Efeitos da pandemia sobre a geopolítica global
Como já tinha sublinhado no editorial da última Newsletter, 2020 ficará marcado como um dos anos mais negros da história recente devido a uma grave crise sanitária, cujas consequências se fazem sentir diretamente em diversos domínios da geopolítica mundial, além da dramática perda de milhões de vidas humanas.
É reconhecido quase unanimemente que a pandemia do Covid-19 não se pode considerar causa direta de maior insegurança global, mas está a exacerbar um conjunto de fragilidades geopolíticas sobretudo nas regiões onde já antes se assistia ao agravamento de conflitos e tensões políticas, militares e económicas. Sobretudo em países com estados frágeis, com fraca capacidade de resposta, verificam-se escaladas de violência associadas à insegurança alimentar e sanitária, com a intervenção de grupos radicais.
Além desses fatores de preocupação, importa reconhecer que a pandemia está a contribuir para agravar algumas pressões e instabilidades na ordem mundial, com destaque para o papel disruptivo da Rússia sob o comando de Putin ou a rivalidade estratégica China-Estados Unidos da América.
A forte concorrência estratégica entre EUA e China que, em contexto de pandemia, parece ser ainda mais intensa, veja-se a guerra das vacinas, já levaram alguns especialistas a falar do ressurgimento de uma nova Guerra Fria a lembrar a situação de bipolaridade entre as duas superpotências – Pacto de Varsóvia e NATO – que perdurou desde o fim da segunda guerra mundial até à queda do muro de Berlim, num cenário de “paz impossível e guerra improvável”, como muito bem o caracterizava Raymond Aron.
As guerras comerciais e tecnológicas, as controvérsias à volta da Organização Mundial de Saúde (OMS), acusada por Trump de estar ao serviço da China são apenas a ponta visível desse antagonismo entre a China e os EUA, situação que não deixará de se manter com Biden, ainda que com um tom mais diplomático.
Por outro lado, é cada vez mais percetível que Pequim vai alargando cada vez mais o seu espaço de influência geopolítica. A iniciativa chinesa One Belt One Road, mais conhecida como a Nova Rota da Seda por referência às antigas vias comerciais entre a China e a Europa através de Ásia Central, África e Sudeste Asiático, assenta certamente numa visão estratégica e de fortalecimento do poder chinês. Recomenda-se, sobre este tema, a consulta das interessantes análises, divulgadas pela EuroDefense Jovem no Facebook.
O impacto da pandemia sobre a política, a geopolítica, a economia, a segurança e defesa e na sociedade em geral tem vindo a ser estudado atentamente por especialistas e investigadores, tanto no nosso país como a nível internacional, com opiniões convergentes no sentido de assinalar que, da crise pandémica, resultam tremendos impactos económicos e de vária ordem que poderão ter reflexos significativos nos equilíbrios geopolíticos e geoestratégicos que conhecemos. Merecem cuidada leitura as reflexões de dezenas de especialistas publicadas na edição especial dos IDN Brief sobre a pandemia:
https://www.idn.gov.pt/pt/publicacoes/Paginas/numeros-publicados.aspx?f=brief
28 de fevereiro de 2021
António Figueiredo Lopes
Presidente da Direção