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Os ataques terroristas que ocorreram a 11 de Setembro de 2001 nos Estados Unidos da América protagonizaram o início de uma grande guerra que se instalou durante cerca de 20 anos no Afeganistão. Os ataques, reivindicados pelas forças do Al-Qaeda, comandadas por Osama Bin Laden, foram a grande causa que despoletou a estratégia norte-americana “War on Terror” levada a cabo por George W. Bush em territórios como o Afeganistão e mais tarde, o Iraque. O 43º Presidente dos Estados Unidos da América admitiu que “A nossa guerra contra o terrorismo começa com o Al-Qaeda, mas não termina aí. Não terminará até todos os grupos terroristas de alcance global forem encontrados, parados e derrotados”. É por este motivo que se justifica a ativa presença de militares em território afegão desde então, sendo que estes têm como principal missão promover a paz, zelar pela segurança e ainda intervir perante ataques terroristas que ponham em causa as vidas afegãs. O profundo choque que se instalou por todo o mundo ocidental levou a que a NATO se movesse em prol de mostrar o seu apoio e solidariedade para com os Estados Unidos da América, ao invocar o artigo 5º do Tratado da Organização do Atlântico Norte de 1949, que apela ao princípio de defesa coletiva, explicitando que um ataque contra um membro da NATO é um ataque contra todos os membros da NATO.  Surgiu assim a discussão acerca de como poderia o terrorismo ser combatido no Afeganistão, o que foi rapidamente respondido por meio da conduta de diversas operações militares de larga escala. A operação Operation Enduring Freedom (OEF) foi a primeira a ser introduzida no contexto afegão, tendo sido conduzida pelos Estados Unidos da América e contado com o apoio de alguns aliados. O seu início, assinalado em outubro de 2001, é motivado pelo facto de Al-Qaeda recusar entregar Osama Bin Laden às autoridades norte-americanas, pelo que o governo norte-americano decidiu então destacar forças militares para o Afeganistão. Ainda em 2001, surge a International Security Force in Afghanistan (ISAF), por parte da Organização das Nações Unidas. Esta missão tinha como objetivo prestar auxílio às autoridades afegãs na preservação da segurança na capital afegã, Kabul. A missão ISAF começou a ser gerida pela NATO em Agosto de 2003, sendo que 3 anos depois, o papel da NATO estendeu-se a uma área mais vasta do Afeganistão, cobrindo agora a área ocidental, do norte e do sul, deixando a região de leste sobre controlo norte-americano devido à maior instabilidade causada pelos Talibãs. Existiu assim uma mudança de paradigma relativo ao papel da NATO no Afeganistão, sendo que este passou de um compromisso para estabilizar e reconstruir uma capital fragilizada e devastada a uma responsabilidade para a segurança do país inteiro. Em 2009, o 44º Presidente dos Estados Unidos da América, Barack Obama, anunciou que iria destacar mais 17,000 militares para servirem no Afeganistão durante um período crítico em que os Talibãs tinham ressurgido como uma ameaça mais forte e mais perigosa. Além disso, destaca militares que irão desempenhar funções de preparação e treino para as forças de segurança afegãs, visando construir assim uma base fundamental de pessoas capazes de preservar a segurança do Afeganistão. Em simultâneo, dá-se início à NATO Training Mission in Afganistan que procura também treinar as forças afegãs. O Presidente afegão, Hamid Karzi, eleito em 2009, desejava que as forças de segurança afegãs estivessem numa posição confortável para assumir o controlo da segurança e defesa do Afeganistão até ao final de 2014. Foi assim na Conferência de Lisboa que ficou acordado entre os líderes da NATO e o governo do Afeganistão que a responsabilidade sobre a segurança do país iria ser transferida da Missão ISAF para as forças afegãs até ao final de 2014. Este processo de transição aconteceu de forma gradual, sendo que as zonas territoriais menos afectadas pelo perigo iminente dos Talibãs seriam as primeiras a ser geridas pelas forças de segurança afegãs. No entanto, é também importante ressalvar a declaração de “Enduring Partnership” assinada pela NATO e pelo Afeganistão, como prova de uma base de apoio político e militar duradoura. Depois da Missão ISAF se retirar do contexto afegão, é lançada a Resolute Support Mission (RSM) que serve o propósito de providenciar treino e assistência às forças de segurança e defesa afegãs, para que estas se tornem mais capazes, autónomas e eficientes. Neste contexto, a visão difere bastante da apresentada acima. A comunidade internacional confiava agora no poder e nas forças afegãs para comandar o seu próprio processo de paz, tendo como objetivo primordial conseguir negociar com os Talibãs, procurando pôr fim às suas ameaças e aos seus ataques. O Afeganistão tinha ainda um grande caminho para traçar daí em diante, existindo a necessidade de transformar a governação do país, reformar e criar instituições nacionais e desenvolver o país económica e socialmente para ser possível sustentar uma longa paz no território afegão. Depois da retirada da Missão ISAF, é lançada a Resolute Support Mission, que serve o propósito de providenciar treino e assistência às forças de segurança e defesa afegãs, para que estas se tornam mais capazes, autónomas e eficientes. Para além da necessidade de auxílio militar, também se verificava uma grande carência em termos de ajuda humanitária. É neste contexto que importa ressalvar o papel desempenhado pela União Europeia em território afegão, tendo a Comissão Europeia ajudado na reconstrução do Afeganistão a longo prazo, pelo apoio prioritário em termos de ajuda humanitária, treinos militares e técnicos, estruturas institucionais do país e desenvolvimento da sociedade civil. Desde 2002, a UE doou mais de 4 mil milhões de euros em ajuda ao desenvolvimento ao Afeganistão, sendo um dos principais contribuintes para o Fundo Fiduciário para a Reconstrução do Afeganistão (ARTF) e tornando este país o maior beneficiário da ajuda ao desenvolvimento da UE no mundo. O Serviço Europeu de Ação Externa indica os três setores prioritários, definidos pelo Programa Indicativo Plurianual 2014-2020 e alinhadas com o Quadro Nacional de Paz e Desenvolvimento do Afeganistão (ANPDF), a desenvolver no Afeganistão são a paz, estabilidade e democracia – apoiando a polícia e reforçando o Estado de Direito, promovendo maior segurança, acesso à justiça, governação democrática e responsabilidade interna; o crescimento sustentável e emprego – onde existe uma aposta num crescimento económico mais inclusivo, sustentável e liderado pelo sector privado; e ainda a criação de serviços sociais básicos – nomeadamente existindo um enfoque no combate à pobreza e no fornecimento de cuidados de saúde, educação, infraestruturas, água e eletricidade. A ação da União Europeia no Afeganistão foca-se assim na promoção da paz e do progresso da segurança no país, em termos do combate à ameaça talibã, mas também a nível da redução do crime organizado e de corrupção. Assim, a estratégia europeia de auxílio ao governo afegão passa também pela partilha dos valores fundadores da União Europeia – a democracia, o Estado de Direito e os direitos humanos – e ainda pelo fomento do desenvolvimento social e económico que pressupõe uma maior cooperação que, apesar de ter vindo a melhorar com o apoio monetário providenciado pelas forças ocidentais, ainda carece de progressos. A aliança estabelecida em prol da paz passa por um forte apelo a um cessar-fogo permanente entre as forças intra-afegãs e numa prestação de ajuda humanitária, cuja necessidade se tem vindo a agravar no último ano com a pandemia COVID-19. Para compreendermos melhor a anunciada da retirada das tropas norte-americanas de território afegão, é importante contextualizar os anos anteriores que motivam fortemente esta decisão. Os Estados Unidos da América desempenharam um papel essencial no incentivo às forças intra-afegãs (o Governo afegão e os Talibãs) a cooperar em prol de uma maior segurança, estabilidade e desenvolvimento do país. Assim, foi no ano anterior que tal se tornou realidade, semeando a esperança na população afegã de poder viver num ambiente mais calmo e seguro. Para além disto, formalizou-se ainda um acordo entre os Estados Unidos da América e os Talibãs que assentava na promessa em como os últimos não atacariam os primeiros. É no presente ano que o 46º Presidente dos Estados Unidos da América, Joe Biden, anunciou a retirada dos 2,500 militares norte-americanos que estão atualmente destacados no Afeganistão até setembro. Foi neste seguimento que a NATO anunciou também que iria recorrer ao mesmo procedimento, começando por afastar os seus 9,600 militares associados à Resolute Support Mission já em maio. É assim que se anuncia o término do conflito mais longo da história dos Estados Unidos da América, tendo durado cerca de 20 anos. Este desfecho é marcado por uma grande confiança no governo e nas instituições afegãs, que estão preparados para enfrentar diversos desafios e para fazer erguer o seu país, negociando um acordo de paz com os Talibãs que irá proporcionar ao povo afegão um sentimento verdadeiro de estar seguro. Ainda assim, é importante afirmar a prontidão por parte dos Estados Unidos da América e da NATO para intervir, caso este processo de conquista e estabilização de paz não corra como previsto e que exista alguma ameaça à população afegã por parte dos Talibãs. Estaria assim traçado o caminho que hoje se percorre, ainda que não da forma que todos desejaríamos. Em apenas uma semana, ocorreu um ataque numa escola de Kabul que vitimou 55 meninas, com idades compreendidas entre os 11 e os 15 anos e seguiu-se outro que atingiu um autocarro e que fez perder a vida a mais 11 pessoas. Interessa referir que os Talibãs não assumiram a responsabilidade pelo ataque em questão, o que também abre a ideia de que o afastamento das forças ocidentais do território afegão irá ser uma janela de oportunidade para novos grupos radicalizados e extremistas exercerem a sua vontade e até confrontarem os Talibãs, pondo em causa vidas de pessoas inocentes. No entanto, é importante reforçar que a violência tem aumentado consideravelmente depois de ter sido anunciado que as tropas norte-americanas iriam começar a abandonar o país, o que alerta  a comunidade internacional para a permanência do problema. É impreterível reconhecer o papel importante que a presença da NATO e o apoio dos Estados Unidos da América e da União Europeia desempenharam para reerguer o Afeganistão. No entanto,  tendo em consideração as sérias fragilidades e vulnerabilidades do país, é importante refletir acerca do caminho que o Afeganistão seguirá sem o apoio acima mencionado. É também considerável ponderar até que ponto o Afeganistão será capaz de ultrapassar as várias adversidades que tem pela frente, conseguir assegurar um país seguro à sua população e fomentar o desenvolvimento social e económico, bem como a democracia. Para que isto seja um plano viável, é imprescindível que o governo afegão conte com o apoio por parte das forças do Ocidente, quer a nível financeiro quer a nível diplomático. A retirada das tropas da NATO de território afegão assinala um momento crítico para o Afeganistão, geralmente enquanto país integrado numa ordem internacional estabelecida, e particularmente para a população afegã que vê a sua vida ameaçada. Deste modo, a reflexão que enquanto cidadãos europeus devemos fazer prende-se essencialmente com o caminho que a União Europeia e os Estados Unidos da América em conjunto irão traçar daqui para a frente perante os vários possíveis cenários que sucederão a Guerra do Afeganistão que tem o seu término previsto para Setembro do presente ano. Se o governo afegão se demonstrar incapaz de controlar a ameaça terrorista, possivelmente proveniente de múltiplos grupos e organizações, será expectável que exista um retrocesso na decisão tomada pelo Presidente Joe Biden em terminar com “a guerra de sempre”? 


14 de maio de 2021

Margarida Malta
EuroDefense Jovem-Portugal


Bibliografia:

Berdal, M. (2016). A Mission Too Far?: NATO and Afghanistan, 2001–2014. In MARSTON D. & LEAHY T. (Eds.), War, Strategy and History: Essays in Honour of Professor Robert O’Neill (pp. 155-178). Acton, Australia: ANU Press. Retrieved April 21, 2021, from http://www.jstor.org/stable/j.ctt1dgn5sf.16

Hoehn, A., & Harting, S. (2010). A Greater Role for NATO in Afghanistan. In Risking NATO: Testing the Limits of the Alliance in Afghanistan (pp. 25-40). Santa Monica, CA; Arlington, VA; Pittsburgh, PA: RAND Corporation. Retrieved April 21, 2021, from http://www.jstor.org/stable/10.7249/mg974af.11

Hoehn, A., & Harting, S. (2010). Redefining NATO’s Role: 9/11 to Afghanistan. In Risking NATO: Testing the Limits of the Alliance in Afghanistan (pp. 13-24). Santa Monica, CA; Arlington, VA; Pittsburgh, PA: RAND Corporation. Retrieved April 21, 2021, from http://www.jstor.org/stable/10.7249/mg974af.10

Fontes de informação

EEAS (2020) EU-Afghanistan relations, factsheet. Disponível em: https://eeas.europa.eu/headquarters/headquarters-homepage/10740/eu-afghanistan-relations-factsheet_en.

European Comission (2021). Afghanistan. Disponível em: https://ec.europa.eu/international-partnerships/where-we-work/afghanistan_en.

NATO (2021) NATO and Afganistan. Disponível em: https://www.nato.int/cps/en/natohq/topics_8189.htm.

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