No passado dia 1 de janeiro de 2023, Lula da Silva iniciou funções enquanto Presidente do Brasil, após um processo eleitoral conturbado e marcado por uma feroz disputa entre o atual presidente e Jair Bolsonaro. A promessa de uma rutura para com as anteriores políticas do executivo brasileiro impactou a campanha de Lula da Silva, sendo que, neste momento, as diferenças já se encontram altamente vincadas, por exemplo, no que diz respeito à estratégia para a política internacional, onde se destacam múltiplos indícios de uma maior abertura, depois de um período de maior isolacionismo levado a cabo pelo anterior presidente.
O retorno do Brasil ao jogo das relações entre estados parece ser, portanto, uma característica fundamental do governo de Lula, algo que se entende pela séria perda de influência do Brasil no panorama político internacional dos últimos anos, num cenário em que fatores como o insucesso no combate à pandemia ou o discurso contraditório de Bolsonaro em matéria económica contribuíram para esta realidade. Tendo isto em conta, não se pode estranhar que os primeiros movimentos de Lula da Silva no tabuleiro internacional estejam relacionados com as duas grandes potências atuais, ou seja, os Estados Unidos da América e a China: depois de uma mais discreta visita a Joe Biden, Lula encontrou-se na última semana com o Presidente chinês Xi Jinping, perante o olhar atento de todo o mundo.
Uma aproximação à China?
Uma aproximação do Brasil à China não seria, de todo, surpreendente se olharmos para a primeira vez que Lula tomou conta dos destinos do Brasil. Em 2009 a aproximação alcançou uma efetivação concreta com o surgimento do grupo “BRICS” que junta, precisamente, o Brasil e a China entre outras economias de elevado potencial. A este respeito, não podemos, de igual modo, ignorar a afiliação ideológica de Lula da Silva e a influência que tal poderá ter na vontade aparente de se aconchegar à China.
A recente visita ao território chinês por parte de Lula da Silva sinalizou por diversos motivos uma vontade óbvia de conquistar um lugar importante enquanto parceiro chinês. Se à partida seria natural pensar que a diferença no tamanho da comitiva que visitou os EUA em comparação com aquela que visitou a China (substancialmente mais alargada neste segundo caso) é apenas um insignificante acaso, a verdade é que estes tipos de detalhes adquirem relevância adicional quando se analisa relações internacionais e movimentos diplomáticos desta natureza. Por outro lado, a crescente importância da China em matéria económica não passa indiferente a nenhum canto do mundo como facilmente se compreende e, se inclusivamente em solo europeu existem já várias pistas de aproximação à China em matéria comercial, esperar-se-ia, sem espanto, que países como o Brasil seguissem também esta mesma orientação e a levassem até a outros patamares de maior proximidade como parece estar a ocorrer. Neste aspeto, não é coincidência que Lula da Silva tenha estado reunido, na visita à China, com empresários brasileiros ligados ao setor agrícola e da indústria agroalimentar, tendo em consideração que a China possui a maior fatia das exportações brasileiras ligadas a esta área.
A maior novidade e causa de alerta para os Estados Unidos está ligada, não tanto a uma espectável cooperação comercial, mas principalmente a uma parceria que transcende esta vertente: uma parceria política, diplomática e que, segundo declarações de Lula, pretende “equilibrar a geopolítica mundial”. Neste sentido, verifica-se também um ensaio a uma guerra aberta ao dólar enquanto moeda predileta no comércio entre estados, situação que faz estremecer consideravelmente a arena das relações internacionais pela influência que o discurso pode ter na perspetiva de outros países em relação a este tópico e, na medida em que uma eventual perda de impacto do dólar neste tipo de transações constitui, claramente, um golpe assinalável aos EUA ao mesmo tempo que abala o equilíbrio de poder internacional.
Efetivamente, a China vê no Brasil um aliado de muito valor estratégico e teria todo o interesse em captar a atenção de um Lula da Silva que pretende a todo o custo resgatar o poder e influência que o Brasil tem vindo a perder. Relata-se que durante a visita da última semana, os líderes de ambos países tenham assinado quinze acordo de cooperação e parceria, acordos estes que parecem possuir importância significativa de acordo com algumas análises preliminares, não sendo portanto apenas uma manobra diplomática, mas sim algo concreto. Destaca-se talvez um acordo em específico que diz muito em relação àquilo que tem vindo a ser a estratégia e política chinesa e que tem a ver com um pacto para a construção de um satélite que permite a emissão televisiva conjunta entre os dois países. A confirmar-se, este seria possivelmente mais um passo para a expansão de influência e da propaganda chinesa, que deverá querer atingir outras partes do mundo de maneira eficaz com vista a adquirir maior preponderância, naquilo que é, da mesma maneira, mais uma prova da intenção de Xi Jinping em fazer uso da tecnologia como instrumento de obtenção de poder.
Relação com os EUA
As relações entre Estados Unidos e Brasil permanecem algo conturbadas como já tinha acontecido no anterior mandato do governo brasileiro. A visita de Lula a Washington, que ocorreu no passado mês de fevereiro, ficou marcado por um encontro relativamente curto entre os dois Presidentes em comparação com o que sucedeu em Pequim, circunstância que parece indicar uma manobra subtil e premeditada de Lula da Silva. Recordar também que na antecâmara desta visita aos EUA, o Presidente brasileiro adiou a atracagem de navios de guerra iranianos no seu território, resultado da pressão exercida por Washington e numa tentativa de aliviar tensões em véspera de se encontrar com Joe Biden. A realidade mostrou que, não obstante os esforços diplomático norte-americanos, a marinha brasileira acabaria por conceder permissão para a atracagem dos navios, contribuindo para um degradar de tom nas relações entre ambos. Este acontecimento marca uma evidente tomada de posição por parte de Lula, que assim solidifica a sua vontade de se apresentar na comunidade internacional enquanto ator neutral neste tipo de questões, à imagem do que vai fazendo a China. Esta perspetiva estende-se, no mesmo molde, ao conflito entre a Rússia e a Ucrânia como afirmou, aliás, o próprio Lula na recente viagem a Pequim, onde teceu múltiplas críticas aos EUA pelo “incentivo” que têm causado à guerra.
Ainda que, aparentemente, exista uma aproximação à China não é previsível que o Brasil se afaste por completo dos EUA por toda a importância que a grande potência tem na região da América Latina, pela proximidade geográfica e, naturalmente, porque não interessa ter nos EUA um inimigo de qualquer tipo, mesmo que se verifiquem discordâncias estruturais entre os dois executivos. Assim, depreende-se que a estratégia do presidente do Brasil passa por uma tentativa clara de se afirmar enquanto ator internacional relevante colocando-se, para esse efeito, numa posição em que Estados Unidos e China disputam entre si a sua atenção, algo que foi, inclusivamente, assumido por um dos membros da comitiva brasileira que viajou para a China: “(…) se os dois gigantes quiserem brigar para saber quem será o melhor parceiro para o Brasil, só temos a ganhar.”
Conclusão
O posicionamento do Brasil na disputa entre Estados Unidos e China é ainda uma incógnita e seria ainda cedo para retirar conclusões concretas acerca deste tema. Todavia, os prenúncios são bastante esclarecedores no que concerne à visão e estratégia do Presidente Lula da Silva: por um lado, acredita que neste momento a China poderá trazer mais vantagens e soluções a um Brasil que necessita, urgentemente, de se afirmar enquanto potência de destaque em termos económicos e políticos; por outro, não quererá fechar a porta aos EUA que, tudo somado, sobrevivem enquanto maior potência mundial. Numa diferente perspetiva, a China parece ver no Brasil um aliado de peso que servirá como via para expandir, definitivamente, a sua influência numa região importante como é a América Latina. Dito isto, Xi Jinping alicia o Brasil com propostas concretas e valoriza esta boa relação de uma maneira muito assertiva e evidente através de grandes consensos e da assinatura de vários acordos. Joe Biden, por sua vez, não terá vontade de ir pelo mesmo caminho, ficando os consensos e os acordos relacionados, somente, com as alterações climáticas e com o problema ambiental da Amazónia.
Um alinhamento do Brasil mais próximo da China e o exemplo que tal escolha possa dar a outros estados em desenvolvimento resulta naquilo que pode facilmente ser mais um fator de poder para a China e mais um golpe na hegemonia dos Estados Unidos da América. Deste ponto de vista, a estratégia chinesa leva vantagem pela capacidade que tem de se apresentar neutral em assuntos que causam fraturas na opinião pública mundial e pelo alargamento da esfera de influência em países desfavorecidos que se sentem abandonados pela comunidade internacional. A apreensão americana é percetível e natural, mas não terão tarefa fácil para que o equilíbrio de poder permaneça confortavelmente do seu lado: mais um passo no estabelecimento de uma ordem mundial bipolar?
18 de abril de 2023
Guilherme de Sousa Taxa
EuroDefense Jovem Portugal
Bibliografia
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Mahbubani, K. (2020). A China já ganhou? Bertrand Editora.
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