente reunião de países do Sul, em Atenas, poderá encontrar pontos de convergência e reforçar esse debate. A verdade é que estas movimentações perturbaram vários dignitários germânicos. A saída do Reino Unido vai permitir que os países do Sul tenham um número de votos suficiente para impedirem a aprovação de medidas que lhe sejam desfavoráveis. Políticas de concertação entre os pequenos Estados poderão, se executadas com engenho e arte, travar as tentações centralizadoras da França e da Alemanha.

Carlos Martins Branco
Professor Universitário

Com

Eduardo Mascarenhas
Vogal da Direcção – Coordenador para a área da Comunicação

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